A volta do pré-iluminismo: quando ‘não se acreditava’ na ciência

Movimento anti-vacina, negação de estudos e teorias científicas. Todos esses elementos fazem parte de um novo negacionismo, apontam especialistas. Entenda a discussão!

Durante a pandemia do novo coronavírus, os olhos do mundo se voltaram para a ciência. Por meio dela se espera, até hoje, um remédio ou vacina eficaz que vença a Covid-19. Mas, se por um lado, os pesquisadores se tornaram o centro das atenções, do outro, passaram a ser também alvos de ataques verbais e físicos devido aos seus estudos. Especialistas associam essa violência e descrédito à ciência a um período específico da história humana, o pré-iluminismo, quando valiam muito mais dogmas religiosos e misticismo do que a ciência e a razão (representada pelo Iluminismo que viria depois).

Segundo estudos sobre a época, o período pré-iluminista foi marcado também por repressão a estudos científicos ou mesmo por pesquisas que não demonstravam o que se esperava. Essa descrição pode parecer distante, mas a pandemia mostrou que há exemplos recentes, embora com menor intensidade.

Ataques a cientistas em Manaus

Marcus Lacerda é um médico infectologista que atua em Manaus e ficou conhecido por seu estudo sobre a cloroquina, o qual atestou que doses mais altas do medicamento não devem ser utilizadas em pacientes graves da Covid-19. A pesquisa analisou a eficácia e a segurança de duas dosagens diferentes da cloroquina e foi realizada com 81 pacientes confirmados para Síndrome Respiratória Aguda Grave.

Pelo fato de o resultado do estudo ter demonstrado complicações e até risco de morte em caso de alta dosagem da cloroquina, Marcus e os mais de 70 pesquisadores que participaram do estudo foram muito criticados. O cientista recebeu ameaças de agressão e morte e foi exposto nas redes sociais, até mesmo por políticos, como o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

“Esse é talvez o ônus principal do investigador, do cientista. Quando ele erra, ou melhor, quando não atende às expectativas, a sociedade é muito cruel com ele. Gera uma revolta com o pesquisador, como se ele fosse o culpado pelo não funcionamento do remédio como se espera”, comenta Marcus.

Como a ciência é vista pelos brasileiros

Em meio a ataques a cientistas durante a pandemia, surge uma pergunta que pode estar diretamente ligada a esses acontecimentos. Como os brasileiros veem a ciência? Quem responde é Sanderson Oliveira, secretário regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC-AM).

“Existe uma pesquisa feita pelo Centro de Gestão de Estudos Estratégicos, ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, e que traz dados importantes sobre a percepção dos brasileiros com a ciência. De forma geral, podemos dizer que a população tem uma visão positiva dos pesquisadores, mas, costumam não saber citar o nome de um cientista [brasileiro]. Indicadores que apontam o consumo de ciência mostram também que a frequência com que brasileiros entram em contato com estudos é baixa, em especial por meio de locais de produção e divulgação de ciência, como institutos, museus, bibliotecas, feiras de ciências, etc”, explica Oliveira.

Pelo fato de o resultado do estudo ter demonstrado complicações e até risco de morte em caso de alta dosagem da cloroquina, Marcus e os mais de 70 pesquisadores que participaram do estudo foram muito criticados. O cientista recebeu ameaças de agressão e morte e foi exposto nas redes sociais, até mesmo por políticos, como o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

“Esse é talvez o ônus principal do investigador, do cientista. Quando ele erra, ou melhor, quando não atende às expectativas, a sociedade é muito cruel com ele. Gera uma revolta com o pesquisador, como se ele fosse o culpado pelo não funcionamento do remédio como se espera”, comenta Marcus.

Como a ciência é vista pelos brasileiros

Em meio a ataques a cientistas durante a pandemia, surge uma pergunta que pode estar diretamente ligada a esses acontecimentos. Como os brasileiros veem a ciência? Quem responde é Sanderson Oliveira, secretário regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC-AM).

“Existe uma pesquisa feita pelo Centro de Gestão de Estudos Estratégicos, ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, e que traz dados importantes sobre a percepção dos brasileiros com a ciência. De forma geral, podemos dizer que a população tem uma visão positiva dos pesquisadores, mas, costumam não saber citar o nome de um cientista [brasileiro]. Indicadores que apontam o consumo de ciência mostram também que a frequência com que brasileiros entram em contato com estudos é baixa, em especial por meio de locais de produção e divulgação de ciência, como institutos, museus, bibliotecas, feiras de ciências, etc”, explica Oliveira.

“Nós estamos passando por uma quadra na qual há uma narrativa negacionista bastante profunda. Ela coloca em cheque parte dos elementos da história, como a ditadura militar brasileira. Não só isso, mas alcança a ciência. Exemplos são o movimento anti-vacina, as teorias da conspiração de que o homem não foi a lua e até a troca dos estudos de Darwin pelo criacionismo”, comenta o sociólogo.

Menezes diz que esses movimentos de descrença à ciência se mostram também durante o texto da pandemia, mas que não são exclusivos dela. E alerta para o risco de violência que, segundo ele, faz parte do negacionismo.

“O que a gente percebe é que o negacionismo embute um profundo processo de violência cultural e política, uma narrativa que desconstrói qualquer comunhão, de solidariedade humana. É como se fosse uma guerra na qual eu escolho meus inimigos, como comunistas, feministas, cientistas, a universidade, o meio ambiente, a educação de Paulo Freire, e muito mais. É chocante esse momento que estou chamando de pré-iluminista”, reflete o professor.

Sobre o Iluminismo

O termo é descrito no livro ‘O novo Iluminismo – em defesa da razão, da ciência e do humanismo’, escrito por Steven Pinker, um psicólogo, linguista canadense e professor da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.

“Em um ensaio com esse título escrito em 1784, Immanuel Kant respondeu que é “a saída do ser humano da menoridade de que ele próprio é culpado”, de sua submissão “preguiçosa e covarde” aos “dogmas e fórmulas” da autoridade religiosa ou política. Seu lema [do Iluminismo], ele proclamou, é “ouse entender!”, e sua exigência fundamental é a liberdade de pensamento e expressão”, afirma o autor.

Em outras palavras, o Iluminismo foi um movimento intelectual do século XVIII, mais especificamente entre 1715 e 1789, na Europa. Como descreveu Pinker acima, a ideia era deixar de lado o misticismo, crenças religiosas e políticas para focar na razão, no pensamento e na ciência.

Com o conceito acima, especialistas e intelectuais apontam que o Brasil e o mundo estariam voltando a um período anterior ao iluminismo, ou seja, quando a ciência era menos importante e por vezes até proibida, a depender do estudo que se quisesse realizar.

Em seu Twitter, Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal, falou sobre a volta do pré-iluminismo e sua atuação no Brasil. A postagem é do dia 14 de junho deste ano. Na fala, o magistrado se referia a extremistas bolsonaristas que atacaram a sede do Supremo Tribunal Federal, em Brasília, e atearam fogos de artifício contra o prédio.

“Há no Brasil, hoje, alguns guetos pré-iluministas. Irrelevantes na quantidade de integrantes e na qualidade das manifestações. Mas isso não torna menos grave a sua atuação. Instituições e pessoas de bem devem dar limites a esses grupos. Há diferença entre militância e bandidagem”, escreveu ele.

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