Teste com animais garante sobrevivência dos humanos

Pesquisador da Fiocruz, Renato Cordeiro foi o primeiro coordenador do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), que regulamenta a criação e utilização de animais em atividades de ensino e pesquisa científica no país. Nesta entrevista exclusiva para o Jornal da Ciência, ele fala das regras e da importância desse tipo de experimentação para a humanidade.

Pesquisador titular da Fiocruz, Renato Cordeiro foi o primeiro coordenador do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), criado pela Lei Arouca (Lei 11.794/ 2008), que regulamenta a criação e utilização de animais em atividades de ensino e pesquisa científica no país. Nesta entrevista exclusiva para o Jornal da Ciência, publicação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), ele fala das regras e da importância desse tipo de experimentação para a humanidade.

Jornal da Ciência – Qual a importância da utilização de animais na pesquisa científica?

Cordeiro – Grandes avanços na saúde pública  foram propiciados à humanidade, graças à utilização de animais na pesquisa científica. Podemos citar como exemplos a descoberta e o controle de qualidade de vacinas contra a pólio, o sarampo, a difteria, o tétano, a hepatite, a febre amarela e a meningite. Testes com animais também foram essenciais para a descoberta de anestésicos, de antibióticos e dos anti-inflamatórios, de fármacos para o controle da hipertensão arterial e diabetes, da dor e da asma, para tratamento da ansiedade, dos antidepressivos, dos quimioterápicos, e dos hormônios anticoncepcionais. Atualmente, vários trabalhos estão sendo desenvolvidos em laboratórios brasileiros visando a descoberta de vacinas e medicamentos para a malária, a aids, dengue, tuberculose e outras doenças. Poderíamos, portanto, dizer que os animais experimentais são grandes responsáveis pela sobrevivência da raça humana no planeta.

Por que não é possível abrir mão desse tipo de experimentação?

Embora técnicas altamente sofisticadas e equipamentos com alta tecnologia sejam necessários para que algumas pesquisas sejam realizadas, em virtude da complexidade da célula biológica, o uso de animais de laboratório ainda é necessário para sua execução. Vale ressaltar que vários pesquisadores, no Brasil e no exterior, já desenvolvem grandes esforços visando a descoberta de métodos alternativos, para que algum dia os animais não sejam mais necessários ou utilizados em pesquisas experimentais. Atualmente, porém, somente em alguns poucos casos a Biologia Celular e Molecular, através de técnicas de cultura de tecidos, e simulações computacionais oferecem essa possibilidade. Neste sentido, é um grande equívoco, irresponsabilidade e desconhecimento da realidade ir para a mídia afirmar que os animais não são mais necessários para a descoberta de novas vacinas, medicamentos e terapias.

De que forma esses testes são regulados?

No Brasil, um grande marco para a pesquisa cientifica na área da saúde ocorreu com a aprovação da Lei 11.794 de outubro de 2008, conhecida como Lei Arouca, que regulamentou a criação e utilização de animais em atividades de ensino e pesquisa científica no país. A nova lei criou o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), e obrigou as Instituições de Pesquisa a constituírem uma Comissão de Ética no Uso de Animais (Ceua).

A Resolução nº 1 do Conceadeterminou as competências das Ceuas , que são os componentes essenciais para aprovação, controle e vigilância das atividades de criação, ensino e pesquisa científica com animais, bem como para garantir o cumprimento das normas de controle da experimentação animal editadas pelo Concea. As Ceuas representam uma grande mudança de cultura na ciência e são formadas por médicos veterinários e biólogos, docentes e pesquisadores na área específica da pesquisa científica, e um representante de sociedades protetoras de animais legalmente constituídas e estabelecidas no país.

Ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o Concea tem apresentado um desempenho excelente. Uma de suas principais competências é expedir e fazer cumprir normas relativas à utilização humanitária de animais com finalidade de ensino e pesquisa cientifica; credenciar instituições brasileiras para a criação ou utilização de animais em ensino e pesquisa científica; e monitorar e avaliar a introdução de técnicas alternativas que substituam a utilização de animais em ensino e pesquisa.

E como é a participação das entidades defensoras dos animais nesse processo?

Os representantes das sociedades protetoras de animais legalmente estabelecidas no país são profissionais muito qualificados, com formação pós-graduada em nível de doutorado, e têm dado excelentes contribuições na Câmara dos Deputados e nas discussões e deliberações do Concea. A Diretriz Brasileira para o Cuidado e a Utilização de Animais para fins Científicos e Didáticos (DBCA), publicada na Resolução Normativa 12, de 20 de setembro de 2013, uma bíblia para os laboratórios de pesquisa no Brasil, é um dos recentes exemplos de competência dos membros do colegiado.

Qual a importância da experimentação animal para os próprios animais?

Os animais domésticos como cães e gatos e os de interesse econômico como bovinos, suínos e aves também têm sido beneficiados com os avanços da ciência no campo da terapêutica e cirurgia experimental. Poderíamos destacar as vacinas para a raiva, a cinomose, a febre aftosa, as pesquisas com o vírus da imunodeficiência felina, a tuberculose e várias doenças infecto-parasitárias.

Mario Nicoll / Jornal da Ciência