Educação Quilombola: desafios e avanços na luta antirracista no Brasil

Especialistas exploram a importância de uma educação inclusiva para as comunidades quilombolas e os obstáculos para sua implementação em mesa-redonda da 76a Reunião Anual da SBPC

Discutir a educação para os quilombolas é essencial para promover a equidade, resgatar a identidade cultural e combater as desigualdades históricas impostas às comunidades quilombolas. Os obstáculos para a implementação dessa educação inclusiva incluem a falta de recursos, a necessidade de formação adequada de professores e a resistência institucional ao reconhecimento das especificidades culturais quilombolas. Esses desafios foram discutidos durante a mesa-redonda “Educação escolar quilombola: desafios contemporâneos da luta antirracista”, realizada nesta quarta-feira (10/07) durante a 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que acontece de 7 a 13 de julho na Universidade Federal do Pará (UFPA).

A mesa-redonda foi coordenada por Rosângela Janja Costa Araújo, professora da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e contou com a participação de Maria Páscoa Sarmento de Sousa, Doutora em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Pará (UFPA), Gessiane Ambrósio Nazário, membro da Comissão Nacional de Educação Escolar Quilombola do MEC (CONAQ), e Alan Alves Brito, professor no Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Maria de Sousa explicou que, apesar das normativas como a Resolução CNE/CEB n.º 8/2012 e a Resolução n.º 1.706/2004, que estabelecem diretrizes para a Educação Escolar Quilombola e para a Educação das Relações Étnico-Raciais, a maioria dos municípios brasileiros ainda não as implementou. Além disso, a Lei 10.639/2003, que inclui a obrigatoriedade do estudo da História e Cultura Afro-Brasileira no currículo escolar, ainda não é efetivamente aplicada nos territórios quilombolas. “A constituição garante a educação como um direito de todos, mas infelizmente ainda não é garantida nos territórios quilombolas”, pontuou. Segundo o último censo do IBGE, o Brasil tem 1,3 milhão de quilombolas em 1.696 municípios, mas muitos continuam à margem da educação.

Gessiane Nazário destacou a resistência da população quilombola em Armação de Búzios, no Rio de Janeiro, uma região conhecida pelo turismo, mas marcada por desigualdades socioeconômicas. A comunidade quilombola tornou-se uma atração turística, mas enfrenta limitações e descasos da administração local. O fortalecimento da comunidade começou em 1998, com a fundação do Movimento Negro de Búzios. Nazário enfatizou a diferenciação de cor no acesso aos serviços entre os moradores do centro e os da periferia. “Nós nos reconhecemos como quilombolas e, desde então, lutamos por este território”, afirmou. Ela destacou o desafio de ensinar a história quilombola e garantir que as crianças se reconheçam como sujeitos de direito, desenvolvendo sua consciência histórica na escola.

Para Alan Brito, um dos grandes desafios enfrentados pelas escolas quilombolas é a falta de estrutura. Essas escolas carecem de internet, acesso à água potável, saneamento básico, bibliotecas, espaços de lazer e convivência, transporte público e livros que contem as histórias quilombolas. Além disso, o capital cultural dos estudantes, professores e comunidades quilombolas não é valorizado ou considerado na educação. “Se estamos falando de um projeto de país no qual as crianças e pessoas quilombolas precisam ter o direito de acessar políticas públicas, universidades e se formarem onde quiserem, a escola tem sido uma barreira”, pontuou. Ele alertou que essa situação afeta o ingresso desses estudantes no ensino superior. Apesar das iniciativas para ampliar o acesso dos quilombolas às universidades brasileiras, muitos obstáculos ainda precisam ser superados. “Um dos dados mais interessantes é que a população quilombola não tem a oportunidade de escolher o que quer estudar nas universidades. Os estudantes das escolas quilombolas não estão ingressando em cursos como Medicina, Direito e Engenharia. Isso não é um resultado natural, mas sim o efeito de uma escola que enfrenta diversos problemas estruturais e pedagógicos”, destacou.

As demandas dos quilombolas nas audiências públicas evidenciaram a vivência destes numa sociedade comum, sendo suas principais reivindicações no campo da educação: acesso à tecnologia, formação profissional de jovens e adultos, e acesso ao ensino superior. Rosângela Araújo finalizou lembrando que existe uma cooperação pedagógica “na qual podemos ampliar algumas conversas e encontrar parceiros para criar e levar adiante iniciativas”.

Assista à mesa redonda na íntegra:

https://www.youtube.com/watch?v=gKYK_kW3vAw

Chris Bueno, Jornal da Ciência