País já perdeu quase 18 mil bolsas de estudos este ano

Em seminário em São Paulo, entidades e instituições científicas pedem regularidade e segurança no orçamento para a educação e a ciência

As universidades e instituições de pesquisa brasileiras estão chegando ao fim de outubro com uma perda de 17.892 bolsas de estudos. Isto é o resultado do orçamento insuficiente ou dos congelamentos de verbas que atingiram os programas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). O número foi levantado pela SBPC a partir dos dados dos Ministérios da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC, ao qual o CNPq está subordinado), do Ministério da Educação (MEC que controla a Capes) e do Congresso Nacional.

Nos primeiros dez meses do ano, o CNPq suspendeu e/ou bloqueou um total de 10.072 bolsas e a Capes teve 13.185 bolsas bloqueadas. No mesmo período, entretanto, as duas agências recuperaram parte dos recursos cortados, seja através de recomposição pelo Executivo, a partir de rubricas no fluxo de pagamento, seja por créditos suplementares aprovados no Congresso. Dessa forma, o CNPq recuperou 230 bolsas, fechando outubro com um saldo de 9.842 bolsas bloqueadas. A Capes recuperou pouco mais de 5.085 bolsas, fechando os primeiros dez meses com um saldo de 8.050 bolsas a menos.

O CNPq necessitava de R$ 330 milhões adicionais para completar o pagamento das bolsas até o final do ano. Na semana passada, o Congresso aprovou um projeto de lei da Casa (PLN 41/2019) que libera um crédito suplementar de R$ 93 milhões para o CNPq. Os recursos correspondem ao dinheiro recuperado pela Lava Jato, o que indica o cumprimento parcial do acordo, pois a expectativa era adicionar R$ 250 milhões, resolvendo plenamente o déficit do CNPq. Com esse PLN, no entanto, resolve-se apenas o pagamento no próximo mês (outubro); o MCTIC havia remanejado recursos para pagar o mês de setembro. Há a promessa do Ministério da Economia de liberar os recursos ainda faltantes, da ordem de R$ 157 milhões.

Além dos cortes de bolsas em 2019, o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu de Castro Moreira, alerta para as restrições que se avizinham no Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2020 (PLOA 2020), enviado pelo Executivo ao Congresso em agosto. “O orçamento do MCTIC será de R$ 3,5 bilhões, menor que os R$ 5 bilhões deste ano. O CNPq não terá recursos para fomento, e a Capes terá seu orçamento cortado em quase 50%”, afirmou nesta segunda-feira (28/10), durante o seminário “Trabalhadores da ciência, bolsistas e corte de verbas”.

Organizado pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados, o seminário foi realizado em um auditório da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Para o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), que propôs o evento, o PLOA 2020 demonstra a gravidade da situação da ciência e educação no País: “A pesquisa brasileira poderá chegar em 2020 com orçamento muito menor do que o de 2010”.

Segundo o presidente da SBPC, o desmonte dos sistemas acadêmico e científico públicos não se limita ao contingenciamento de verbas para bolsas e para fomento à pesquisa, mas atinge também a formação e manutenção de pessoal qualificado nos institutos de pesquisa e agências de financiamento. “A composição da força de trabalho nos institutos de pesquisa do MCTIC, como INPA e INPE, ou nos institutos de pesquisa da Marinha, está envelhecendo, com boa parte dos pesquisadores já aposentados ou em vias de fazê-lo.” afirmou.

Participaram do seminário Niels Olsen Saraiva Câmara, assessor da Pró-Reitoria de Pós-Graduação da Universidade de São Paulo (USP); Odair Furtado, pró-reitor de Pós-Graduação PUC-SP; e a presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), Flávia Calé. Convidados, os presidentes do CNPq e da Capes não compareceram, nem mandaram representantes.

Os representantes das universidades destacaram a incerteza sobre o orçamento – mais que o montante de recursos – como mais prejudicial à pesquisa científica que, conforme lembrou Odair Furtado, da PUC, é majoritariamente desenvolvida na pós-graduação das universidades públicas. “Estamos sofrendo efeitos de uma política que começou a ser implantada em 2017 e que é trágica”, afirmou o pró-reitor da PUC.

Segundo Furtado, o fechamento pela Capes dos programas de bolsas voltados aos cursos qualificados como três e quatro causa impacto negativo direto na produção de conhecimento no Brasil, levando à perda de talentos. “Isso representa um atraso no desenvolvimento científico do País que vamos perceber daqui dez a vinte anos”.

A presidente da Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG), Flávia Calé, completou que o impedimento de bolsas para programas três e quatro impacta na formação e fixação de profissionais no interior. “Esses programas afetam o desenvolvimento regional, porque qualificam e fixam profissionais nos programas locais dos municípios”.

Mariana Mazza e Janes Rocha – Jornal da Ciência