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Mesa debate a história e as perspectivas dos experimentos com animais

Coordenador do Concea e representante do Inmetro - que falou da necessidade de se validar os métodos alternativos no Brasil - apresentam experiências na área nos últimos anos.

Coordenador do Concea e representante do Inmetro – que falou da
necessidade de se validar os métodos alternativos no Brasil – apresentam
experiências na área nos últimos anos.

Um histórico contando como o Brasil e o mundo vêm
lidando com os experimentos com animais em laboratório abriu a
conferência Sistema Ceua-Concea, que aconteceu ontem (23) durante a
64a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC). Coube a Marcelo Morales, coordenador do Conselho Nacional de
Controle de Experimentação Animal (Concea), traçar essa trajetória. “É
quase impossível neste momento pensar a experimentação sem o uso de
animais,
principalmente na área de saúde”, assegura
Morales.

Ele lembrou que na Inglaterra do século 19 surgiu
dos primeiros movimentos em defesa dos animais, que constituiu no
primeiro passo para garantir um esboço das atuais diretrizes. Tal esboço
foi estabelecido nesse país em meados do século 20 e que dizia que só
devem ser utilizados animais quando não existir possibilidade de sua
substituição por outra tecnologia. Também estabelecia que, em caso de
necessidade de seu uso, deveria se reduzir o número de animais, bem como
aperfeiçoar as técnicas experimentais, de forma a minimizar a dor e o
sofrimento deles, o que se traduz no conceito dos três R: replacement
(substituição), reduction (redução) e refinement (refinamento das
técnicas para que os animais não sofram).

Esse embrião de leis deixou claro que o resultado
ideal é que não haja a utilização de animais com propósitos de
investigação científica. No entanto, o resultado concreto foi o obtido,
por exemplo, pela Comunidade Europeia, onde o Centro Europeu de
Validação e Métodos Alternativos vem desenvolvendo maneiras de
substituição e criando modelos de simulação por computador. Morales
citou exemplos também nos Estados Unidos e Austrália antes de entrar no
caso do Brasil.

Lei Arouca e Concea – Uma ameaça do governo do Rio
de Janeiro em proibir o uso de animais em pesquisas no estado acelerou a
aprovação da hoje Lei 11.794 de 2008, conhecida como Lei Arouca. Em
maio de 2008 os cientistas começaram a se articular junto ao governo
contra a proposta do vereador Claudio Cavalcante até que, finalmente, a
lei foi
estabelecida em outubro desse mesmo ano.

Morales lembra que se a proibição fosse aprovada
pela Câmara do Rio, “seria um desastre nacional”, já que isso
comprometeria a produção de vacinas para o Brasil e para outros países.
“Hoje o Brasil tem uma lei que protege os animais utilizados em
pesquisa, isso é emblemático para um país que quer ser uma potência
científica”, pondera. A Lei Arouca determina a criação do Concea,
restringe a criação ou utilização de animais para ensino e pesquisa a
instituições credenciadas e exige, como requisito desse credenciamento, a
constituição prévia de Comissões de Ética no Uso de Animais, as CEUAs.
Estas devem ser integradas por médicos veterinários e biólogos,docentes e
pesquisadores na área específica e um representante de sociedades
protetoras de animais legalmente estabelecidas no País.

Morales lembrou também a recente Resolução
Normativa nº 6, que institui a figura do coordenador de biotérios,
“profissional com conhecimento na ciência dos animais de laboratório
apto a gerir a unidade visando o bem estar, a qualidade na produção e o
adequado manejo dos animais do biotério.” A normativa também determina
que o responsável técnico dos biotérios deverá ter o título de médico
veterinário e registro no Conselho Nacional de Medicina Veterinária.

Entre as atribuições do Concea, figuram formular e
zelar pelo cumprimento das normas relativas à utilização humanitária e
ética de animais com finalidade de ensino e pesquisa científica,
credenciar instituições para criação ou utilização de animais com
finalidade de ensino ou pesquisa, monitorar e avaliar a introdução de
técnicas alternativas, entre outras.

Métodos – Nesse sentido, Regina Pekelmann, membro
da SBPC e apresentadora da conferência, lembra que “todo mundo que
trabalha com animais de laboratório sabe que o objetivo maior é usar
modelos de animais e conseguir dar o salto para a utilização de métodos
alternativos ou substitutivos”. Para dar esse contraponto, José Mauro
Granjeiro, do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia
(Inmetro), apresentou uma palestra sobre métodos alternativos, com foco
na validação.

Segundo a base legal, esses métodos são
“procedimentos validados e internacionalmente aceitos que garantam
resultados semelhantes e com reprodutibilidade para atingir a mesma meta
dos procedimentos substituídos por metodologias que não utilizem
animais, usem espécies de ordens inferiores, empreguem menor número
deles, utilizem sistemas orgânicos ex vivos ou diminuam ou eliminem o
desconforto”. Entre as limitações dos métodos alternativos, estão a
farmacocinética, a carcinogênese, a imunotoxidade, entre outras.

Atualmente, o Brasil não tem nenhum método
validado, já que agências reguladoras como a Anvisa e Ibama precisam
reconhecê-los. Ele explicou como funciona em outros países, onde se
busca confiança, rapidez, relevância e facilidade de transferência,
entre outros fatores. “Todos os procedimentos devem atender
pré-requisitos das boas práticas de laboratório (BPL)”, ressalta
Granjeiro.

Por sua vez, Ana Maria Guaraldo, da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), responsável por “um dos biotérios mais
importantes do País”, segundo Regina, apresentou diversos dados, como a
distribuição de animais de laboratório no Brasil. Os ratos predominam,
com quase metade das ocorrências, seguidos por camundongos e hamsters.
Mas também aparecem cães, coelhos, pombos, primatas, ovinos e
marsupiais, entre outros.
Ela relatou o trabalho da Ceua da Unicamp, que
funciona há 14 anos, antes mesmo da obrigatoriedade das comissões. Está
composta por membros de faculdades como ciências médicas, engenharia de
alimentos, odontologia, veterinária, além de representantes da
comunidade civil e de uma sociedade protetora.

Ana Maria conta algumas particularidades, como o
fato de não analisarem protocolos externos, sem vínculos com a
universidade e destacou que a conscientização entre os cientistas para a
regulamentação, sobretudo os mais jovens, vem aumentando. Seu biotério é
considerado um exemplo de armazenamento, em comparação aos de outros
estados, apesar de ela destacar que há a necessidade de melhorar ainda
mais as condições.

“É importante sinalizar o
horizonte que o Brasil vê em relação à experimentação animal. Não é só a
preocupação com o bem estar deles, mas também representa a boa
qualidade da pesquisa”, conclui Morales.

(Clarissa Vasconcellos – Jornal da Ciência)