Brasil precisa de um novo projeto de incentivo à inovação, analisam especialistas

Debatedores discutiram o desafio das políticas públicas para inovação no Brasil durante a 70ª Reunião da SBPC e indicaram que o País possui um gargalo difícil de ser resolvido com os programas atuais de fomento

A inovação nunca esteve tão em alta na agenda econômica mundial. Mas a busca por tecnologias disruptivas e novos formatos de produtos e serviços não decorrem apenas do processo natural de avanços dos setores finalísticos. É preciso políticas públicas que incentivem esse desenvolvimento e, segundo analistas, as adotadas no Brasil têm dado sinais de esgotamento. Rever os modelos adotados torna-se fundamental para assegurar o futuro da inovação, conforme diagnóstico apresentado por debatedores do tema nessa quarta-feira, 25, na 70ª Reunião Anual da SBPC, que está sendo realizada na Universidade Federal de Alagoas (Ufal).

“Nós temos uma brecha tecnológica cada vez mais larga”, alertou Luiz Antonio Rodrigues Elias, ex-secretário executivo do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT). Um dos caminhos apontados por Elias para solucionar esse déficit é uma maior integração dos programas de incentivo tecnológico com as Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs). Essa integração é tão necessária que já foi diagnosticada pela União Europeia nos programas de cooperação com o Brasil.

Um dos programas mais recentes de fomento patrocinados pela Comunidade Europeia no Brasil trata-se de um Acordo de Implementação e entre o Conselho Nacional das Fundações de Amparo à Pesquisa (Confap) e a Comissão Europeia para permitir a associação de pesquisadores pós-doutorandos, bolsistas das FAPs, Capes e CNPq a grupos de pesquisa financiados por projetos do Conselho Europeu de Pesquisa (ERC). Os resultados do acordo têm sido positivos, com 12 pesquisadores apoiados por 8 FAPs integrados ao ERC já em 2017, primeiro ano de vigência do programa. “Este foi o segundo melhor resultado para o primeiro ano dentre os 10 países que apresentam Acordos de Implementação”, contou Alejandro Zurita, ministro conselheiro chefe da seção de Ciência, Tecnologia e Inovação da Delegação da União Europeia no Brasil.

Além o Acordo de Implementação, há outros importantes projetos de parceria voltada à inovação como as chamadas conjuntas com a Rede Nacional de Pesquisa (RNP) focada em TIC e ações coordenadas com o Ministério de Ciência e Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), a Fundação de Amparo do Estado de São Paulo (Fapesp) e o Confap voltadas para pesquisa em biocombustíveis lignocelulósico. Estes são alguns exemplos de que há demanda inovativa a ser incentivada no Brasil.

Mudanças necessárias

Ainda que as cooperações bilaterais sejam muito positivas, o Brasil ainda carece de uma política própria, de Estado, que foque na criação de um sistema de inovação. Para o diretor-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Carlos Américo Pacheco, é muito importante que a área de ciência e tecnologia consiga dialogar com a área econômica nesse aspecto. Ele apresentou dados que mostram que o Brasil possui uma performance muito ruim no campo institucional, com burocracia alta e outros entraves que prejudicam os resultados na inovação.

Para o presidente da Fapesp, o setor de ciência ainda tem dificuldade em estabelecer objetivos fixados no retorno gerado à sociedade. “Nós pedimos reformar e dinheiro quase como se fosse uma obrigação de sociedade nos financiar”, criticou o professor. “Vai ser preciso fazer uma enorme reforma no sistema científico brasileiro, porque ele está destruído. Essa reforma só será possível se a gente conseguir dizer para a sociedade porque a ciência é importante”, complementou.

Peça importante para o desenvolvimento robusto de um sistema de inovação, a indústria tem sido negligenciada pelo governo, na opinião de Pacheco. “A indústria está na idade da pedra. É 2.0 no máximo; está muito atrasada. Há uma aversão à política industrial nos últimos anos.” Prova da relevância de um olhar para o setor produtivo é que, apesar da crise econômica, há uma explosão de startups no Brasil. “Isso mostra que a molecada está interessada em empreender.”

Para Luiz Antonio Rodrigues Elias, um caminho a se percorrer nesse novo modelo é uma reforma da rede de institutos de pesquisa. “Não é acabar com (eles). É ver em perspectiva. Talvez aglutinar vários em grandes centros de pesquisa voltados para inovação”, explicou. Algumas novidades no horizonte, no entanto, são vistas de forma cética pelo ex-secretário do MCT. É o caso da iniciativa da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) de transformar o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) em um fundo financeiro, possibilitando que o retorno dos créditos concedidos fique no caixa da própria autarquia para reforçar novos empréstimos.

Na visão de Elias, esse movimento indica a intenção da Finep de se tornar formalmente uma instituição financeira, registrando-se como tal no Banco Central, o que pode acabar não beneficiando o setor científico e o fluxo de crédito para inovação. Já Carlos Pacheco acha o movimento da Finep uma solução inteligente para aumentar os recursos de financiamento e apoia a ideia.

Mariana Mazza – Jornal da Ciência