A ciência nas pandemias

Durante o debate, ocorrido na 74ª Reunião Anual da SBPC, os participantes procuraram traçar uma linha do tempo entre as duas principais pandemias que ocorreram no planeta

Os debates virtuais da 74ª Reunião Anual da SBPC ocorreram simultaneamente com os eventos presenciais, levantando assuntos de importância nacional e com a participação de pesquisadores de excelência. Na quarta-feira, 27/7, a mesa redonda “As ciências na pandemia: da gripe espanhola à COVID-19”, moderada pelo presidente da Abrasco Reinaldo Guimarães (UFRJ), contou com participação do Acadêmico Carlos Morel (Fiocruz) e das pesquisadoras Anny Jackeline Torres Silveira (Ufop) e Tatiana Martins Roque (UFRJ). A mesa foi transmitida em parceria com a Abrasco TV. Durante o debate, os participantes procuraram traçar uma linha do tempo entre as duas principais pandemias que ocorreram no planeta.

Há quase 100 anos entre nós, o H1N1 é um vírus que cria epidemias sazonais, atuando conforme as suas mutações. Em 1918, ele foi responsável por causar a gripe espanhola, o principal evento pandêmico causado por vírus até o surgimento da covid-19. Após 38 anos sofrendo mutações, a nova variante do vírus, chamada de H2N2, foi responsável pela intitulada gripe asiática, que infectou milhões de pessoas ao redor do mundo. Em 1977, um novo incidente: o retorno da circulação do H1N1, idêntico ao identificado pela última vez em 1951, voltou a circular, causando a pandemia da gripe russa.  O H3N2 – causador da gripe de Hong Kong, em 1968 – e duas linhagens suínas de H1N1 – uma delas derivada diretamente do vírus da gripe espanhola – deram origem ao novo H1N1, causador da gripe suína de 2009 e 2010.*

Dez anos depois da última crise sanitária causada por um vírus, um novo vírus, o Sars-Cov-2, colocou sete bilhões de pessoas em isolamento por mais de 18 meses. Agora, passados mais de dois anos, é possível afirmar que o mundo voltou ao normal?

Efeitos da pandemia

“Se alguém acha que agora vai ter um break e vamos ficar sem pandemias, está enganado. A tendência é que ocorra justamente o contrário. Tudo mostra que, com a frequência de aparecimento de epidemias, o número de pandemias só tende a aumentar”,  alertou Carlos Morel, membro titular da ABC. Segundo ele, a maior integração entre os países, fortalecida pela expansão do transporte aéreo, facilitou a disseminação internacional dos vírus de modo geral.

De fato, o Brasil lida com muitas epidemias no país: por conta da covid-19, os altos números de casos anuais de doenças como dengue, zika e chikungunya foram mascarados ao longo dos últimos dois anos. Apenas nos primeiros seis meses de 2022, o Brasil já contava com 1,1 milhão de casos de dengue. Na região Norte, a malária é considerada uma doença endêmica, devido a frequência e a estabilidade no número de casos. Para além dos vírus mais comentados, há aqueles com um pequeno número de casos, mas com potencial para tomar grandes proporções no futuro.

Um enigma para a medicina até os dias de hoje, Morel cita o caso do vírus Sabiá (SABV), causador de uma febre hemorrágica brasileira que fez quatro vítimas (duas delas, letais) em 1990 e ressurgiu quase 20 anos depois. O SABV é um arenavírus, que infecta roedores silvestres e, eventualmente, seres humanos. A doença, rara, fez uma nova vítima em janeiro de 2020. Após descartadas as hipóteses de doenças similares – como chikungunya, dengue e febre amarela –, foi concluído que se tratava de um novo caso do vírus. Intrigados pelo ressurgimento do vírus, um grupo de pesquisadores da USP analisou dados de outras vítimas com sintomas similares ao longo dos últimos anos e concluiu que a causa mortis de duas estavam erradas; na verdade, ambos foram infectados pelo SABV. “A curiosidade desse grupo de pesquisa nos mostrou que, esse tempo todo, o vírus não estava escondido, só não era detectado”, observou Morel. “Isso mostra, para mim, o poder que temos atualmente de ir muito mais fundo na questão das pandemias, de explicar sua origem.”

Morel categoriza a covid-19 como um “break point”, que dividiu o mundo em antes e depois. Segundo ele, as desigualdades não estavam limitadas ao acesso à tratamento, vacinas e informação, mas também nos laboratórios: a escassez e a má distribuição geográfica de instalações de biossegurança 3 (BSL3) interferiu nas formas de estudar o vírus e também nas formas de tratar pacientes sem contaminar a equipe médica. O impacto sanitário e biológico também foram outros fatores marcantes desta pandemia.

Durante o período, as relações internacionais também foram abaladas, devido ao discurso de ódio aos países asiáticos, incentivado por representantes de grandes potências internacionais. “Desde que o então presidente Donald Trump chamou o coronavírus de ‘vírus chinês’, se tornou moda fazer alegações anti-China. Ele abriu portas para expor toda a xenofobia que os Estados Unidos e também o Brasil já tinham contra o país asiático”, apontou. Segundo o Acadêmico, uma “caixa de Pandora” foi aberta: a tensão sinoestadunidense é um grande perigo em muitos aspectos, e deve seguir gerando atritos econômicos até 2030.

 

*Dados extraídos do ICB/USP

Assista à gravação completa da sessão.

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