Celso Furtado sonhou o Brasil desenvolvido e inclusivo

Eventos virtuais e livros celebram centenário de um dos pensadores sociais brasileiros com mais prestígio no mundo
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Foto: Arquivo Nacional

O economista Celso Furtado (1920-2004) é parte de uma geração de cientistas sociais brasileiros que renovaram a interpretação do País. Desde suas origens no interior da Paraíba, de seus estudos aqui e no exterior, experiências políticas e vivências mundo afora, Furtado sonhou um Brasil grande, desenvolvido em todas as suas potencialidades e inclusivo para toda a sua diversa população.

Como poucos entre seus pares, Furtado logrou tirar as teses do papel e colocá-las em prática, quando teve a oportunidade de criar a Sudene, uma autarquia voltada ao desenvolvimento do Nordeste. Ampliou seu trabalho para todo o Cone Sul quando assumiu o posto de economista-chefe da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), que ocupou por dez anos.

Furtado se impôs como um dos pensadores sociais brasileiros com mais prestígio no mundo no campo da ciência social e um dos cientistas mais traduzidos fora do Brasil. Sua obra, um conjunto de mais de 30 livros publicados, foi traduzida em quase 60 países, sendo a “Formação Econômica do Brasil” a mais conhecida e influente.

Análise inovadora

Do ponto de vista acadêmico, as pesquisas de Furtado foram transformadoras ao aplicar métodos científicos para o que até então era feito de narrativas, marcos históricos ou personagens. “Ele criou um método novo de análise do sistema socioeconômico, inovando com a introdução dos conceitos”, define Fabio Guedes Gomes, presidente do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap).

Frequentemente associado à esquerda, tendência à qual ele de fato se identificava quando jovem, Furtado na verdade pensava o desenvolvimento econômico brasileiro por uma linha intermediária e adaptada a um país com estas características. Segundo Gomes, ele pode ser melhor definido como um “reformador democrata”, que respeitava o marxismo, mas não o via como saída ao capitalismo.

Furtado sempre foi muito crítico do modelo de desenvolvimento do Brasil, em especial o processo de industrialização por substituição de importações, que considerava concentrador de renda, afirma o economista André Tosi Furtado, seu filho mais novo, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Essa crítica ficou ainda mais clara com seus debates acerca da estagnação que, na interpretação dele, era resultado de um tipo de capitalismo submisso aos interesses internacionais, liderado por multinacionais, apoiado na concentração de renda que tornava o mercado interno muito restrito. “Acredito que isso continua sendo o problema maior do País”, disse o professor André Furtado.

Uma de suas mais importantes atuações foi à frente da Sudene – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste, um órgão idealizado por ele e encampado pelo presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961) com o objetivo de planejar e executar ações governamentais na região. Em uma longa entrevista que deu à revista Playboy em 1999, Furtado explicou que a Sudene ajudou a criar o “conceito” Nordeste como potencial econômico e social, que até então não existia no imaginário dos brasileiros. A Sudene, segundo ele, delimitou o Nordeste, criando “um fato político, uma consciência de solidariedade na região”.

Presença na SBPC

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Foto: Fernando Rabelo/Centro Celso Furtado

Celso Furtado participou de pelo menos quatro Reuniões Anuais (RA) da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) na qualidade de debatedor ou homenageado. Em 1974, recém retornado do exílio, ele fez uma palestra na 26ª RA, realizada no campus da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), na qual falou sobre desenvolvimento econômico do País. Na 32ª RA, realizada em 1980 na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), ele participou do debate “Crise Econômica e Democracia – A Conjuntura Crítica da Ciência Econômica”, junto com os professores Pedro Malan (que depois seria ministro da Fazenda no governo Fernando Henrique Cardoso), e Maria da Conceição Tavares, com a coordenação do professor Francisco de Oliveira.

Na 36ª RA, em 1984, no campus da Universidade de São Paulo (USP), o economista defendeu maior integração entre os países latino-americanos. Na 55ª, realizada em 2003, novamente no campus da UFPE, Furtado foi homenageado junto com Paulo Freire (1921-1997) in memoriam.

Origens e homenagens

Nascido na pequena Pombal, no interior da Paraíba, Celso Furtado migrou para o Rio de Janeiro no início dos anos 1940 para fazer a graduação em Direito. Com 24 anos, foi convocado para a Força Expedicionária Brasileira (FEB) para lutar na Segunda Guerra Mundial e seguiu para a Itália. Voltou ao Brasil apenas para se preparar para estudar fora. Passou pela London School of Economics e o Instituto de Ciência Política de Paris. Casou-se com a química, historiadora da ciência e feminista argentina, Lucía Tosi (1917-2007), com quem teve seus dois filhos, Mário, físico, e André, economista. Após a separação nos anos 1980, casou-se com a jornalista e tradutora Rosa Freire d’Aguiar, que se encarregou de reeditar toda sua obra literária.

Inúmeros eventos virtuais vêm sendo realizados desde o início deste ano para celebrar o centenário de Celso Furtado. Devido à pandemia do novo coronavírus, vários debates, simpósios e seminários que haviam sido programados no Brasil e em Portugal para a celebração, foram cancelados ou transferidos para o ambiente digital.

O Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento preparou uma programação de debates que começaram nesse domingo (26/7) e vão até 31 de julho, sempre às 15 horas, transmitidos pela página do YouTube https://www.youtube.com/user/CentroCelsoFurtado1

Janes Rocha – Jornal da Ciência