Em um ano de eleição, falar de política se torna algo essencial, principalmente para mostrar como as articulações da sociedade no passado podem incentivar a luta por direitos no Brasil de hoje. Essa é a proposta central das quatro obras que serão lançadas na 74ª Reunião Anual da SBPC, que acontecerá entre os dias 24 e 30 de julho na Universidade de Brasília (UnB).
É o caso do livro A SBPC e a Constituição Brasileira, organizado por Ildeu de Castro Moreira, Bruno de Andréa Roma e Áurea Gil. Como seu nome sugere, a obra busca narrar o papel da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) na mobilização popular para a construção da Constituição Federal de 1988.
“Na atuação política dentro do Congresso Nacional, a gente usa frequentemente os artigos constitucionais na defesa dos nossos pontos. Particularmente, quando eu cito a Constituição Federal, eu sempre lembro que boa parte dos artigos que estão lá fomos nós, o movimento organizado e a SBPC, que colocaram aquilo lá. Só que essa história não é contada, ela vai se perdendo. Porque as pessoas vão morrendo, as memórias vão embora, e fazer esse resgate é importante”, explica Moreira, que também é professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A ideia de se fazer uma nova Constituição Nacional, dessa vez construída a partir da participação popular, chegou a aparecer dez anos antes de sua construção nas reuniões anuais da SBPC, e temas como direitos humanos, populações indígenas, educação e ciência foram encabeçados pela entidade.
“O ano de 1987 foi quando a SBPC entregou a sua proposta para a Assembleia Nacional Constituinte ao Ulisses Guimarães e ao Bernardo Cabral, que era o relator da Constituinte. No mesmo ano aconteceu a Reunião Anual da SBPC em Brasília, que não foi escolhida [para sediar o evento] por acaso, ela foi escolhida porque era um palco ali, junto do Congresso Nacional, que poderia gerar uma intervenção mais ativa pela criação da Constituição”, complementa Gil.
Gil e Roma integram o Centro de Memória da SBPC, e foi por meio da análise de documentos do acervo que ambos conseguiram selecionar nomes de atores importantes que ajudaram na história da Constituição e, consequentemente, participaram do livro, tanto por depoimentos e artigos inéditos, quanto por meio do resgate de publicações realizadas na época.
“As coisas se perdem, são 30 anos de distância. Se a gente perguntava para as pessoas: ‘A SBPC não participou de algumas emendas constitucionais? Quais emendas foram essas?’, a maioria das pessoas lembravam da emenda nuclear, algumas recordavam da indígena, e o resto se perdia um pouco. Então, o livro acaba sendo uma oportunidade para a própria SBPC demonstrar o papel do seu Centro de Memória, e também acaba inspirando a SBPC a continuar lutando”, relata Roma.
Para Moreira, não se trata apenas de olhar para o papel da SBPC, mas como a sociedade se organizava naquela época:
“O livro mostra que o processo da constituinte também foi muito significativo, a sociedade se envolveu mais. A sociedade brasileira tradicionalmente não se envolve muito na atuação política direta, a nossa sociedade civil é organizada e frágil. Mas naquele momento eu acredito que houve uma confluência em função da queda da ditadura e da necessidade de redemocratização. Então, a Constituinte convergiu muitos setores populares, na ideia de se fazer um país diferente.”
O especialista também ressalta que há lutas antigas que seguem presentes até o dia de hoje, e esse é um papel que a obra se destina a resgatar e mobilizar.
“A obra também traz a necessidade de cobrarmos as leis que estão vigentes e que não são usadas. Para se ter uma ideia, dos artigos que a SBPC ajudou incluir na Constituição, ainda há alguns que não estão regulamentados. Um é sobre mercado interno, que está na Constituição a regularização desse mercado, mas não foi regulado até hoje. Outro tema é o Sistema Nacional de Inovação, que está em debate agora.”
Roma ressalta que o livro tem um papel de conscientizar as gerações que não viveram a efervescência dos debates democráticos pela Constituição:
“Não só a SBPC, mas outras entidades também, elas ganham mais destaque em momentos de crise. Porque é a possibilidade de agir coletivamente, é o momento em que o calo aperta, cortam recursos, os programas das universidades ficam enfraquecidos, todo mundo tem que se juntar para fazer alguma coisa”, pontua. E complementa:
“Para a minha geração, por exemplo, que estava nascendo na Constituinte, são pessoas que entraram na faculdade entre os anos de 2013 a 2015, numa época em que essas entidades não tinham tanto destaque público, porque era um momento de grande investimento nas universidades. Eu lembro que não se falava muito sobre se filiar a entidades como a SBPC. E eu acho que aí é o ponto de atualidade do livro. A gente de novo está vivendo uma crise, uma crise extremamente grave, é o momento em que essa juventude que só tinha pego a bonança agora precisa pensar em como agir.”
O lançamento do livro A SBPC e a Constituição acontecerá na próxima segunda-feira, 25 de julho, às 18h30, no Anfiteatro 12 do Instituto Central de Ciências da Universidade de Brasília (ICC/UnB). Após a realização da 74ª Reunião Anual da SBPC, a obra estará disponível gratuitamente no site da entidade.
Democracia a dedo
Jornalista e assessora de imprensa do SindCT, o sindicato que representa os servidores públicos federais que trabalham nas áreas de Ciência e Tecnologia do setor aeroespacial, Fernanda Soares Andrade ouvia há dez anos que era necessário escrever um livro sobre a história da urna eletrônica.
