Prêmios Nobel de Física e Química de 2024 destacam a IA

Em mesa-redonda, que integrou a programação da Reunião Regional da SBPC no Espírito Santo, especialistas debateram os desafios e os avanços da Inteligência Artificial
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Foto: Jardel Rodrigues/SBPC

A relação entre inteligência artificial (IA) e os avanços que levaram às recentes premiações do Nobel de Física e Química, em 2024, foi o tema da mesa-redonda realizada nessa quinta-feira, 20 de fevereiro, durante a Reunião Regional da SBPC no Espírito Santo, sediada na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), em Vitória. Coordenada pelo físico Ildeu de Castro Moreira (UFRJ), a discussão contou com a participação de especialistas que discutiram tanto a trajetória da IA quanto suas aplicações na ciência moderna. A atividade integrou a programação da Reunião Regional da SBPC no Espírito Santo, em Vitória, realizada no Teatro da Ufes.

No ano passado, o Prêmio Nobel de Física foi concedido aos cientistas John J. Hopfield e Geoffrey E. Hinton pelas suas descobertas no campo do aprendizado de máquina (machine learning), por meio das redes neurais artificiais. Essas inovações possibilitaram a realização de tarefas complexas que imitam o funcionamento do cérebro humano, promovendo avanços significativos na IA. Curiosamente, na mesma edição, o Prêmio Nobel de Química foi atribuído a David Baker, Demis Hassabis e John M. Jumper, que previram as estruturas das proteínas existentes e criaram novas estruturas químicas de aminoácidos, utilizando de forma ampla a IA.

Entre os participantes da mesa, Claudine Badue, professora do Departamento de Informática da Ufes, apresentou uma retrospectiva da história do desenvolvimento da IA. Ela abordou sua evolução desde as primeiras concepções teóricas na década de 1940 até os avanços modernos em redes neurais. A pesquisadora destacou marcos como o “Teste de Turing” (1950) e a formulação do conceito de “perceptron” por Frank Rosenblatt (1959), que propôs um algoritmo de treinamento essencial para a estruturação das redes neurais e do deep learning. O termo IA surgiu em 1955, cunhado por John McCarthy.

A IA passou por períodos alternados de avanço e estagnação, conhecidos como os “invernos da IA”. Um ressurgimento significativo ocorreu com as contribuições de Geoffrey Hinton, laureado com o Prêmio Nobel de Física de 2024 por seu trabalho sobre algoritmos de treinamento para redes neurais profundas, essenciais para os avanços atuais da IA.

Claudine é diretora do Laboratório de Computação de Alto Desempenho (Lcad) da Ufes, apontado como um dos protagonistas brasileiros no desenvolvimento de aplicações práticas de IA na última década. Badue ressaltou a trajetória de projetos de veículos autônomos no Brasil, como a primeira volta autônoma da Ufes (2014), a viagem entre Vitória e Guarapari (2017), o primeiro taxiamento autônomo de aeronave a jato comercial do mundo (2019) e, finalmente, a criação do primeiro carro elétrico autônomo do País (2020). “Esses avanços mostram que o Brasil, por meio de parcerias estratégicas, está entre os pioneiros do mundo nesse tipo de tecnologia”, comentou.

César Lincoln Cavalcante Mattos, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), também fez um breve histórico da IA. Ao abordar o conceito de “perceptron“, ele destacou que uma das principais ideias que permeiam sua apresentação é a inspiração da IA em outras áreas do conhecimento. “Para reestruturar essa concepção, utilizou-se noções provenientes de campos como a biologia e a neurocognição. Um exemplo disso é o conceito de ‘Aprendizado Hebbiano’, que é bastante simples: ele diz que dois neurônios que desempenham funções semelhantes disparam simultaneamente, o que fortalece a conexão entre eles. Quando essa operação é transformada em um algoritmo, é possível realizar o aprendizado automático com esses perceptrons.

Mattos destacou ainda a relevância histórica da Conferência de Dartmouth de 1956. “Embora não tenha trazido novos modelos ou algoritmos, essa conferência teve um grande significado ao consolidar a Inteligência Artificial como uma área acadêmica e de pesquisa.”

