Os resultados da Pesquisa Nacional que procurou saber se a liberdade acadêmica está realmente em risco no Brasil foram apresentados nessa quarta-feira, 26 de julho, na 74ª Reunião Anual da SBPC.
A investigação é resultado de um esforço conjunto do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), do Observatório do Conhecimento e do Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (LAUT), que coletaram os dados entre os meses de agosto e dezembro de 2021.
O objetivo da pesquisa foi averiguar a percepção de docentes do ensino superior, pesquisadores e estudantes de pós-graduação sobre violações e ameaças ao exercício da liberdade acadêmica e de cátedra ao longo dos últimos anos. E os primeiros resultados revelaram um cenário preocupante: cerca de 58% dos que responderam conhecem experiências de pessoas que já sofreram limitações ou interferências indevidas em seus estudos ou aulas. E entre 35 e 42% já limitaram aspectos de suas próprias pesquisas e conteúdos de suas aulas por receio de retaliações. Além disso, 43% dos respondentes avaliaram como ruins ou péssimos os procedimentos de suas instituições para lidar com denúncias de ameaças à liberdade acadêmica.
“Temos assistidos a ataques sistemáticos que estão sendo cometidos em instâncias muito distintas. Antes mesmo do atual governo, já havia surgido movimentos como o Escola Sem Partido, que em nome de um moralismo que não reconhece direitos consagrados, ameaça a produção, a veiculação e a difusão de conhecimento”, afirmou Maria Filomena Gregori, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenadora do Observatório da SBPC, ao apresentar o painel dessa quarta-feira.
Além de Gregori, a sessão contou com a participação de Conrado Hubner Mendes, professor de Direito Constitucional da Universidade de São Paulo (USP), Sérgio Luís Carrara, antropólogo e professor titular do Instituto de Medicina da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), e Fernando Cássio, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC). Gregori, Cássio e Carrara fazem parte do grupo que elaborou o estudo e conduziu a análise de dados.
O estudo define que violações e ameaças referem-se às “limitações e interferências indevidas experimentadas por docentes e pesquisadores(as) no desempenho de suas atividades acadêmicas, que visam a constranger diretamente sua plena autonomia ou que motiva processos de autolimitação por receio de retaliação ou qualquer consequência negativa.”
“Liberdade acadêmica está comprometida com cânones das disciplinas, com o rigor científico e com a avaliação dos pares. Não se confunde com a liberdade de expressão irrestrita. Não é licença para um professor converter a sala de aula em espaço de pregação ou proselitismo qualquer tipo”, esclarece Conrado Hubner. Recentemente, Hubner se tornou alvo da censura, quando o procurador-geral da República, Augusto Aras, apresentou uma queixa-crime acusando o professor e colunista da Folha de S. Paulo de calúnia, injúria e difamação por comentários feitos em suas redes sociais.
“Os ataques à liberdade hoje no Brasil vêm de um projeto de autocratização do País”, analisa. Essas violações acontecem de várias formas, aponta o professor. A mercantilização da atividade acadêmica – transformando-a em um produto para lucro e enriquecimento; a asfixia financeira, com cortes e mais cortes no financiamento das atividades científicas; a fragilização institucional – quando, por exemplo, o governo interfere na nomeação de reitores.
“É importante que a comunidade científica e acadêmica volte a se articular politicamente, se mantenha vigilante na proteção da liberdade acadêmica”, alertou.
A pesquisa ainda está em sua primeira fase. O grupo que a coordena montou um questionário com 30 perguntas, que foi amplamente divulgado entre docentes, pesquisadores e estudantes de pós-graduação de todo o País, de instituições públicas e privadas. Ao todo, 1.116 pessoas responderam, anonimamente, a alguma parte do questionário sobre as diversas nuances das restrições ao direito fundamental garantido na Constituição Federal à liberdade acadêmica.
“Esse estudo é fruto de grupos que estavam preocupados em mapear as ameaças à liberdade acadêmica no País. O LAUT já vinha fazendo um acompanhamento desse tema, no País e fora também. Queríamos compreender um pouco melhor a natureza dessas ameaças aqui no Brasil, o escopo, o alcance, a intensidade”, contou Fernando Cássio.
Para Sérgio Carrara, a pesquisa é um termômetro para medir os sinais vitais da ciência e do pensamento livre no País. “Produzir dados no Brasil hoje é um ato de resistência. Espero que esta seja a primeira de uma série histórica, que precisa ser replicada todos os anos”, conclui.
Os resultados da pesquisa podem ser acessados gratuitamente neste link.
Daniela Klebis – Jornal da Ciência