Comissão promove audiências para debater MP dos fundos patrimoniais

A Medida Provisória 851/18 permite a criação de fundos patrimoniais e pretende estimular doações privadas para projetos de interesse público nas áreas de educação, ciência, tecnologia, pesquisa e inovação, cultura, saúde, meio ambiente, assistência social e desporto. Comunidade científica apoia criação de fundo, mas critica trechos da MP

A comissão mista responsável por analisar a Medida Provisória 851/18 promove duas audiências públicas nesta quarta-feira. O debate começou ontem, 13 de novembro, com representantes de universidades brasileiras defendendo a criação de fundos patrimoniais e o estímulo a doações privadas para projetos de interesse público nas áreas de educação, ciência, tecnologia, pesquisa e inovação, porém, questionando pontos da medida provisória.

Combinada com a MP 850/18, que cria a Agência Brasileira de Museus (Abram), a ideia do Executivo é aperfeiçoar a gestão e a conservação dos museus do País. As duas medidas provisórias foram editadas em setembro, dias após o incêndio que destruiu o Museu Nacional, no Rio de Janeiro. A instituição, que tinha um acervo com mais de 20 milhões de itens, é a mais antiga do gênero no País — completou 200 anos em junho de 2018.

A MP 851 estabelece um marco regulatório para captação de recursos privados que constituirão os fundos patrimoniais. O objetivo é financiar, a longo prazo, instituições de interesse público, por meio de parcerias, programas e projetos. Fundos patrimoniais – ou endowment funds, como são conhecidos em outros países – são formados por doações privadas, de pessoas e empresas, e o montante obtido é investido no mercado financeiro e em bolsa de valores, de modo a gerar uma receita contínua para aplicação em ações específicas. Podem ser perpétuos, caso somente os rendimentos venham a ser sacados.

A medida também institui o Programa de Fomento à Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação — Programa de Excelência, com o objetivo de promover a produção de conhecimento, ciência, desenvolvimento e inovação, por meio da pesquisa de excelência de nível internacional, da criação e do aperfeiçoamento de produtos, processos, metodologias e técnicas.

Representantes de universidades brasileiras defenderam a criação de fundos patrimoniais e o estímulo a doações privadas para projetos de interesse público nas áreas de educação, ciência, tecnologia, pesquisa e inovação, mas questionaram alguns pontos da medida provisória, nessa terça-feira, 13. Eles apontaram, por exemplo, a necessidade de incluir, no texto, a previsão de incentivos fiscais, a fim de estimular as doações para os fundos patrimoniais.

No debate de hoje, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) manifestou que a edição da MP 851/2018 foi recebida com surpresa pela comunidade científica, sem que tivesse havido debate com as áreas representativas da ciência, tecnologia e inovação brasileiras. Segundo a entidade, para a comunidade científica que representa, um dos pontos principais a ser reforçado nesse processo é que os sistemas já consolidados de financiamento e gestão do setor não sejam prejudicados com a nova legislação.

“Apoiamos a inserção das fundações de apoio como potenciais gestoras dos futuros fundos patrimoniais. Grande parte do sistema de financiamento de projetos nas universidades ocorre hoje por meio dessas fundações. Portanto, afastá-las do escopo desse novo modelo de cobertura de custos romperia o circuito de financiamento de vários projetos em andamento, colocando em risco a pesquisa científica”, declarou a assessora parlamentar da SBPC, Mariana Mazza, que representou o presidente da entidade, Ildeu de Castro Moreira.

O deputado Celso Pansera concordou com as críticas da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que reivindica a possibilidade de as atuais fundações de apoio das universidades públicas poderem atuar como gestoras de fundos patrimoniais, o que é vetado pela medida provisória. Pela MP, uma nova entidade privada teria que ser criada para receber as doações. Em nota, a SBPC também manifestou preocupação de que os novos fundos sejam realmente recursos adicionais; ou seja, que não representem um motivo para que o governo reduza os aportes para as universidades.

Programa de Excelência

Na sessão de hoje, o assessor Luiz Fernando Fauth, da Secretaria Executiva do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), afirmou que o MCTIC apoia a exclusão de todas as emendas que excluem o capítulo III, que institui o Programa de Fomento à Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação – Programa de Excelência. “O MCTIC apoia a exclusão do capítulo III sem prejuízo de que esse debate seja aprofundado no futuro”, declarou. O Ministério apoia a ideia de um fundo de excelência, mas entende que deveria, futuramente, se discutir um fundo único voltado a investimentos de longo prazo e gerenciado de forma colegiada por entidades relacionadas ao setor. Os representantes da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) também se manifestaram a favor a retirada do Capítulo III da MP e ainda lamentaram a falta de incentivos fiscais.

