SBPC lamenta a morte de Francisco Mauro Salzano

Sócio da SBPC desde 1952, Salzano foi secretário regional, conselheiro e vice-presidente da entidade, e em 2008 recebeu o título de presidente de honra pela sua dedicação e pela relevância de seu trabalho em prol do desenvolvimento da ciência no País. O geneticista e professor da UFRGS faleceu na noite desta quinta-feira, 27 de setembro
Foto: Gustavo Diehl
Foto: Gustavo Diehl

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) lamenta profundamente a morte do geneticista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Francisco Mauro Salzano, na noite desta quinta-feira, 27 de setembro. Salzano foi um dos pioneiros da genética no País, área à qual se dedicou por mais de seis décadas e pela qual foi reconhecido internacionalmente.

Ele teve também uma atuação histórica e intensa na SBPC. Tornou-se sócio em 1952, apenas quatro anos após a fundação da entidade. Foi conselheiro por quatro mandatos – 1963-69, 1969-73, 1973-77, 1979-83 –  e vice-presidente duas vezes, de 1977 a 1979 e de 1993 a 1995. Também foi secretário regional na SBPC-RS, em Porto Alegre, entre 1961 e 1963. Foi homenageado na 51ª Reunião Anual, realizada em julho de 1999, em Porto Alegre (RS), por suas contribuições significativas para o desenvolvimento da ciência brasileira. Em 2008, recebeu da entidade o título de presidente de honra.

“A SBPC está entristecida por esta grande perda para a ciência brasileira e se solidariza consternada com familiares, amigos e alunos do professor Salzano, nosso presidente de honra. Salzano foi um grande cientista, com um renome enorme, nacional e internacional, em função da qualidade e da extensão de seus trabalhos de pesquisa, em especial sobre sua especialidade, a genética humana. Formou um grande número de pesquisadores e tinha grande preocupação com a formação científica dos jovens. Engajado e sempre preocupado com a política científica no País, esteve presente recentemente em um debate organizado pela SBPC-RS sobre a situação da ciência no Brasil e destacou a importância do envolvimento dos cientistas. Sua última mensagem, dirigida aos colegas geneticistas, é uma declaração de amor e dedicação à ciência, uma afirmação de sua capacidade transformadora e também um brado importante pela redução das desigualdades sociais e entre as nações”, declara o presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira.

“Salzano foi um homem que revolucionou a genética brasileira. Teve muitos filhos intelectuais e formou escolas. Salzano nos ajudou a construir a Ciência Hoje, em 1982. Ele sempre escreveu para o grande público e incentivou fortemente as iniciativas da SBPC para popularização da ciência. Ele é parte da memória da SBPC, um dos alicerces da entidade. Era um conselheiro muito especial, que sempre nos orientou em sucessivas oportunidades”, acrescenta o presidente de honra da SBPC, Ennio Candotti.

Biografia

Francisco Mauro Salzano nasceu em 1928, em Cachoeira do Sul (RS). Graduou-se em História Natural, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 1950. Durante os anos de graduação, conheceu o professor António Rodrigues Cordeiro, fundador do Departamento de Genética da UFRGS, que se tornou um dos mentores de sua vida científica. Foi com ele que Salzano começou a trabalhar com genética da Drosophila sp., sua linha de pesquisa por anos.

No final da graduação, Salzano foi convidado a complementar sua titulação com uma especialização na USP (1952), trabalhando com o professor Theodosius Dobzhansky, onde permaneceu por um ano. Durante a especialização, o professor Crodowaldo Pavan, um dos líderes do grupo de colaboradores do professor Cordeiro, adotou Salzano como seu orientando. E com Pavan, concluiu as atividades iniciadas na USP no Rio Grande do Sul, obtendo o título de doutor na área de genética no ano de 1955.

Por influência de seu mentor Cordeiro, ao fim de seu doutoramento, Salzano migrou para a Genética Humana, área à qual se dedicou pelo resto da vida. No final da década de 1950, partiu para um pós-doutorado, financiado pela Fundação Rockfeller, na Universidade de Michigan (EUA), sob orientação do professor James Van Gundia Neel.

Comprometido com o desenvolvimento da ciência no Brasil, Salzano adotou como uma de suas frentes de pesquisa a construção de acervo sobre a ancestralidade genômica e identidade nacional, produzindo resultados significantes, com destaque na genética de Ameríndios, trabalho que o tornou referência internacional.

Dedicou seis décadas de sua vida à UFRGS, como professor do departamento de Genética do Instituto de Biociências e membro permanente do núcleo da pós-graduação em Genética e Biologia Molecular. Em nota divulgada na manhã desta sexta-feira, a UFRGS decretou luto oficial de três dias em função do falecimento de seu professor emérito. Com isso, a bandeira da UFRGS ficará a meio mastro até o domingo, 30 de setembro.

