Marcha pela Vida: Cientistas ressaltam o valor de todas as vidas do planeta

O ciclo da vida na Terra e as ciências que estudam e orientam o ser humano em sua jornada pelo planeta foram tema de painel realizado pela SBPC na abertura das atividades da Marcha pela Vida, nessa terça-feira, 9 de junho

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O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu de Castro Moreira, abriu nesta terça-feira o painel “As Ciências e a Vida”, dando início às atividades da Marcha Pela Vida. A manifestação, realizada nessa terça-feira, 9 de junho, foi promovida pela Frente pela Vida, movimento conduzido pela SBPC e outras oito entidades em defesa da vida, da saúde e do Sistema Único de Saúde (SUS), da solidariedade, do meio ambiente, da democracia, da ciência e da educação no Brasil.

O primeiro painel de discussão teve a mediação do jornalista Herton Escobar e a apresentação de vídeos pré-gravados de 14 cientistas e pesquisadores de diversas áreas das ciências exatas, humanas e da Terra.

Em sua fala inicial, Moreira registrou o pesar pelos mais de 37 mil mortos pela Covid-19 e solidariedade e agradecimento a todos os profissionais da saúde, cientistas, técnicos e trabalhadores das áreas essenciais que estão à frente do combate à pandemia.

“O objetivo da Marcha é chamar a atenção para a importância da vida como bem fundamental e direito de todos”, afirmou Moreira. Visa ainda, segundo o presidente da SBPC, alertar para a importância das autoridades, gestores e da sociedade em seguirem as orientações cientificas, sanitárias e médicas; a necessidade de fortalecimento do SUS e a preservação do meio ambiente.

A sequência das apresentações em vídeo teve como fio condutor o ciclo da vida na Terra e as ciências que estudam e orientam o ser humano em sua jornada pelo planeta.

O professor Ismar de Souza Carvalho, do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mostrou que as inúmeras formas de vida que existiram na Terra sempre acompanharam as mudanças ambientais, do clima, a posição dos continentes e dos mares. “Nós, seres humanos, somos apenas parte desse longo processo de transformação contínua do nosso planeta. A vida é produto do tempo, que tudo transforma e possibilita, dessa maneira, o surgimento do novo”, disse Carvalho.

Na visão do professor Aldo José Gorgatti Zarbin, do Departamento de Química da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que pesquisa Nanomateriais, a química sustenta a vida que, por sua vez, é a “mais magnífica manifestação possível da química”. “Amor, ódio, fome, desprezo, medo são sensações causadas por substâncias químicas geradas através de reações químicas no organismo quando estimuladas para cada uma delas”, explicou.

A pesquisadora de agronomia e biodiversidade, Ima Vieira, do Museu Emilio Goeldi, ressaltou que a Terra, como um todo, é um organismo vivo, biologicamente semelhante a uma célula, planta, animal e ecossistema. E alertou: “Sem grandes ecossistemas intactos, a Terra se torna inabitável”.

Qual a relação da saúde do planeta com a pandemia do coronavírus? Coube aos professores Paulo Artaxo, Maurício Barreto, Pedro Vasconcelos e Mercedes Bustamante uma resposta. Professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Artaxo disse que meio ambiente e vida são temas inseparáveis. “Meio ambiente é uma rede interconectada de propriedades físicas, químicas e biológicas que sustenta a vida do nosso planeta”.

O médico virologista Pedro Fernando da Costa Vasconcelos, pesquisador do Instituto Evandro Chagas (IEC), presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, afirmou que para ele, um dos significados mais importantes da vida está na manutenção dos sistemas biológicos. “Essa biodiversidade, se quebrada, resulta na emergência de muitos patógenos”, afirmou, acrescentando que seus estudos apontam para que, quando se destrói a floresta, muitas vidas se acabam, fazendo com que os animais e transmissores dos vírus se movam para outras áreas. É o que aconteceu com o novo coronavírus, afirmou.

A ecóloga Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília (UnB) acrescentou que a diversidade é, talvez, a característica mais marcante da vida. “Somos uma entre milhões de espécies que compartilhamos esse planeta”, disse, reiterando que o Brasil tem um papel importantíssimo por ser o país com maior diversidade biológica e social. “Hoje na Marcha pela Vida, nos mobilizamos em defesa do meio ambiente para que nossa geração e as gerações futuras possam ter acesso a qualidade de vida e compartilhar a enorme riqueza representada pela biodiversidade”, afirmou.