Durante audiência pública de ontem na comissão mista que analisa a MP 851, os debatedores haviam defendido a retirada deste capítulo inteiro da proposta. Na prática, segundo os debatedores, esse trecho da MP pretende substituir recursos orçamentários hoje destinados a bolsas de pesquisa, entre outros itens, por eventuais doações obtidas junto a particulares.

Incentivos

A diretora de Inovação da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Gianna Sagazio defendeu que é preciso priorizar a inovação do País e ressaltou a importância de ter incentivos para que, de fato, sejam feitas doações para esses fundos patrimoniais. A representante da CNI defendeu, entre outros, a inclusão da isenção de encargos para doações, a possibilidade de o doador – seja ele pessoa física ou jurídica – ganhar a possibilidade de abatimento no Imposto de Renda; o estímulo de investimento em FIP (Fundo de Investimento Privado); e, ainda, a regulamentação do Fundo Social para CT&I.

Segundo Paula Fabiani, do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, haveria atratividade para que as 43 famílias mais ricas do país pudessem doar 1% do que têm, ou R$ 3,5 bilhões. No Brasil, os maiores fundos patrimoniais são ligados a bancos. Paula Fabiani defendeu ainda a isenção da tributação sobre as aplicações dos recursos.

Priscila Pasqualin, advogada especializada em filantropia, afirma ainda que é preciso declarar que as entidades gestoras dos fundos não devem sofrer tributação, embora isso já seja constitucionalmente determinado para as áreas de educação, saúde e assistência social. A advogada também disse que é importante proteger os recursos dos fundos de eventuais ações judiciais contra as instituições apoiadas, como as ações trabalhistas.

Na audiência dessa terça-feira, os reitores Soraya Soubhi Smaili (Unifesp), Edward Madureira Brasil (UFG), Maria Amália Andery (PUC-SP) e Eduardo Modena (IFSP) apontaram a necessidade de incluir, na medida provisória, a previsão de incentivos fiscais, a fim de estimular as doações para os fundos patrimoniais. No debate, a ideia foi apoiada também pelos representantes das três universidades estaduais de São Paulo – Carlos Eduardo Vergani (Unesp), Rudinei Toneto Junior (USP) e Rangel Arthur (Unicamp).

Na mesma linha, o presidente do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies), Fernando Peregrino, lembrou que, no caso de Harvard (EUA) – exemplo na área de fundos patrimoniais para universidades, com um montante na casa de 32 bilhões de dólares –, os incentivos fiscais para doadores chegam a 17%.

Peregrino reiterou nota divulgada pelo Confies e pediu alterações na MP. A entidade defende que as 94 fundações de apoio a universidades e entidades de pesquisa, instaladas no País a partir de 1994, possam gerir os futuros fundos patrimoniais, o que não é permitido na versão atual da medida provisória. Essas fundações aportam cerca de R$ 5 bilhões anuais em 133 instituições.

“Nossas fundações são auditadas, reguladas e controladas por mais de uma dezena de órgãos, como Ministério da Educação, Ministério da Ciência e Tecnologia, Tribunal de Contas da União e Controladoria de Contas da União”, afirmou Peregrino.

O presidente do Confies alertou ainda que a MP 851 coloca em risco setores que hoje são beneficiados por normas específicas. Ele citou o caso dos 247 laboratórios criados no Brasil após a Lei do Petróleo (9.478/97), beneficiados por incentivo equivalente a 1% do faturamento das empresas, cerca de R$ 1,5 bilhão anual. “Essa MP pode sangrar o que está dando certo”, afirmou.

O pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Augusto Hirata, ressaltou que a análise comparada sobre a legislação de outros países aponta para uma flexibilidade na legislação sobre fundos patrimoniais. Para ele, como está, a MP destina-se apenas a entes públicos que buscam recursos de particulares e não ajuda os cerca de 100 fundos patrimoniais privados hoje instituídos no País.

O representante da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef) na audiência, Gilberto Jorge Cordeiro Gomes, e a integrante do Comitê Gestor da Rede de Educadores em Museus, Fernanda Castro, rechaçaram a MP 851. Para ambos, essa medida provisória, combinada com a MP 850/18, que cria a Agência Brasileira de Museus (Abram), representa a abertura para terceirização no serviço público, redução dos recursos orçamentários e risco ao patrimônio cultural do País.

Consenso

A relatora na comissão mista, deputada Bruna Furlan (PSDB-SP), afirmou que buscará um consenso para aprovação da medida provisória e disse que deve entregar o relatório da MP 851 no dia 21 de novembro. Ela é autora de proposta sobre fundos patrimoniais para universidades (PL 4643/12) já aprovada pela Câmara dos Deputados e hoje em tramitação no Senado. Na Câmara, está em análise outro texto (PL 8694/17, do Senado), com temática análoga.

ÍNTEGRA DA PROPOSTA:

Jornal da Ciência, com informações da Agência Câmara de Notícias