Legado

O renomado cientista atuou em áreas como Genética Humana e Médica, Imunogenética, Evolução Molecular, Polimorfismos, Ameríndios e Demografia. Pesquisador prolífico, publicou mais de mil artigos e textos científicos e orientou mais de 90 pesquisadores, entre mestres e doutores. Sua brilhante carreira científica e o auxilio na formação de diversos profissionais, tornam o professor Francisco Mauro Salzano um dos mais conceituados pesquisadores do nosso país.

“Conheci o professor Salzano quando ainda estagiava no departamento de genética da UFRGS, e, desde aquele tempo, tenho profunda admiração por ele, por ser um grande pesquisador e pela maneira com a qual acolhia os iniciantes. Sempre que nos dirigíamos a ele, fazia questão de não deixar as pessoas sem respostas às perguntas que colocavam. Essa questão de recursos humanos sempre foi muito importante para ele. Fui seu aluno na pós-graduação e minha admiração por ele só se cresceu. O reencontrei na SBPC, quando atuava na organização das reuniões anuais, e sempre que ia a Porto Alegre, fazia questão de encontra-lo. As conversas com Salzano sempre foram absolutamente enriquecedoras”, declara o secretário-geral da SBPC e professor do Departamento de Biologia Celular, Embriologia e Genética da Universidade Federal de Santa Catarina, Paulo Hofmann.

Seu empenho e brilhantismo foram reconhecidos nacional e internacionalmente. Entre os mais de 20 prêmios recebidos, em 1994, o governo brasileiro lhe concedeu a maior distinção nacional para cientistas, o Prêmio Almirante Álvaro Alberto para Ciência e Tecnologia. Também recebeu a condecoração Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico, do presidente da República do Brasil, em 1995. Foi agraciado, em 1997 e 1999, com os prêmios “Annual Award” e o “Franz Boas High Achievement Award” das “Ibero-American Society of Human Genetics” e “Human Biology Association”, respectivamente. Recebeu o título de Doutor Honoris Causa, da Universidade Paul Sabatier (Toulouse III), França, em 2010. Neste ano de 2018, foi homenageado pelo CNPq, em reconhecimento aos serviços prestados ao órgão.

Era membro estrangeiro da Academia Nacional de Ciência dos Estados Unidos desde 1999 e da Academia Brasileira de Ciências desde 1973. Foi presidente da Sociedade Brasileira de Genética (SBG) duas vezes: a primeira  em 1966 a 1968 e a segunda entre 2004 e 2006. No ano de 2008, a SBG instituiu o “Prêmio Francisco Mauro Salzano”, em reconhecimento aos melhores trabalhos de estudantes e pesquisadores de pós-graduação em genética humana. No ano de 2015, passou a premiar o melhor trabalho em evolução.

Em nota encaminhada ao Jornal da Ciência, a SBG declara que está de luto e sob forte emoção pelo falecimento do seu ex-presidente e grande inspirador, “um dos maiores nomes da ciência brasileira”. Segundo o depoimento, assinado pela presidente da entidade, Marcia Pinheiro Margis, Salzano foi “um grande humanista que acreditava na pesquisa e na ciência como caminhos seguros para a evolução da humanidade. A ciência como fonte de bem estar social.”

Margis ressalta ainda que o cientista viu o Brasil atravessar momentos muito difíceis e lutou sempre pela pesquisa e pelo desenvolvimento da ciência. “Por duas vezes foi presidente da Sociedade Brasileira de Genética, tendo defendido a ciência em momentos complicados da história brasileira, como durante a ditadura militar. Pena que ele não teve tempo para ver o Brasil superar a atual crise que estamos enfrentando. Foram muitos prêmios e distinções que ele recebeu ao longo de sua vida. Assim, como foram incontáveis as suas contribuições. Ele nos deixa um grande legado como cientista e como homem talentoso, inteligente e generoso. Nós pesquisadores somos gratos por tudo que ele nos deixa como legado. A ciência brasileira deve muito ao professor Salzano”, concluiu.

Há duas semanas apenas, durante sessão em sua homenagem no XXII Congresso Internacional de Genética (ICG), realizado entre os dias 10 e 14 de setembro, em Foz do Iguaçu, o professor Salzano, que por conta do estado de saúde não pode comparecer, enviou uma mensagem de agradecimento, na qual declarava seu amor à genética e conclamava a todos a defender a ciência e o acesso de seus benefícios a todos.

Na mensagem, o grande cientista brasileiro se despedia expressando um dos seus últimos desejos: “Se existe uma instituição social que tenha contribuído significativamente para a felicidade humana, essa instituição é a Ciência, e este fato deve ser claramente informado aos leigos. Mas a Ciência sozinha não é suficiente para um futuro melhor. É necessário um envolvimento profundo em direção a um mundo no qual as diferenças sociais entre nações e pessoas sejam mais equitativas do que hoje, levando o objetivo da máxima felicidade para o maior número de pessoas.”

O velório do professor Salzano ocorre nesta sexta, 28, a partir das 11h30, na Capela VII do Cemitério João XXIII (Av. Natal, 60 – Bairro Medianeira – Porto Alegre). O sepultamento será realizado às 18h30. A SBPC, enlutada, se solidariza com familiares e amigos.

Jornal da Ciência