O médico Maurício Barreto, professor titular aposentado em Epidemiologia do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pesquisador da Fiocruz-Bahia, defendeu o fortalecimento do SUS e de todos os mecanismos de proteção social, bem como da estrutura científica, para que esta possa produzir a maior quantidade possível de conhecimento que ajude a entender a pandemia e criar recursos para ampliar a capacidade de proteção. “Nosso desejo é que nos unamos e rejeitemos qualquer tentativa de aumentar as perdas e nosso sofrimento, e que possamos sair dessa crise renovando os mecanismos de solidariedade e coesão”, afirmou Barreto.

O neurologista Sidarta Ribeiro, professor titular e Diretor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e diretor da SBPC, analisou que a vida da espécie humana opera em uma lógica muito além dos imperativos ‘darwinistas’ de sobrevivência (comer, se defender e procriar). “Do ponto de vista da biologia molecular, na bioquímica dentro das células, vamos ver que existe de fato um princípio fundamental que é o da homeostase, de equilíbrio, um caminho do meio, seja de temperatura, de PH, frequência cardíaca, hormonais.”

O antropólogo, professor emérito do Museu Nacional (UFRJ) e presidente de honra da SBPC, Otávio Velho, afirmou que estudos mais recentes da antropologia apontaram a vida, não como inata ou adquirida, como se pensava tradicionalmente, mas algo que se desenvolve, como um itinerário. “Nesse sentido, poderíamos abrir novas possibilidades de interlocução com outras disciplinas e quem sabe até o surgimento de novas disciplinas.”

O professor-titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, Renato Janine Ribeiro, definiu o papel da filosofia como o conhecimento rigoroso, que inspira as pessoas e, ao mesmo tempo, é fundamental para o próprio conhecimento. “É um conhecimento quase sem relação com o mundo empírico, que se faz em um nível tal de abstração que muitas vezes é criticado por isso, mas é fundamental porque por conta disso é que temos essa série de grandes filósofos, grandes pensadores e grandes paradigmas e modelos”, disse Ribeiro, que é também conselheiro da SBPC.

O psicólogo e professor titular do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brígido Vizeu Camargo, observou o ambiente no qual os problemas sociais estão imersos com a pandemia: “Estamos testemunhando posicionamentos polarizados frente a como preservar a saúde pública”. E reiterou: “A vida é um valor central para a psicologia e essa ciência acompanha aqueles que trilham o caminho para a vida.”

O arquiteto urbanista e poeta, Fausto Nilo, chamou a atenção para o paradoxo das cidades, criadas há oito mil anos pela necessidade de vida compartilhada, mas que hoje representa um bloqueio às comunidades. “Precisamos restaurar a vida de vizinhança na cidade. Só ela pode produzir a solidariedade que se evidenciou como a matéria mais cara desse processo que estamos a atravessar.”

A historiadora Isabel Lustosa, pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa, lamentou que os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, a consolidação do que se estabeleceu como direito do homem e que deu origem às constituições que regem os países no mundo moderno, estão virando letra morta diante de forças negativas que procuram levar o mundo aos tempos do mais profundo e cruel obscurantismo. “Homens movidos por paixões e interesses que continuam a ser os mesmos, que sempre moveram determinados homens ao longo da história”, declarou.

A última apresentação foi do pesquisador Douglas Galante, astrobiólogo do Laboratório Nacional de Luz Síncroton (LNLS), de Campinas. “A vida como a gente conhece no nosso planeta é fundamental para o entendimento da vida em outros lugares”, disse, E acrescentou que conhecer a diversidade de formas, tamanhos, química que as diferentes células do nosso planeta são capazes de lidar permite a busca pela vida em outras partes do universo.

No encerramento, o presidente da SBPC, Ildeu Moreira, destacou a interdisciplinaridade do painel, exortando a comunidade acadêmica a ampliar e levar para o público geral os debates que acontecem dentro do espaço acadêmico. “Temos que fazer mais eventos como estes, discutir mais os grandes temas que unem as ciências e debater publicamente, apresentando para a população.”

A Frente pela Vida, é composta pela SBPC em parceria com a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Conselho Nacional de Saúde (CNS), o Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes), a Sociedade Brasileira de Bioética (SBB) e a Rede Unida. O movimento ganhou adesão de mais de 500 entidades, instituições e movimentos de todos os setores da sociedade civil.

Assista aos debates do painel de abertura da Marcha na íntegra, no canal Youtube da SBPC:

https://www.youtube.com/watch?v=IG4_zFBVD48

Jornal da Ciência