“A gente ainda não conhece o zika vírus, e a possibilidade de uma nova epidemia é alta”

Em mesa redonda da Reunião Regional da SBPC em Planaltina, DF, nesta quarta-feira, 25, pesquisadores e mãe de bebê com síndrome congênita do zika afirmam que os desafios são ainda muito grandes tanto no combate às arboviroses quanto na assistência às famílias afetadas

Um vírus pouco conhecido, somado a populações em situação de baixa imunidade e um vetor difícil de controlar é a equação trágica da epidemia de arboviroses, especialmente dengue, zika e chikungunya que vêm desafiando o País, principalmente nos últimos dois anos.A gente ainda não conhece o zika vírus, e a possibilidade de uma nova epidemia é alta”, alerta a professora da Universidade de Brasília (UnB), Laila Salmen Espíndola.

A pesquisadora foi uma das participantes da mesa-redonda “ArboControl e passeio no Cerrado”, realizada nesta quarta-feira, 25, no Campus Planaltina da UnB. O evento é parte da programação da Reunião Regional da SBPC no Distrito Federal, que acontece esta semana até sábado, 28 de outubro, integrada às atividades da Faculdade de Ciências da Saúde na Semana Universitária da Universidade de Brasília.

Espíndola apresentou o projeto ArboControl, uma colaboração entre o Ministério da Saúde e a Faculdade de Ciências da Saúde da UnB para a execução de ações de investigação e controle do vetor Aedes aegypti e as arboviroses dengue, zika e chikungunya. O projeto possui quatro componentes de estudos: pesquisa para o controle do vetor, tecnologias em saúde (desenvolvimento de aplicativos de monitoramento, por exemplo), educação, informação e comunicação para o controle do vetor e formação e capacitação de recursos humanos. Essas pesquisas envolvem 35 instituições brasileiras e outras 32 instituições internacionais de todos os continentes.

Espíndola coordena os estudos para o controle do vetor e afirma que o mosquito ainda é um desafio. “O risco está aí. No Distrito Federal, apesar da seca sem fim, continuamos com casos de dengue e chikungunya. Esse mosquito não é fácil e seu controle é missão de todos. Precisamos estar sempre em alerta”, diz.

Desde 2015, o vírus zika, uma das arboviroses transmitidas pelo Aedes aegypti, deixa em alerta mulheres gestantes de todo o País. Descrito pela primeira vez em 1947, o vírus recebeu o nome da floresta onde foi descoberto, Zika, na Uganda, onde 14 pessoas foram infectadas. Sessenta anos depois, em 2007, 185 casos foram descritos em uma ilha do Pacífico. Anos mais tarde, em 2013, 132 mil casos suspeitos foram registrados na Polinésia Francesa. Mas foi no Brasil que ele se alastrou a ponto de o País declarar Emergência Nacional em Saúde Pública, chegando a um pico de 83 casos para 100 mil habitantes em 2016.

Além do número assustador, meses após eclodir a epidemia do zika, médicos do Recife começaram a perceber uma recorrência anormal de crianças com perímetro encefálico muito pequeno e o grupo de pesquisadores liderados pela médica especialista em doenças infeciosas Celina Turchi descobriu a ligação entre o vírus e a microcefalia. Muito além disso, o vírus que atravessa a parede uterina provoca uma síndrome congênita que pode danificar o sistema nervoso central, provocar calcificações intracranianas, alterações oftalmológicas severas, entre outros. Os danos são muito mais graves quando a gestante é infectada no primeiro trimestre da gravidez.

Representando uma das centenas de mães que foram infectadas na gestação, Juliana Katharine Bezerra do Nascimento, mãe de Gabriel, um bebê de dois anos com a síndrome congênita do zika, contou sua história na mesa redonda desta quarta-feira. Resiliente, ela descreveu sua incansável luta para entender a condição do filho e proporcionar a ele toda a assistência necessária para seu desenvolvimento.

Quando estava no terceiro mês de gravidez, ela foi à praia e voltou com o corpo cheio de pintas vermelhas. Mas o hospital não detectou nada, porque, na época ainda não se falava de zika, conforme lembra. No sexto mês de gestação, ela fez o ultrassom e ali foi detectada a microcefalia. Preocupada, a pressão subiu, ela teve uma pré-eclâmpsia que resultou no nascimento prematuro do filho. Gabriel nasceu com 31 semanas, pesando apenas 800 gramas e passou seus três primeiros meses de vida internado – dois deles na UTI. “Quando ele teve alta, eu ainda não sabia o que ele tinha. Nem os médicos entendiam. Uma médica foi tão fria que, olhando meu filho de longe, me disse que ele tinha microcefalia e que não sobreviveria”. Segundo ela, mais de 75% das mães em Recife que tiveram bebês com microcefalia naquele período ouviram que seus filhos não teriam muita expectativa de vida.

E foi entre essas mães também em busca de respostas que Juliana encontrou o apoio e a orientação para cuidar de Gabriel. Elas criaram uma Ong, a União das Mães de Anjos (UMA), que hoje já reúne cerca de 320 mães de crianças com a síndrome congênita para discutir como cuidar melhor dessas crianças. “Pelo governo tudo é muito precário. Alguns centros de tratamentos possuem metas para o desenvolvimento dos pacientes, que se não são atingidas, as crianças são desligadas. Deixei de trabalhar para cuidar do Gabriel. Recebo benefício do governo, mas é complicado sempre. Não existem creches ou instituições capacitadas para cuidar dessas crianças. Ainda assim, Recife, por mais precário que seja, está na frente de outras cidades e estados. No Sertão a situação das mães e dessas crianças é muito pior”, comenta.

A pesquisadora Soraya Fleische, do departamento de Antropologia da UnB, observa que a epidemia de zika acabou sendo atropelada pelos acontecimentos políticos do País, e, com isso, a mídia foi saindo de campo. “E com esses cortes, sabe-se lá até quando os pesquisadores poderão continuar olhando para esse problema”, alerta.

Fleische trabalha em Recife com mães de crianças com síndrome congênita do zika, e vivenciou as dificuldades dessas mulheres, desde andar pela cidade com as crianças e toda a bagagem que elas necessitam, até as frustrações com serviços de saúde mal organizados, a falta de informação e as dúvidas constantes. Segundo ela, a epidemia de zika traz milhares de discussões, de cidadania, de direito reprodutivo, feminismo, educação, patrimônio, etc., que demandam um olhar e uma assistência mais global para a saúde, para além do tratamento da doença. “Ela traz a necessidade de pensar a saúde por diferentes perspectivas”, afirma.

Daniela Klebis – Jornal da Ciência