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Regularização de terras de quilombolas em Alcântara esquenta debate na Reunião da SBPC

Moradores de comunidades quilombolas mantêm pressão pela regularização de terras na Base Espacial de Alcântara, onde desde 1980 está fixado o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), da Agência Espacial Brasileira (AEB).

Moradores de comunidades
quilombolas mantêm pressão pela regularização de terras na Base Espacial de
Alcântara, onde desde 1980 está fixado o Centro de Lançamento de Alcântara
(CLA), da Agência Espacial Brasileira (AEB).

Há 30 anos, os quilombolas
buscam recuperar uma extensão de área estimada em 78 mil hectares de terra
usados para implementar o CLA, onde existem mais de 150 comunidades
quilombolas. A afirmativa é do advogado Danilo da Conceição Serejo Lopes, que
proferiu, na segunda-feira (23), a conferência A Base Espacial e as
comunidades quilombolas de Alcântara, durante a 64ª Reunião Anual da
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em São Luís.

 

As terras desapropriadas dos
quilombolas foram passadas para a União, para a construção do CLA, gerando
conflitos fundiários no município, hoje com 21,851 mil habitantes, a maioria
descendente de quilombolas e indígenas – e que registra um dos menores
índices de desenvolvimento humano (IDH) nacional, acompanhando a tendência da
maioria dos municípios do Maranhão.

 

“É fundamental o governo
federal cumprir o papel constitucional de regularizar o território quilombola
de Alcântara”, disse o quilombola Serejo Lopes à plateia composta por
dezenas de estudantes, cientistas, pesquisadores e outros no auditório central
da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), onde o evento é realizado até
sexta-feira (27).

 

Nascido em Alcântara, Serejo
Lopes foi convidado para falar dos conflitos no município. Ele representa a
primeira geração dos quilombolas de Alcântara a conquistar uma formação
universitária. Foi graduado em Direito na Universidade Federal de Goiás e é
também pesquisador do Programa Nova Cartografia Social (PNCS) da Fundação
Amazônica.

 

Impacto
socioeconômico e ambiental –
 Apesar
de ser um dos principais pontos turísticos do Maranhão e abrigar a Base
Espacial de alta tecnologia e referência internacional, o município de
Alcântara, a 18,3 quilômetros de São Luís, possui um contraste socioeconômico
significativo, embora as promessas eram de que o projeto levaria o desenvolvimento
para a região. Ao contrário disso, afirma Serejo Lopes, a situação dos
quilombolas foi agravada pela implementação da Base de Alcântara, uma vez que
a economia local é pautada basicamente pela agricultura familiar,
principalmente feijão, arroz e mandioca, além da pesca. A seca tem
prejudicado o cultivo agrícola na região e a presença do CLA na área ocupada
até então pelos quilombolas inviabiliza a pesca e reduz a área agrícola
cultivada.

 

Fixado em uma área de mangue,
igarapés e mar, o CLA empurrou os quilombolas para o interior, até então
assentados na região litorânea, e para longe de áreas agrícolas menos
produtivas, gerando impactos negativos tanto na natureza quanto na
agricultura. Como exemplo, Serejo Lopes destacou a queda de 45% da produção
de arroz dez anos, de 1986 a 1996, em decorrência da redução da área
cultivada do grão, na mesma proporção. Ele não citou dados agrícolas mais
recentes.

 

Violação aos
direitos constitucionais –
 Segundo
Serejo Lopes, hoje os quilombolas precisam pedir uma permissão à autoridade
federal para circular na área da Base de Alcântara, ferindo os direitos
constitucionais, como a dignidade humana, o direito à alimentação, à moradia
e à terra para o cultivo.

 

“O Centro de Lançamento de
Alcântara transformou-se em uma violação de direitos humanos da população,
desde a garantia à alimentação até à moradia”, analisou Serejo Lopes, em
sua conferência apresentada pelo presidente do PNCS da Fundação Amazônia,
Alfredo Wagner Berno de Almeida, conselheiro da SBPC.

