O Cerrado, a maior região de savana da América do Sul e o segundo maior bioma do continente, cobre quase um quarto do território brasileiro, com uma área original de aproximadamente 2 milhões de km². Apesar de sua vasta extensão e diversidade biológica única, sua importância ainda é subestimada em comparação com outras florestas tropicais brasileiras. Isso é o que discute artigo da nova edição da Ciência & Cultura, que traz como tema “Mudanças climáticas e a transversalidade do conhecimento”.
A vegetação nativa do Cerrado desempenha um papel crucial na regulação do ciclo hidrológico e na manutenção dos recursos hídricos do país, fundamentais para a segurança alimentar, energética e hídrica. As previsões climáticas indicam uma redução das chuvas e um prolongamento do período seco, o que, aliado ao desmatamento, pode comprometer práticas agrícolas como a irrigação, cada vez mais comuns desde os anos 1970. Considerando que 65% da matriz elétrica brasileira é hídrica e que cerca de 52% das unidades de aproveitamento hidrelétrico dependem das bacias do Cerrado, as alterações nesse bioma podem afetar drasticamente a geração de energia no país, incluindo a usina de Itaipu, que recebe quase metade de sua água dessa região. “No Cerrado, as seguranças alimentar, energética e hídrica do país estão intrinsecamente conectadas e são dependentes da conservação da vegetação nativa em larga escala”, afirma Mercedes Bustamante, professora do Departamento de Ecologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Brasília (UnB).
O atual modelo de expansão agrícola no Cerrado, especialmente na região de MATOPIBA (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), intensifica a conversão de áreas nativas, contribuindo significativamente para as emissões brasileiras de gases de efeito estufa (GEE). Globalmente, o setor de Agricultura, Florestas e Outros Usos da Terra é responsável por cerca de 23% das emissões de GEE, sendo a principal fonte de emissões líquidas de CO2 no Brasil. A perda do Cerrado, uma das savanas mais biodiversas do mundo, impacta não apenas o clima, mas também a biodiversidade e os grupos sociais vulneráveis, como povos indígenas e comunidades tradicionais. “A perda da savana mais biodiversa do mundo, com expressivos estoques de carbono, responsável por significativa produção de água e energia para todo o país, traz um alto custo com graves repercussões por longo tempo”, alerta a pesquisadora.
A vegetação do Cerrado, adaptada a condições de seca severa e solos pouco férteis, desempenha um papel fundamental na recarga dos aquíferos e na conservação da biodiversidade, abrigando milhares de espécies vegetais e animais, muitas delas endêmicas. As práticas agrícolas modernas, ao substituir essa vegetação por monoculturas de raízes rasas, alteram significativamente a troca de energia e água entre o solo e a atmosfera, tornando o Cerrado mais quente e seco.
Além da importância ecológica, o Cerrado é também um lar para diversas comunidades tradicionais que, ao longo de gerações, desenvolveram formas sustentáveis de utilizar os recursos naturais. A fragmentação das áreas de conservação e a invasão das monoculturas têm deslocado essas populações e reduzido sua capacidade de proteger a vegetação nativa. Diferente da Amazônia, o Cerrado não é considerado patrimônio nacional, e grande parte de suas terras é privada, tornando crucial o envolvimento do setor privado nos esforços de conservação. “Evidências baseadas em satélites mostram que a vegetação nativa é mais bem protegida quando as unidades de conservação são gerenciadas por comunidades locais e tradicionais”, pontua Mercedes Bustamante.
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