Governo promete liberar parte dos recursos bloqueados do FNDCT

Em audiência pública do Senado, representante do Ministério da Economia comparou CT&I a outras prioridades como “saneamento, seguro rural para a agricultura e a Operação Carro-Pipa”
Geraldo Magela - Agência Senado - foto interna
Foto:Geraldo Magela/Agência Senado

O governo vai enviar uma proposta de Projeto de Lei ao Congresso Nacional nos próximos dias para liberar R$ 279 milhões em recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).

Foi o que garantiu nesta quinta-feira Sergio Freitas de Almeida, secretário-executivo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) durante audiência pública da Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT) do Senado. Almeida está exercendo a titularidade do MCTI no lugar do ministro Marcos Pontes, que está em férias.

Os recursos a serem liberados são parte dos R$ 655 milhões do FNDCT que ficaram bloqueados em reserva de contingência devido ao projeto de lei (PLN) 16. Já o PLN 12, que gerou a Lei 14.169, inseriu o Artigo 56-A na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), definindo que os recursos do FNDCT podem ser mantidos em reserva de contingência. O PLN 16 retirou os recursos que já estavam previstos.

Na prática, esses projetos desrespeitam a Lei Complementar 177 aprovada no fim de 2020 e sancionada em janeiro deste ano com vetos que foram posteriormente derrubados pelo parlamento.

Segundo Almeida, a liberação da parcela de R$ 279 milhões foi aprovada semana passada pela Junta de Execução Orçamentária (JEO), um órgão de assessoramento direto da Presidência da República, composto pelos ministros da Economia (ME, coordenador), da Casa Civil e técnicos da Comissão de Gestão Orçamentária e Financeira.

“Estamos fazendo todos os esforços para que os recursos (bloqueados do FNDCT) sejam repostos e isso está sendo feito”, afirmou o ministro em exercício. Em sua exposição na audiência pública, Almeida contestou críticas que Pontes têm recebido — do ministro da Economia Paulo Guedes, que não foi citado — de que não tem executado nem o pouco orçamento disponível para a pasta.

“De vez em quando aparece na imprensa que o MCTI não está gastando os recursos destinados a ele ao longo do exercício, mas isso não é correto. A dotação inicial da LOA (Lei Orçamentária Anual), de R$ 510 milhões teve 90% executados (R$ 460 milhões) e o restante será cumprido com certeza”.

Segundo ele, o governo destinou R$ 105 milhões do total para os ensaios clínicos de vacinas brasileiras contra a covid-19 que estão atualmente em desenvolvimento. “Uma boa notícia é que dia 29 de novembro está prevista a aplicação da primeira dose de uma vacina nacional no primeiro de um grupo de voluntários”, adiantou.

O representante do ME na audiência pública, Zarak de Oliveira Ferreira, diretor de Programas e Áreas Econômicas e Infraestrutura da Secretaria de Orçamento Federal, explicou que o bloqueio do FNDCT foi necessário porque, com a aprovação da Lei 177, o governo ficou “sem margem para incorporar os R$ 5 bilhões” que pertenciam ao fundo devido ao teto de gastos.

“Quando encaminhamos o PL todas as despesas estavam no limite. Para se ter uma ideia, o valor de R$ 2,7 bilhões de despesas primárias que ia incorporar do FNDCT é equivalente a toda a despesa do Ministério da Agricultura e do Meio Ambiente. Ou seja, a gente não tinha de imediato condições de incorporar todo esse valor. Dado o teto de gastos, a gente teria que cancelar despesas no mesmo montante”, justificou.

Segundo o diretor, ao longo do ano, o governo foi incorporando o orçamento do fundo “à medida do possível”, até que, diante de uma série de demandas de órgãos diversos, foi decidido encaminhar o PL 16.

“Entendo que a Ciência e Tecnologia é super importante para o país, mas é uma das prioridades. Há outras como saneamento, seguro rural para a agricultura, a operação Carro Pipa que disponibiliza recursos para o semiárido”, afirmou. Outra prioridade que compete com a CT&I, disse Ferreira, são os passivos do país junto aos organismos internacionais, que vem sendo cobrados pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

O diretor frisou que, em compensação, em 2022 o FNDCT terá um orçamento quatro vezes superior ao de 2021. “No PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) 2021, o FNDCT tinha R$ 510 milhões de recursos primários, sujeitos ao teto. Para 2022, o valor para despesas primárias é de R$ 4,233 bilhões, ou seja, equivale a toda a soma dos recursos empenhados de 2017 a 2021. Chamo atenção para isso porque durante o exercício de 2021, com a aprovação da 177, não tivemos condições de incorporar tudo de uma vez”, explicou.

Respeito à ciência

A vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Fernanda Sobral e o secretário-executivo da Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br), Celso Pansera, destacaram que a Lei Complementar 177 foi uma conquista da comunidade acadêmica e científica e que o bloqueio dos recursos do FNDCT não condiz com a importância do setor. “A ciência brasileira tem provado seu valor no enfrentamento da crise sanitária causada pela pandemia da Covid-19, mesmo oprimida pelo pior orçamento dos últimos 20 anos”, afirmou Sobral.

A vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Nader, que também é presidente de honra da SBPC, criticou o Ministério da Economia que, para ela, “está se apropriando daquilo que é um dever do conselho do FNDCT que é a alocação dos recursos do fundo”.

Dacio Roberto Matheus, reitor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e representante da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), frisou a necessidade de estabilidade no investimento em CT&I, considerando que 90% da pesquisa científica do país é feita nas universidades públicas. E reforçou: “A ciência não se faz aos saltos, precisamos de previsibilidade, planejamento de médio e longo prazo porque lidamos com gerações de jovens cientistas e pesquisadores”.

O professor de Ciência da Computação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), Jorge Luís Nicolas Audy, reiterou que “ciência não se faz em rajadas”, mas depende de fluxo de recursos estáveis e previsíveis. “Não adianta não ter nada este ano e uma fortuna ano que vem”, afirmou Audy, pedindo “respeito” à ciência.

Outros expositores na audiência foram Evaldo Vilela, presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Vandick da Silva Batista, professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e secretário regional da SBPC naquele estado. A audiência foi conduzida pelo presidente da CCT, senador Rodrigo Cunha (PSDB-AL).

Jornal da Ciência