Primeiro seminário temático da SBPC discute princípios para políticas públicas em CT&I

Entre os principais pontos destacados, que deverão constar na Carta de Pernambuco, estão a retomada do investimento em CT&I ao patamar de alguns anos atrás e a volta do Ministério de CT&I separado das Comunicações

Dentro do seu papel de discutir e propor medidas que contribuam para o desenvolvimento da ciência no País, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) realizou na última sexta-feira (13) o primeiro dos oito seminários temáticos da série “Políticas públicas para o Brasil que queremos”. Realizado no auditório da Fiocruz dentro do campus da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em Recife, o evento abordou o tema “Ciência, Tecnologia e Inovação” em quatro painéis e uma palestra do ex-ministro da C&T (2005-2010), professor emérito da UFPE e presidente de honra da SBPC, Sérgio Machado Rezende, que abriu o seminário.

Na abertura do seminário, o presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, ressaltou a importância do evento, o papel que a SBPC tem cumprido em seus 70 anos de atuação – comemorados em 2018 – e o objetivo do seminário. “Nós estamos aqui comemorando de maneira ativa os 70 anos de uma importante história da ciência brasileira, da luta da SBPC pela educação pública, pela CT&I e pela democratização do País, que certamente são os temas de fundo de todas as nossas discussões, sobretudo neste momento dificílimo que estamos vivendo”, lembrou. “Nada mais adequado”, continuou, “que fazermos aquilo que é a nossa tradição: discutir publicamente com a comunidade científica e outros setores o contexto atual e as políticas públicas que queremos para CT&I, pensar quais os pontos centrais dessas políticas que deveremos propor aos candidatos dos diversos partidos para o Executivo e o Legislativo nas próximas eleições, tanto no nível federal quanto nos estados”.

Além do presidente da SBPC, a mesa de abertura era composta pelo diretor da Fiocruz Pernambuco, Sinval Brandão; o reitor da UFPE, Anísio Brasileiro; o coordenador nacional do seminário temático e diretor da SBPC, Sidarta Ribeiro; o secretário regional da SBPC-PE, Marcos Lucena, e a secretária de Ciência, Tecnologia e Inovação de Pernambuco, Lúcia Melo, que fez uma exposição inicial sobre a situação da CT&I em Pernambuco.

Para a realização do evento, a organização contou com o apoio da UFPE e da Fiocruz-PE, que cederam espaço físico para a realização e a transmissão ao vivo, que foi feita por meio do canal da Fiocruz Pernambuco no YouTube. O encontro foi aberto ao público e mais de 150 pessoas, entre representantes de diversas sociedades científicas convidadas, estudantes e profissionais da UFPE e da Fiocruz, que passaram pela plateia com intensa participação.

Com sua longa atuação no setor, o ex-ministro da Ciência e Tecnologia Sérgio Rezende falou sobre os “Desafios da ciência, tecnologia e inovação no Brasil”, analisou o crescimento da ciência no Brasil nas duas últimas décadas, destacou que o País investe pouco na área e declarou que vê com muita tristeza e incredulidade o atual cenário político de retrocesso em ciência e tecnologia e em outras áreas, inclusive no aspecto democrático. Segundo Rezende, “a próxima Reunião Anual da SBPC será realizada em um momento crucial e ecoará para todo o País”. Ele deixou registrada sua homenagem ao ex-presidente Lula pela sua atuação em prol da CT&I no País e lamentou o processo que o levou à prisão. Sergio Rezende apresentou propostas relativas às políticas públicas para CT&I, algumas delas, segundo ele, provenientes de documento da Academia Brasileira de Ciências que será encaminhado aos presidenciáveis,

O seminário seguiu com a apresentação do primeiro painel, que discutiu “Inovação e Ciência”. Integrada por Carlos Augusto Grabois Gadelha, da Fiocruz-RJ; Sayonara H. Moreira da Silva, da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei) e Sidarta Ribeiro, que também é vice-diretor do Instituto do Cérebro da UFRN. Os participantes da mesa discorreram sobre a importância da inovação para o País, destacaram que uma base industrial produtiva é primordial para o desenvolvimento e apresentaram propostas de políticas públicas nesta direção.

Em sua fala, Ribeiro disse que o Brasil atravessa um momento muito preocupante e expôs o que espera da atuação da SBPC com os seminários e no período eleitoral: “Eu acho que o papel da SBPC é dizer à população que o que está em curso na ciência brasileira é um crime de lesa-pátria e qualquer presidenciável que queira fazer algo parecido estará incorrendo nisto também”. “Nós, cientistas brasileiros, temos moral para isso”, completou o pesquisador.

Ribeiro também salientou que para que essa atuação seja contundente e eficaz, é fundamental que os cientistas estejam unidos. “A discussão não é esquerda ou direita, esse discurso nos opõem quando nós temos objetivos comuns. Eu acho que está no momento de cobrar posicionamentos dos candidatos para voltarmos aos índices de investimento de 2010, recompor o FNDCT, recompor a quantidade de bolsas”, defendeu o neurocientista.

O painel seguinte debateu a “CT&I nos Estados”, com três gestores de entidades estaduais de CT&I: Abraham Benzaquen Sicsú, presidente da Facepe; Cláudio Furtado, vice-presidente do Confap e Francilene Garcia, presidente da Consecti. Os três diretores discutiram os desafios nacionais e as desigualdades entre as regiões e estados brasileiros em CT&I e concluíram que a discussão sobre os rumos da ciência no País deve necessariamente envolver os estados.

