A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) divulga a “Carta de Curitiba”, um manifesto público de firme defesa da democracia “e tudo que ela implica”. O documento foi votado e aprovado por unanimidade na Assembleia Geral de Sócios da SBPC, reunida nessa quinta-feira, 27 de julho, durante a 75ª Reunião Anual da SBPC, na capital paranaense.
Na carta, a entidade aponta como pontos prioritários e não-negociáveis a igualdade de oportunidades e a inclusão social, o pleno direito à Educação de qualidade, que garanta a inclusão de todas as ciências na trajetória formativa dos estudantes, o fortalecimento da pós-graduação, o protagonismo da ciência nas agendas ambientais e sociais, os recursos e o planejamento político para a atividade científica, a saúde e a formação continuada dos profissionais da área, o controle mais rigoroso das taxas de juros no País, os direitos dos povos indígenas e o respeito e tolerância às diferenças.
O documento será amplamente divulgado e enviado a todas as autoridades nacionais. Confira abaixo na íntegra:
CARTA DE CURITIBA
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em sua 75ª Reunião Anual, na cidade de Curitiba, proclama seu firme compromisso com a democracia e tudo o que ela implica:
- A prioridade zero de nosso País é o restabelecimento e fortalecimento da democracia. Ela não existe sem liberdade de expressão, de organização e de voto, nenhuma das quais, porém, pode ser utilizada para a ofensa, a opressão ou a discriminação. O equilíbrio dos três poderes constitucionais deve ser restabelecido, o que inclui o fim do orçamento secreto e a concepção do orçamento por critérios de interesse nacional.
Num país marcado por séculos de colonização, escravidão e exploração da pessoa pela pessoa, faz parte essencial da democracia a igualdade de oportunidades, que permita promover uma forte inclusão social;
- A educação é o que torna a democracia sustentável. Para tanto, é preciso garantir o direito de aprendizado a todos os cidadãos, desde a tenra infância, assegurando a matrícula desde a creche até o final do ensino médio, como preveem a Constituição Federal e o Plano Nacional de Educação em vigor. O fortalecimento da formação de nossos professores, o fim da militarização das escolas, o incentivo à criatividade e ao pensamento crítico devem ser prioritários.
No ensino médio, é preciso garantir nenhuma ciência a menos, inclusive a Filosofia, necessária para desenvolver a ética e o pensamento lógico, e a Sociologia, a ciência que estuda a sociedade.
Também é preciso fortalecer o ensino técnico e vocacional, a exemplo do Pronatec, iniciativa que deve ser resgatada. Mas o ensino técnico precisa ter forte base científica, não podendo ser realizado às custas das ciências;
- O ensino superior, estreitamente ligado à pesquisa, requer o fortalecimento de nossos programas de pós-graduação, que devem formar profissionais bem qualificados que possam não apenas atender às necessidades da docência universitária, mas também realizar as potencialidades de uma economia descarbonizada e sustentável. Atualizar os programas de mestrado e doutorado, levando em conta a crescente interdisciplinaridade das ciências e adequando-os à realidade nacional, deve ser considerado uma prioridade. A escolha dos reitores das instituições federais de ensino superior deve caber às respectivas instituições, sem passar pela lista tríplice, que nestes últimos anos gerou intervenções políticas indevidas nas universidades;
- Na ciência, o Brasil deve definir, ainda este ano, quais são as áreas e temas do conhecimento em que pode ter papel de liderança e protagonismo, como nossa biodiversidade e diversidade cultural, ao mesmo tempo que tem de manter sua participação em alto nível em absolutamente todas as áreas e temas do conhecimento, inclusive naqueles em que não terá condições de ser protagonista. O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) precisa continuar a trajetória de sua recomposição, ampliando a participação dos recursos não reembolsáveis para 85%, sendo estes os que se destinam a fortalecer o parque brasileiro de pesquisa. Também entendemos que devam ser aumentados os recursos para as duas grandes agências federais de fomento, CAPES e CNPq, bem como cumpridos os dispositivos das Constituições estaduais que asseguram um financiamento estável às respectivas Fundações de Amparo à Pesquisa;
- A SBPC saúda a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, aceita participar de sua concepção e organização, e defende que ainda este ano se definam a Estratégia Nacional de CTI, bem como se inicie a construção do Sistema Nacional de CTI, que deverá reunir os ministérios do Governo Federal voltados a este tema, em especial, mas não apenas, o MCTI, o MEC, o MS e o MMA, bem como as instâncias estaduais e, sempre que existentes, municipais;
- A preservação dos Ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação, da Educação e da Saúde, aqueles que mais se aproximam da missão institucional da SBPC, deve ser garantida, não se constituindo em moedas de troca para obtenção de apoios políticos, ainda que reconheçamos a necessidade destes últimos;
- A saúde é direito de todos e uma vantagem extraordinária para nosso desenvolvimento. Isso implica não apenas o fortalecimento do SUS como, também, constante atualização na formação dos profissionais da saúde. Um programa como o Mais Médicos, que em sua vertente estrutural, a cargo do MEC, aprimora a formação dos médicos, deve ser reforçado;
- O desenvolvimento econômico é imprescindível. Para tanto, deve-se baixar a taxa de juros, que não tem comparação com nenhuma economia do planeta, e que não se justifica, dado que nossa inflação não decorre de excesso de demanda; além disso, a taxa hiper elevada que o Banco Central vem praticando acarreta despesas anuais enormes, desviando para os poucos rentistas dinheiro que poderia atender a necessidades prementes de nossa sociedade;
- Uma reforma tributária que alcance a renda e a propriedade, a exemplo do que se faz nos países avançados e nas principais democracias, é essencial, a fim de termos os recursos indispensáveis à promoção da vasta agenda que consolide nossa democracia;
- O respeito aos povos indígenas é um dever ético de primeira ordem. Repudiamos assim a tese do Marco Temporal e reconhecemos seu direito a suas terras, costumes, cultura, línguas, saúde e vida;
- Ninguém pode ser discriminado por sexo, gênero, cor, etnia, orientação sexual, origem geográfica, nem por credo religioso ou descrença, nem por suas ideias políticas, pelo menos enquanto respeite os outros e não viole as leis e os códigos de conduta em sociedade. Tal respeito inclui tanto o reconhecimento dos direitos e de espaço para os grupos historicamente discriminados, quanto a possibilidade de nosso País aproveitar seus talentos, necessários para nosso crescimento como sociedade e como economia. Não deveríamos precisar dizer isso, porque é óbvio, mas em nossos tempos, infelizmente, dizer o óbvio às vezes é imperioso.
Curitiba, 27 de julho de 2023.
Jornal da Ciência