A linguagem na vida – e a vida na linguagem

Em conferência realizada durante Jornada da SBPC no Dia Internacional das Mulheres, Maria Helena Moura Neves conta sua trajetória de vida dedicada aos estudos da linguagem

Maria Helena“O meu desejo aqui é que cada um dos mais jovens tenha todas as oportunidades que tive, que façam o que lhes apraz, e que façam por merecer, com gosto e empenho”. Com essa observação Maria Helena Moura Neves iniciou sua conferência “Uma trajetória de vida centrada no prazer da linguagem: motivações e inspirações, foco e trabalho”. O evento fez parte da Jornada do Dia Internacional das Mulheres, realizado de forma online em 8 de março pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Professora emérita pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), Neves lecionou a partir dos anos 1970 na atual Faculdade de Ciências e Letras do campus de Araraquara (FCLar). Hoje com 91 anos, ainda atua como docente permanente da pós-graduação em linguística e língua portuguesa e também na pós-graduação em letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Recentemente, venceu a primeira edição do prêmio Ester Sabino, criado pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo para valorizar pesquisadoras que contribuem para o desenvolvimento científico. “Desde pequena amei lidar com a linguagem. Na verdade, em qualquer época da minha vida, falar de mim acaba sendo sempre falar de linguagem”, disse.

Neves lembrou de sua “primeira escola de trabalho – ajudar a mãe que levantava antes do dia amanhecer para rachar lenha, e ainda criança pequena ajudava a catar os gravetos”. A mãe trabalhava fora, mas tinha que deixar tudo pronto para o almoço, e naquela época não tinha o fogão a gaz. Sobre o pai, a resposta era sempre “o papai trabalha fora”. Mas a Professora registra que “as memórias e trajetórias de trabalho fazem de mim o que eu sou”.

Para estudar grego precisava ler a literatura alemã. Então fez também uma licenciatura em alemão. Assim, a doutora em Letras Clássicas (Grego) é licenciada em Letras (em Português-Grego e em Alemão). “Os estudantes são meu motivo maior de trabalho”. Do alto dos seus 91 anos ainda tem 11 orientandos entre mestrandos, doutorandos e pós-doutorandos.

Uma seara masculina

Neves foi a primeira mulher no Brasil a escrever uma gramática (“Gramática de usos do português”, Editora Unesp) e também a propor uma gramática de usos, feita a partir de um banco de dados com textos que mostram como o brasileiro utiliza a gramática em sua linguagem. A pesquisadora conta que entrar em uma seara quase exclusivamente masculina foi um desafio que se orgulha de ter vencido. “Eu sou autora de manuais de gramática, e não apenas gramática, mas de uma gramática feita a partir de um princípio científico muito forte onde você tem que descrever a língua como ela é usada”, afirma. “Minha grande lição é: só se estuda a língua vivendo a linguagem. É a linguagem que diz como é, como pode ser e como deve ser a língua”.

“Este é um exemplo de força, coragem e luta que temos que guardar”. Com estas palavras, Espindola, lembrando o projeto para um Brasil Novo, finalizou convidando a todas e todos a mentalizarem a frase que Neves diz ter saído de sua alma naquele momento: “Como se o meu querer tivesse a força do acontecer”.

Assista aqui a conferência na íntegra.

Jornal da Ciência