Apesar dos recursos integrais do FNDCT, Governo Federal mantém limitações orçamentárias para estrutura de CT&I

Análise realizada pela SBPC mostra cortes em verbas da Capes e da Embrapa, e CNPq terá limitações para expandir o número de bolsas

Termina nesta quinta-feira (23/11) o prazo para as comissões permanentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal definirem as emendas que serão anexadas ao projeto da Lei Orçamentária Anual de 2024, o PLOA. Por meio do PLOA, o Governo Federal estima quais despesas serão realizadas em cada setor no ano seguinte, e sua proposta é encaminhada para votação nas duas casas do poder Legislativo.

Com base na proposta elaborada pelo Governo Federal, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) realizou uma análise orçamentária sobre os recursos destinados à Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). Como destaque negativo, o governo prevê destinar um orçamento ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), 6,76% menor do que o aprovado para o ano de 2023.

Para a vice-presidente da SBPC, Francilene Procópio Garcia, esse indicador é um alerta sobre o olhar governamental acerca do setor, mas é importante considerar também a disponibilidade dos recursos integrais do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

“Em linhas gerais, o MCTI tem previstos recursos da ordem de R$ 12,4 bilhões, isso é quase 7% menor do que foi aprovado na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2023. Essa análise a gente faz quando considera apenas o Ministério. Agora, se considerarmos as ações que ele operacionaliza junto à Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), a gente vê um acréscimo orçamentário de 51%. Por quê? Porque, pela primeira vez, o FNDCT entra de maneira integral, sem nenhuma reserva ou contingenciamento, o que equivale a uma injeção de R$ 3 bilhões a mais no comparativo com 2023.”

Entretanto, apesar do FNDCT contar com seus recursos integrais, é importante questionar a utilização destes valores. No PLOA, são destinados 50% para recursos reembolsáveis e 50% como recursos não-reembolsáveis, diferentemente da proposta defendida pela comunidade científica para 2024, que era de, pelo menos, 60% para recursos não-reembolsáveis e 40% para reembolsáveis.

“Pela lei do FNDCT, é definido que uma parte dos seus recursos deve ser destinada para investimentos em linhas de operação de crédito diretamente para as empresas, o que a Finep opera. Então, são os programas de crédito direto às empresas que desenvolvem projetos inovadores, com incentivos na forma de taxas de juros bem menores do que é oferecido no mercado financeiro. Com a mudança do indicador de remuneração TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo) para TR (Taxa Referencia), hoje, a Finep opera o financiamento reembolsável com taxas de juros de apenas 4% ao ano. Essas condições são muito bem-vindas  para fomentar a inovação num ciclo de retomada da industrialização no país. No entanto, é preciso avançar em patamares compatíveis de investimentos na infraestrutura científica do País, necessária em muitas áreas estratégicas e de fronteira”, detalha Garcia.

A especialista defende que destinar metade dos recursos do FNDCT para investimentos em empresas é ignorar a importância das universidades e instituições de pesquisa nos ciclos de formação e realização de projetos de P&D.

“O país não avançará na formação e na retenção de talentos com boas instalações de pesquisa sem a destinação de recursos não-reembolsáveis compatíveis. É necessário priorizar e destinar recursos para a ciência desenvolvida no País, caso contrário o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação vai exaurir. É preciso ampliar a formação de talentos, inclusive em áreas críticas, manter a infraestrutura de pesquisa em laboratórios que geram os conhecimentos e as tecnologias, muitos deles conectados com redes internacionais de pesquisa. Estes ativos são essenciais para a soberania do Brasil e para um sistema produtivo inovador. O sistema equilibrado, como parte de uma política de Estado, requer plano de ação com prioridades definidas e recursos perenes.”

PLOA detalha recursos disponibilizados a cada instituição

Um ponto elogiado por Garcia é que, nesta PLOA, há o detalhamento dos recursos a serem distribuídos para cada unidade de pesquisa mantida pelo MCTI, diferentemente do que era realizado na gestão governamental anterior.

“Na gestão passada, havia apenas uma categoria no orçamento com todos os recursos que seriam destinados às unidades de pesquisa. Isso dificultava muito para os gestores dessas unidades saberem com quais recursos que eles contariam no ano. A ministra Luciana Santos, da Ciência, Tecnologia e Inovação, retomou a destinação específica de recursos das unidades de pesquisa, o que é fundamental, porque aumenta a transparência e facilita a gestão.”

A análise orçamentária da SBPC não identificou aumentos significativos nos recursos para cada unidade de pesquisa, mas há a possibilidade das instituições obterem mais verbas. “O MCTI manteve uma categoria de despesas que é para desenvolvimento científico, difusão do conhecimento e popularização da ciência, e que está atrelada à administração do Ministério. São recursos que certamente serão investidos nas unidades de pesquisa, mas que precisarão de negociações entre os gestores e o MCTI”, explana Garcia.

Outro ponto importante é a verba orçamentária destinada ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Mesmo com o órgão tendo um aumento em seus recursos de 8,18%, esse acréscimo refere-se à manutenção das bolsas de pesquisa existentes e não à sua expansão, como alerta a especialista.

“Apesar desse aumento nos recursos do CNPq já cumprir a cobertura dos novos valores das bolsas que foram anunciados no início desse governo, a gente percebe com o orçamento que ficou para o órgão que ele continuará com limitações para expandir o sistema de bolsa no País. É preciso ampliar o número de bolsistas remunerados pelo CNPq e esse orçamento de 2024 nos mostra fortes limitações para isso.”

Além do MCTI, a análise orçamentária realizada pela SBPC também considera outros órgãos federais ligados aos demais ministérios, que também mantêm a estrutura científica brasileira. É o caso da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), entidade do Ministério da Educação (MEC) e que teve um decréscimo de 2,11% nos recursos neste PLOA 2024.

“Essa redução no orçamento da Capes vai provocar uma retração de mais de 16% nos recursos que vão para concessão de bolsas de estudo do ensino superior. Provavelmente, a Capes, com esse orçamento previsto para ela, vai ter que brigar internamente para reajustar os seus valores, pois só assim vai conseguir finalizar o ano de 2024 pagando todos os compromissos que possui. Ou seja, o PLOA de 2024 não é o suficiente para a manutenção do volume de bolsas que a Capes tem atualmente, e aí ela vai ter dois caminhos: ou reduz as bolsas contratadas para bater dentro do orçamento da PLOA, ou ela consegue mais recursos.”

Já a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), vinculada ao Ministério da Agricultura e Pecuária, teve um aumento de 11,63% em seus recursos no comparativo com 2023, mas isso não significa um apoio à produção científica da instituição.

“Quando a gente olha as categorias de destinação de recursos da Embrapa, a gente percebe que, apesar de ter crescido o seu orçamento, houve um corte significativo de quase 45% dos recursos que distribui às suas unidades de pesquisa espalhadas no País para financiar pesquisa e desenvolvimento de tecnologia para agricultura. Além disso, não há recursos previstos para a categoria de transferência de tecnologia. São questões que merecem a nossa atenção.”

A análise orçamentária realizada pela SBPC com base no PLOA 2024 está disponível para download no site da entidade.

Rafael Revadam – Jornal da Ciência