“Se não vencermos o presente, não vamos ter futuro”, afirma Sérgio Machado Rezende

Para ex-ministro do segundo governo Lula, o que o País precisa é de continuidade nas ações de CT&I em todos os governos

Sergio Machado Rezende foi Ministro da Ciência e Tecnologia de 19/7/2005 a 31/12/2010, durante o segundo governo Luís Inácio Lula da Silva. Ele é um dos ex-titulares da pasta consultados pelo Jornal da Ciência sobre o cenário atual do setor e estratégias de atuação.

Oito ex-ministros responderam a três questões, por telefone ou e-mail: Como vê a Ciência e a Tecnologia no Brasil hoje? Que estratégia sugere para a comunidade científica para atuar nesse cenário? e Que estratégia sugere para o desenvolvimento futuro?

Os depoimentos estão publicados na nova edição impressa do Jornal da Ciência que circula essa semana. Até sexta-feira (19/7) o Jornal da Ciência vai publicar no site os depoimentos completos, dois por dia.

Leia abaixo a entrevista:

JC – Como vê a Ciência e Tecnologia no Brasil hoje?

Sérgio Machado Rezende – Há uma preocupação grande, primeiro, com a situação na Capes, que está piorando rapidamente por conta de termos um ministro completamente despreparado intelectualmente, paranoico, uma pessoa realmente doentia. A primeira reunião do conselho da Capes deste ano ainda era com o ministro anterior, que era ruim, mas era meio inofensivo. Trocaram por um pior e ofensivo! Ele interfere de tal maneira que a Capes começa a tomar posições muito preocupantes, uma delas é em relação à universidade pública. Eles acham que a Capes privilegia a universidade pública e que o governo deveria apoiar as universidades privadas. Outra preocupação é com os cortes de bolsas em todo Brasil. No CNPq a situação é um pouco melhor no sentido que os dirigentes são mais ligados à comunidade, o ministro não toma posições ofensivas. No CNPq não há preocupação com a política, mas sim com os recursos, porque não haverá dinheiro para pagar bolsas a partir de setembro. E na Finep, que é a terceira agência federal mais importante, a grande preocupação é que o FNDCT foi cortado drasticamente. O valor aprovado até o momento, em torno de R$ 1 bilhão, corresponde a aproximadamente um sexto do que foi executado em 2010, corrigido pela inflação. Com isso a Finep está em uma situação muito passiva, sem poder fazer editais. Sabemos que os funcionários da agencia estão em um desânimo muito grande, não veem um futuro muito claro. Para resumir, vejo uma situação muito preocupante. Participei do documento dos seis ex-ministros de CTI divulgado essa semana, e lá dissemos que estamos em uma crise sem precedentes na história da CTI brasileira.

JC – Que estratégia sugere para a comunidade científica atuar nesse cenário de restrições orçamentárias?

SMR – A estratégia que temos seguido: manifestações nos mais diversos foros. Nunca tivemos no Brasil uma manifestação conjunta de ex-ministros e esse documento que divulgamos recentemente será revisado nos próximos dias e apresentado na reunião anual da SBPC. A estratégia é a comunidade manter uma atitude proativa de chamar a atenção da sociedade para o absurdo que está sendo feito. Há um mês e pouco, os cortes na educação acabaram mobilizando a sociedade para ir para as ruas, tivemos uma movimentação em cerca de 300 cidades e o principal mote das passeatas era contra a política de educação do governo. A educação abrange uma quantidade de pessoas muito maior, mas a CT&I também tem um papel importante. O documento divulgado há uma semana teve grande repercussão na imprensa o que é importante porque a gente tem a impressão que o governo acha que mexe nessas áreas de uma forma autoritária e que não vai acontecer nada. Acontece sim, a sociedade valoriza a educação e a CT&I. A estratégia é continuar protestando.

JC – Que estratégia sugere para a comunidade científica para o desenvolvimento futuro?

SMR – Essa é uma pergunta muito difícil porque, no momento, se não vencermos o presente, não vamos ter futuro. Como o documento dos ex-ministros (divulgado em 1/7) diz, havendo interrupção de recursos para fazer uma estrada, você interrompe a construção, depois retoma. No caso da CT&I e Educação não acontece assim, você não retoma, é um prejuízo muito grande. Nossa preocupação é com o presente. Mas com relação ao futuro, quero lembrar que no governo que eu participei – estive no ministério por cinco anos e meio- nós elaboramos um plano de ação que foi executado com o orçamento previsto, correspondente à época a R$ 41 bilhões que seriam hoje aproximadamente R$ 60 bilhões. E no final, motivados pelo sucesso da aplicação do plano, tivemos muitos programas lançados, o governo mobilizou a sociedade para fazer a 4ª Conferencia Nacional de CT&I em 2010. Essa conferência mobilizou muitas pessoas que fizeram um documento, o Livro Azul. O presidente da comissão era o Luiz Davidovich, hoje presidente da ABC. O Livro Azul tinha um conjunto de recomendações, respaldado em análises, para que tivéssemos CT&I e desenvolvimento sustentável, com várias recomendações, a primeira delas que tivéssemos orçamentos crescentes, expansão dos programas, criação de novos, um conjunto bem ordenado. Mas infelizmente essas recomendações foram esquecidas muito rapidamente. Naquela época havia motivação para fazer recomendações para o futuro porque o presente estava bem. O que precisamos é ter continuidade nas ações de CT&I, em todos os governos – federal, estaduais – e o Brasil padece dessa dificuldade de dar continuidade às coisas que estão dando certo. O que está acontecendo agora é um desastre então temos que vencer a crise do curto prazo, e no médio prazo, precisamos retomar o planejamento um pouco mais longo.

Leia amanhã os depoimentos de Clélio Campolina Diniz e Aldo Rebelo.

Os depoimentos dos ex-ministros estão reunidos neste link.

Janes Rocha – Jornal da Ciência