No painel seguinte, Anderson Stevens Leônidas Gomes, da UFPE, Celina Turchi, da Fiocruz-PE e Paulo Sérgio Lacerda Beirão, professor da UFMG e diretor da Fapemig, debateram a “Pesquisa básica” na ciência brasileira, sua importância para o País e apontaram aspectos importantes que devem ser levados em conta na formulação das políticas públicas. Foi destacada a contribuição recente da ciência brasileiro no caso do zika vírus e da microcefalia.

No último painel, “Ciência e atuação no Parlamento”, Helena Bonciani Nader, presidente de honra da SBPC, falou sobre a relação entre a comunidade científica e o Congresso Nacional nos últimos anos. A professora da Unifesp destacou o movimento suprapartidário para a recente aprovação do Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação e afirmou que ele “colocará o Brasil no rumo de um país moderno para CT&I e trará garantias e segurança jurídica para a ciência brasileira”.

Nader seguiu discorrendo sobre outros temas em que a atuação da comunidade científica não garantiu vitórias expressivas como ocorreu com o Marco Legal, mas evitou tragédias. Citou a discussão sobre o Código Florestal, com o julgamento de quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIN) que se encerrou em fevereiro no STF, com um resultado contrário às demandas da SBPC e de outras entidades. A presidente de honra da SBPC esclareceu, no entanto, que apesar de isto ter representado um retrocesso em muitos aspectos, a votação do Código Florestal poderia ter sido uma tragédia ainda maior não fosse a atuação da entidade. Segundo ela, “hoje, nós falamos muito que a maioria dos parlamentares não nos representa, mas se eles estão lá não chegaram por golpe, todos chegaram pelo voto. Nossa credibilidade é muito grande e mesmo que o congressista não tenha o mesmo posicionamento que o nosso, nosso papel é dialogar e defender nossos interesses”, enfatizou a pesquisadora.

Ildeu Moreira reviu, em sua fala, as ações da comunidade científica no Congresso Nacional no ano passado, na luta pela recuperação de recursos para a área, com em êxito apenas parcial e relativo, e apresentou algumas propostas sobre as políticas de CT&I que deveriam ser encaminhadas a candidatos aos Legislativos federal e estaduais.  Para ele, as entidades científicas devem discutir politicamente as estratégias a serem adotadas em um ano eleitoral e as propostas a serem encaminhadas, acima de discussões ideológicas e de forma apartidária, como é de sua natureza. “Uma característica fundamental que nós temos é que falamos acima das diferenças partidárias e ideológicas representadas no Parlamento, que são naturais e importantes na sociedade. Nós defendemos políticas públicas importantes e necessárias para o desenvolvimento econômico e social do País e não podemos abrir mão disso”, afirmou.

Documento

A “Carta de Pernambuco”, um documento preliminar com diretrizes e propostas gerais para as políticas públicas no âmbito da Ciência, Tecnologia e Inovação, e que resultou do seminário, está em fase de redação e será distribuído e discutido amplamente para a comunidade científica. O documento inicial está sendo elaborado por um grupo de três relatores: o secretário regional da SBPC-PE, Marcos Lucena, Rejane Mansur, secretária regional adjunta, e Maria do Carmo Figueiredo, conselheira da SBPC. Ele deve ser debatido amplamente na SBPC e com outras entidades cientificas e acadêmicas e será apresentado durante a 70ª Reunião Anual da SBPC, em julho, como ocorrerá com os documentos resultantes dos outros sete seminários temáticos.

Ao Jornal da Ciência, o pesquisador florestal José Antônio Aleixo, um dos coordenadores do evento e conselheiro da SBPC, afirmou: “O evento correu quase todo dentro do planejado e foi muito bom, com debates de altíssima qualidade e eu digo quase todo por que nós não conseguimos elaborar o texto da Carta de Pernambuco devido à densidade do debate que estourou o tempo e foi até o final do dia.” Entre os principais pontos destacados por Aleixo do seminário, estão a desvinculação do Ministério de C&T das Comunicações e a retomada do investimento em CT&I ao patamar de 2010.

Para o coordenador do Seminário Temático sobre Ciência, Tecnologia e Inovação, Sidarta Ribeiro, o encontro em Recife foi muito bom, com bastante público e representatividade ampla de entidades científicas e acadêmicas. O neurocientista destacou que é preciso ter muita clareza da gravidade da situação em que está a ciência brasileira e denunciar o comprometimento do futuro da nação com a atual política de cortes. “No contexto das eleições, a SBPC precisa se posicionar com muita firmeza contra a atual política e seus promotores e expor publicamente para a população brasileira quais candidatos assumem o compromisso de se contrapor ao desmonte da CT&I brasileira e quais não”, resumiu Ribeiro.

Confira as datas, temas e locais dos outros seminários temáticos já programados:

  • Democratização da comunicação – 21 de maio – Salvador;
  • Saúde Pública – 29 de maio – Rio de Janeiro;
  • Educação Superior e Pós-graduação – 6 de junho – Porto Alegre;
  • Amazônia – 11 de junho – Manaus;
  • Direitos Humanos – 14 de junho – Brasília;
  • Educação Básica – 15 de junho – Belo Horizonte;
  • Desenvolvimento Sustentável – data a confirmar – São Paulo.

As datas, horários, locais e programações mais precisas de cada seminário temático serão divulgados amplamente pelos meios de comunicação da SBPC e de outras universidades, instituições e entidades científicas.

Assista ao Seminário Temático sobre CT&I completo no canal da Fiocruz Pernambuco no YouTube.

Marcelo Rodrigues, estagiário da SBPC