Brasil precisa olhar a segurança pública como uma demanda além da gestão policial, apontam cientistas

Oitavo seminário da série promovida pela SBPC destacou a importância de políticas governamentais de segurança baseadas em evidências e como o olhar para o passado patriarcal do Brasil pode auxiliar na redução de atos de violências à população negra, aos indígenas e aos povos tradicionais do País

Seguraça pública

Defender a segurança pública como direito fundamental da sociedade e as tratativas governamentais para além da gestão policial foram pontos centralizadores do oitavo seminário da série “Projeto para um Brasil Novo”, realizado na última quarta-feira (11). A série, transmitida pelo canal da SBPC no YouTube, tem como objetivo apresentar propostas para um novo Brasil, e seus diagnósticos serão entregues aos diferentes candidatos aos cargos do Legislativo e do Executivo nas próximas eleições, visando o comprometimento com tais pautas.

A discussão sobre segurança pública foi coordenada por Renato Sergio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor do Departamento de Gestão Pública da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV/SP) e contou com a participação de Arthur Trindade Maranhão Costa, diretor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança (NEVIS/UnB); Flavia Medeiros Santos, professora adjunta do Departamento de Antropologia e do Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Jacqueline de Oliveira Muniz, professora adjunta do Departamento de Segurança Pública e do Mestrado de Justiça e Segurança Pública (DSP), Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (IAC) da  Universidade Federal Fluminense (UFF); e José Vicente Tavares dos Santos, professor titular do Departamento e do Programa de Pós-graduação em Sociologia aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Para a abertura do evento, o presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, destacou a necessidade dos governos aproximarem as políticas públicas de segurança com o conhecimento científico. “Nós precisamos defender a legitimidade da preocupação da população com a segurança pública e a certeza que a segurança pública será garantida mediante a procedimentos rigorosamente éticos”, comentou.

O coordenador da mesa de debate, Renato Sergio de Lima, complementou o discurso pontuando que a segurança pública vai além das atividades policiais. “A gente está falando da segurança pública como prevenção da violência e redução de uma série de desigualdades e vulnerabilidades. Porque quando a gente fala da produção da ciência sobre, as evidências mostram que as sociedades que conseguiram aliar democracia a baixos índices de violência e crime  são aquelas que exatamente não pensam a segurança na chave policial, mas como algo bem mais amplo e que envolve vários atores”.

Violência é herança patriarcal do País

Primeiro debatedor da noite, o professor titular da UFRGS José Vicente Tavares dos Santos destacou que as políticas públicas sobre segurança começaram a aparecer de modo relevante no Plano de Direitos Humanos no governo Fernando Henrique Cardoso, entre os anos de 1995 e 1996, mas que cientificamente o tema já era refletido em estudos dos anos 1980.

Para o pesquisador, é necessário direcionar o foco em programas pela paz, principalmente compreendendo que o cenário de violência brasileiro é uma herança patriarcal e, por isso, não deve ser tratado somente nas instâncias penais, mas como meios para evitar conflitos. “Segurança pública é erradicar a discriminação e o racismo contra afrodescendentes e povos nativos do Brasil, denunciar a violência nos conflitos sociais agrários e propor a ampliação da participação social nos diferentes conselhos federais, municipais e estaduais”, pontuou.

Entre as soluções propostas, José Vicente destaca o enfrentamento do uso de drogas como uma política de saúde pública, a necessidade de desarmar a sociedade e, principalmente, a reforma do conceito de polícia, enfatizando a educação policial e o fim da cultura histórica da violência e do autoritarismo.

Professora adjunta do Departamento de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina, Flavia Medeiros Santos concorda que é necessário o país entender o seu passado para desenhar as políticas públicas em segurança. “Pensar um Brasil novo, que não repita os equívocos do passado, é pensar na relação com o tempo. A gente pode refletir sobre as unidades de polícias pacificadoras, a Lei de Drogas, que resultou no encarceramento em massa da juventude negra e pobre e promoveu um aumento significativo no encarceramento de mulheres, nas operações policiais e no aumento de letalidade, que também são resultados do investimento em segurança pública, mas sobretudo no problema da relação entre o racismo estrutural e o racismo institucional, tendo o Estado como fomentador do racismo institucional. Logo, são problemas históricos, que estão no fundamento do Estado Brasileiro e estruturam a desigualdade não apenas social, mas também jurídica e política na nossa sociedade”.

Segurança pública: grandes investimentos, pouca efetividade

A pesquisadora Jacqueline de Oliveira Muniz, da Universidade Federal Fluminense, alertou sobre o que chama de fake science, quando argumentos sem embasamentos de autoridades políticas ganham força e se tornam verdades por conta da repetição e da repercussão. “A insegurança que vivemos hoje é um projeto de poder autoritário. Mas precisamos lembrar que segurança pública não é um espaço de experimentos e discursos, já que estamos lidando com vidas”.

E citando dados da Confederação Nacional da Indústria, o professor da UnB Arthur Trindade Maranhão Costa defendeu que o país não poupa recursos com segurança pública, mas os destina erroneamente. Somente em 2015, os gastos com segurança representaram 5,5% do PIB brasileiro, mas não houve efetividade das políticas implementadas.

“Se por um lado a baixa capacidade de governança no campo da segurança pública no Brasil é devido à sua mentalidade punitiva, centrada no combate à criminalidade, por outro lado, há precariedade da governança, ou seja, falta capacidade de coordenar e articular ações, e isso resulta da fragilidade das instituições destinadas a coordenar e governar essas ações. A consequência desse quadro é a incapacidade do Estado Brasileiro em responder os problemas de segurança pública, problemas que envolvem um número grande de instituições e de atores públicos e privados, seja o problema da violência contra a mulher, violência nas escolhas, homicídios, a questão do medo que afeta o uso do espaço público, a questão prisional, entre outros. Problemas que dependem de uma resposta mais ampla”, concluiu.

Série de debates

A série “Projeto para um Brasil Novo” trata-se de um conjunto de 12 seminários temáticos que a SBPC está realizando para tratar de temas relevantes que contribuam para o desenvolvimento do país. Entre os próximos assuntos a serem abordados estão “Mudanças climáticas”, “Questão indígena”, “Diversidade de gênero e raça” e “Cultura”. O primeiro seminário refletiu sobre “Ciência, Tecnologia e Inovação”, o segundo “Educação básica”, o terceiro, “Educação superior”, o quarto, “Pós-graduação”; o quinto tratou do tema “Saúde”, o sexto trouxe apontamentos acerca do “Meio Ambiente” e o sétimo sobre “Direitos Humanos”.

Assista aqui ao seminário sobre Segurança Pública na íntegra.

Rafael Revadam – Jornal da Ciência