“Eu pensava: ‘O que tem para falar da urna eletrônica? Um equipamento que todo mundo usa?’ Era igual falar de um liquidificador, de uma almofada, uma coisa comum, eu não via que tinha alguma coisa interessante.”
A visão de Andrade começou a mudar após as eleições presidenciais de 2014, quando figuras públicas iniciaram os discursos insinuando fraude eleitoral, uma narrativa com informações falsas que ganhou força na eleição seguinte, em 2018, e que segue em alta nos dias de hoje.
Assim nasceu a obra Tudo o que você sempre quis saber sobre a urna eletrônica brasileira, que será lançada no dia 29 de julho (sexta-feira), às 15h30, no Anfiteatro 10 do Instituto Central de Ciências da UnB.
Para a construção do livro, Andrade ouviu profissionais envolvidos diretamente na construção da urna eletrônica, sendo a grande maioria do DCTA (Departamento de Ciência e Tecnologia), e tirou todas as dúvidas sobre o funcionamento do equipamento diretamente com o TSE, o Tribunal Superior Eleitoral. “O livro é só documentos, só fatos, só registros oficiais, e com depoimentos de quem trabalhou para o desenvolvimento da urna”, ressalta.
A autora afirma que, infelizmente, não há melhor momento para o lançamento da obra do que nos dias de hoje, em que muitos passaram a duvidar do Sistema Eleitoral Brasileiro.
“As fake news atrapalham muito, as pessoas não tinham desconfiança da urna eletrônica. Eu vejo por mim, eu comecei a votar na urna eletrônica acho que na eleição de 1996, que foi a primeira com ela, e eu estava doida para votar na urna. Na época, a gente queria fotografar aquilo, queria ver. Era uma coisa incrível. E eu nunca desconfiei da urna, da mesma forma que eu nunca desconfiei de um caixa eletrônico, do microondas, da televisão. Você tem aquela ferramenta, você a utiliza. É que nem a internet hoje.”
Assim como os idealizadores da obra A SBPC e a Constituição, Andrade teve a mesma percepção, de que as gerações que hoje duvidam da urna eletrônica são aquelas que não vivenciaram os períodos anteriores à sua idealização.
“Para mim, que vi as fraudes nas eleições via papel, a urna eletrônica foi uma maravilha. Mas o público jovem de hoje, ele não conheceu a eleição em papel, ele não sabe como eram as fraudes, como era a demora para apuração, a recontagem de votos, que sempre dava um número diferente depois, porque na apuração humana você está sujeito a erros não-intencionais, né? Fora a maldade mesmo, de puxar o voto em branco ou o voto nulo para o montinho de determinado candidato”, relembra.
Hoje, após estudar a história da urna eletrônica, a jornalista revela que a sua visão modificou, não sobre a urna em si, mas sobre a importância de se falar constantemente sobre ela.
“Eu conheci muita coisa, fiquei encantada. Eu me apaixonei pela história da urna e pelo Sistema Eleitoral, por toda a informatização do voto. Por que não é só a urna, né? A urna é uma ferramenta do sistema de informatização do voto. E eu fiquei tão apaixonada que, quando eu terminei de escrever um livro, a vontade foi de colocar ele debaixo do braço e sair na rua falando com as pessoas: ‘Olha, a urna é incrível, vocês precisam ver como isso foi feito, é maravilhoso! E esse é um dos motivos da obra estar disponível de graça na internet”.
A obra também está disponível para leitura e download gratuito no site do SindCT. Clique aqui para acessá-la.
Entre estudantes e educador
As outras duas obras a serem lançadas na 74ª Reunião Anual giram em um mesmo universo, a educação. Em UnB Anos 70 – Memórias do Movimento Estudantil, é retratado o período em que a Universidade de Brasília era gerida por José Carlos de Almeida Azevedo, militar, físico e professor. A gestão de Azevedo é marcada por uma série de ações autoritárias, similares à ditadura vivida no País, e que incentivaram a revolta estudantil.
“Em 1976, a nossa geração tentou recriar o Diretório Universitário da UnB, mas sete estudantes foram expulsos. Em 1977, se tentou fazer novamente as eleições para o diretório, conseguimos, mas houve uma greve geral, 30 estudantes foram expulsos e mais 30 foram suspensos. Então, a UnB viveu nos anos 1970 um movimento estudantil muito intenso e nós queríamos documentar a memória desse período”, conta Maria do Rosário Caetano, a organizadora da obra.
Já o último livro que compõe a programação cultural é Lendo Paulo Freire, conhecendo o Rio Capibaribe e produzindo conhecimentos, organizado por Maria do Carmo Figueredo Soares e Marilia Gabriela de Menezes Guedes. A obra é um trabalho colaborativo desenvolvido pela SBPC-PE e a Cátedra Paulo Freire da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que analisa o Rio Capibaribe por meio da ecopedagogia, em uma abordagem influenciada pelo pensamento freiriano.
Ambas as obras serão lançadas na próxima terça-feira, 26 de julho, às 18h30, em anfiteatros do Instituto Central de Ciências da UnB. O lançamento do livro UnB Anos 70 – Memórias do Movimento Estudantil acontecerá no Anfiteatro 9 e do livro Lendo Paulo Freire, conhecendo o Rio Capibaribe e produzindo conhecimentos, no Anfiteatro 13.
A 74ª Reunião Anual da SBPC será realizada entre os dias 24 e 30 de julho na Universidade de Brasília, em programação híbrida. As atrações são gratuitas, com exceção dos webminicursos e da submissão de trabalhos para a sessão de pôsteres. As inscrições estão abertas no site oficial: https://ra.sbpcnet.org.br/74RA/
Rafael Revadam – Jornal da Ciência