O professor da UFC cita também que a Inteligência Artificial e aprendizagem de máquina não se resumem apenas a redes neurais, pois existem várias outras frentes e métodos. E, entre as décadas de 80 e 90, esses métodos floresceram, surgiram novos algoritmos baseados em árvores, em máquinas de vetor de suporte, entre outros, sendo um período de diversificação.

No entanto, na década de 1990, elas ainda não estavam entregando soluções para os problemas que as pessoas ansiavam, como tradução automática, reconhecimento de fala, visão computacional de maneira mais generalizada. E como não entregou essa expectativa, houve uma nova baixa: um segundo inverno da IA.

Ao mencionar pontos importantes, Mattos destacou o ano de 2017, quando pesquisadores da empresa Google publicaram um artigo que definiu uma arquitetura em larga escala para o processamento de sequências longas. “Conhecida como Transformer, ela foi inicialmente utilizada para criar, por exemplo, modelos de linguagem natural, como o processamento de texto, que naturalmente se apresenta em sequência. No entanto, a arquitetura foi rapidamente adaptada para outras estruturas que, à primeira vista, não parecem sequenciais, como as imagens. A imagem pode ser tratada como uma sequência se for dividida em pedaços, ou ‘patches’, que podem ser processados de maneira rápida e eficiente pelas estruturas de Transformers. Atualmente, a maioria das inovações em várias áreas de dados e arte, incluindo processamento de linguagem natural e visão computacional, utiliza alguma variação dos Transformers.”

A professora Carolina Horta Andrade, da Universidade Federal de Goiás (UFG), especialista em Química Medicinal e Medicina Computacional, destacou a revolução promovida pela IA na descoberta de novos fármacos. Segundo Andrade, os recentes Prêmios Nobel de Química e Física refletem a consolidação da IA como ferramenta essencial para a ciência contemporânea. “Os Prêmios Nobel nos fazem refletir sobre a mudança de paradigma que essa terceira onda da IA está provocando. Os laureados de 2024 estabeleceram, desde a década de 1980, as bases para tecnologias como o ChatGPT, que contribuíram para a democratização da IA”, afirmou.

A cientista explicou que a IA permite a modelagem preditiva de proteínas, essenciais para os processos biológicos. Para determinar a estrutura tridimensional dessas moléculas, três técnicas são muito utilizadas: a cristalografia, ressonância magnética nuclear e criomicroscopia eletrônica. Esta última, uma das mais avançadas. O AlphaFold, ferramenta baseada em IA desenvolvida pelo DeepMind, revolucionou a pesquisa ao resolver o problema do enovelamento de proteínas, um desafio que persistia há mais de 50 anos. “O Nobel de 2024 demonstra que a era da IA chegou para todas as áreas do conhecimento”, disse.

Andrade também enfatizou que modelos de machine learning e deep learning têm sido fundamentais no desenvolvimento de novos fármacos, desde a identificação de compostos promissores até os testes clínicos. No entanto, ela alertou para questões éticas e desafios, como o aumento da desigualdade social, o uso da IA para disseminação de desinformação e seu potencial para produção de armamentos. Para ela, a regulação e o desenvolvimento responsável são essenciais para que os benefícios da IA sejam aproveitados sem comprometer valores fundamentais da sociedade. “É necessário o desenvolvimento seguro e responsável da IA, alinhado aos valores humanos”, concluiu.

Luiz Davidovich, professor titular da UFRJ, por sua vez, falou sobre Física Quântica e também comentou sobre a recente decisão de premiar os cientistas John Hopfield e Geoffrey Hinton com o Nobel de Física de 2024. A escolha gerou uma série de discussões e críticas, porque o prêmio contempla outras áreas.

Davidovich explicou que situações como essa acontecem devido à crescente interdisciplinaridade na ciência. Ele lembrou que, em edições anteriores, houve Prêmio Nobel de Medicina concedido a um químico e a um físico, pela invenção da ressonância magnética.

A atividade está disponível na íntegra no canal da SBPC no Youtube.

 

Daniela Klebis e Vivian Costa – Jornal da Ciência