 

Visão
antropológica –
 Com a
mesma opinião, a antropóloga Cynthia Carvalho Martins, da Universidade
Estadual do Maranhão, afirma que uma parte litorânea da área de Base de
Alcântara foi privatizada (leia-se “alugada”) para empresas
fornecedoras de serviços ao próprio CLA, o que piora a situação dos
quilombolas que não podem acessar o oceano para a pesca. “O que existe
em Alcântara é a desmobilização de modos de vidas e de áreas de ocupação
antiga. É uma violação de direitos garantidos pela Constituinte”,
observa Cynthia, também pesquisadora do PNCS da Fundação Amazônica.

 

Histórico – Estudioso
do assunto, Serejo Lopes discorreu sobre o histórico do projeto do CLA,
criado pelo decreto 7.820, publicado em 12 de setembro de 1980, pelo então
governador do estado, João Castelo. Inicialmente, eram previstos 52 mil
hectares, prejudicando direta e indiretamente 23 comunidades quilombolas, o
equivalente a 312 famílias deslocadas de suas terras secularmente ocupadas
pelos seus descendentes.  Alcântara foi fundada em 1648. Em 1986 foi
assinado o decreto presidencial mantendo a mesma área demarcada. E após cinco
anos o então presidente da República, Fernando Collor de Mello, fez uma
mudança no decreto adicionando 10 mil hectares na área, perfazendo um total
de 62 mil hectares na Base de Alcântara, demarcação utilizada nos dias
atuais, que foram desapropriados pelos quilombolas.

 

Mobilização
da população –
 Preocupados
com os impactos negativos na região, em 1999 a população criou o Movimento
dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara. Nesse mesmo ano, foi realizado
o seminário: A Base Espacial e os impactos sociais, organizado pelo Sindicato
Rural do município. Foi quando iniciaram os conflitos em Alcântara. As
comunidades se uniram e decidiram a não ceder mais nenhum palmo de

terra ao Projeto. Serejo Lopes
declara, porém, que até agora o estado tem sobressaído nos conflitos.

 

Em 2001 os quilombolas entraram
com uma ação contra o Estado no Ministério Público por não respeitar os
direitos constitucionais dos moradores locais. Baseado em relatório técnico
de identificação e delimitação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra), o Ministério Público determinou que o processo de
regularização fundiário do território quilombola de Alcântara abrange 78 mil
hectares de terra onde estão reunidas 150 comunidades quilombolas, excluindo
o espaço ocupado pelo CLA, de 24 mil hectares aproximadamente, segundo Serejo
Lopes. A AEB é interessada nessas áreas para a expansão da Base Espacial
Brasileira. Já o programa Nova Cartografia Social mostrou que essa extensão
de terra, com quilombolas residentes, é maior do que os 78 mil hectares.

 

O processo jurídico está parado
desde 2008 na Advocacia Geral da União (AGU), para onde foi encaminhado
depois de o Ministério Público divulgar o relatório técnico no Diário Oficial
da União, em 4 de novembro de 2008. O relatório, porém, foi contestado dentro
do prazo de 90 dias pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI), da
Presidência da República, que na ocasião manifestou sinais de equilibrar
interesses. Dessa forma, foi instaurada uma comissão de conciliação na AGU,
que reduziu a extensão de área da Base de Alcântara de 62 mil hectares para
oito mil hectares. Nesse caso, seria da presidente Dilma Rousseff a canetada
final para garantir a titularidade dessas terras em nome das comunidades
quilombolas.

 

Expectativa
de reversão –
 Serejo
Lopes espera que o Brasil consiga reverter tal situação em razão da Convenção
169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) segundo a qual determina
consulta prévia dos moradores para qualquer projeto governamental. Assim,
2012 é um ano importante para os quilombolas porque o Brasil tem de
“prestar contas” sobre esse documento internacional.

 

(Viviane Monteiro – Jornal da
Ciência)