Programas de pós-graduação com conceito 3 e 4 foram os mais prejudicados por nova política de bolsas da Capes

Estudo do Grupo de Trabalho da SBPC sobre as políticas da Capes aponta que a Portaria 34, de 9 de março de 2020, foi responsável pela redução de cerca de 10% do total de bolsas de pós-graduação permanentes financiadas pela agência desde sua implementação. Programas com conceito 3 e 4 perderam até 40%

O Grupo de Trabalho da SBPC sobre as políticas da Capes para a distribuição de bolsas encaminhou nesta terça-feira, 23 de junho, a líderes das Frentes e Comissões Parlamentares de Educação e CT&I uma análise dos impactos das novas normas implementadas pela agência em 2020 – portarias 18, 20 e 21 e, especialmente, a Portaria no 34, publicada pela da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior  em 9 de março de 2020. O estudo, realizado por Reinaldo Ramos de Carvalho (coordenador do GT) e por Thiago Signorini Gonçalves (UFRJ), alerta que, ao contrário do que a Capes afirmou, houve, sim, perdas em diversos programas de pós-graduação (PPG), e os com conceito 3 e 4 foram os mais prejudicados pelas mudanças, com redução de até 40% das bolsas permanentes.

A Portaria 34 estabelece novas normas sobre o fomento a cursos de pós-graduação stricto sensu no País. Publicada sem diálogo prévio com a comunidade científica e acadêmica, ou com atores institucionais como a Andifes e o Foprop, e sequer o Conselho Superior da própria Capes, a medida, que afeta cerca de 6,8 mil programas, causou indignação. Entidades, como a SBPC, responderam imediatamente com pedidos de revogação, mais de 30 projetos de lei para sustar a portaria foram protocolados na Câmara dos Deputados e o Ministério Público dos Direitos do Cidadão fez recomendação à Capes nesse sentido.

As entidades também solicitaram à agência a divulgação da planilha completa com a distribuição das bolsas de mestrado e doutorado, especificando Instituição e Programa de Pós-graduação, antes da efetiva abertura do Sistema de Controle de Bolsas e Auxílios. O pedido foi feito em abril, após a comunidade de pós-graduação relatar o corte de centenas de bolsas, contrastando com o posicionamento da agência, que afirmava que esse número seria maior que o de janeiro de 2020, antes da implementação da nova norma.

Intitulado “A NOVA POLÍTICA DE DISTRIBUIÇÃO DE BOLSAS DA CAPES: ONDE ESTAMOS E O QUE ESPERAMOS DO NOVO PLANO“, o estudo tomou por base dados do novo relatório divulgado pela própria Capes recentemente, após a implementação da Portaria 34, e comparou com a situação de cada programa no final de 2019. A análise examinou a variação no número de bolsas em função de fatores como IDHM, regiões geográficas, áreas de atividade e nota do programa, critérios adotados pela Capes para a distribuição das bolsas.

Em geral, foi observado que o número de bolsas permanentes caiu 10,4% nesse período, de 77.629 para 69.508, sem variação relevante entre as grandes áreas.

O documento também ressalta que a nova política de distribuição dessas bolsas favorece mais ainda as desigualdades regionais: enquanto as regiões Sul, Centro-Oeste, Norte e Nordeste perderam, em média, 14% das cotas, a região Sudeste, responsável por mais da metade do PIB nacional, perdeu apenas 7%. Ou seja, os programas de pós-graduação mais prejudicados estão nos municípios com menor IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal).

Entre os efeitos mais gritantes apontados pelo documento do GT da SBPC, está a perda notável do número de bolsas entre os programas com notas menores. Segundo o estudo, programas com conceito 3 perderam cerca de 40% de suas bolsas permanentes, enquanto que programas com nota 7 viram um aumento de 10% no número de bolsas.  “Este trabalho evidencia que o resultado da Portaria 34 foi simplesmente penalizar os PPGs 3 e 4, beneficiando programas já estabelecidos”, comenta o GT da SBPC no estudo.

A medida ignora o que o documento chama de “estrutura perversa”, pois os estudantes de mestrados com conceitos 3 e 4, ao defenderem suas dissertações, continuam seus estudos em doutorado com notas 6 e 7, pois, na maioria das vezes, seus programas ainda não puderam expandir. Em geral, este aluno publica seu trabalho de mestrado já durante o doutorado, o que alimenta mais ainda os programas de maior nota, conforme observa o estudo.

“Vale lembrar que o Brasil encontra-se muito aquém do número esperado de doutores em países desenvolvidos, com 7,6 doutores por 100 mil habitantes, contra 17,5 da Itália, 20,6 dos EUA e 39,7 de Portugal (OCDE, 2013). É evidente a necessidade de expandir a base de programas de pós-graduação no País, com uma distribuição geográfica mais diversa. Ao contrário, vimos que o resultado final da Portaria 34 é uma concentração ainda maior de bolsas na região Sudeste; e mais, muitos programas 3 e 4 prejudicados são programas mais jovens, criados nos últimos 10 a 20 anos. A remoção de bolsas destes programas pode dificultar ainda mais o crescimento da pós-graduação no País, impedindo a expansão da iniciativa e privilegiando instituições e regiões que já estão quase saturadas na sua capacidade de crescimento”, argumenta o GT da SBPC no documento.

O estudo propõe a formação de um grupo de trabalho permanente, com a Capes, SBPC, ABC, ANPG, Andifes e Foprop, que represente a comunidade científica e que possa debater mudanças mais profundas nos programas de distribuição de bolsas de pós-graduação com transparência. Também é sugerido que a Capes implemente um plano de consolidação dos programas com conceito 3 e 4, que permita a progressão do padrão de qualidade no médio prazo. O documento traz ainda como propostas a revisão do critério que privilegia programas com maior número de titulados e da utilização de simples numerologia de artigos, “que basicamente é o que diferencia programas nota 6 e 7 dos programas nota 3 e 4”.

Veja o PDF do documento na íntegra.

Jornal da Ciência