“A pressão por mais recursos é fundamental”, opina Gilberto Kassab

Buscar apoio junto ao Congresso Nacional, associações, entidades e empresas privadas é a sugestão do ex-ministro de Michel Temer

Entre 12/05/2016 e 01/01/2019, o economista Gilberto Kassab ocupou a pasta da Ciência e Tecnologia. Na entrevista que segue, o ex-ministro na gestão de Michel Temer faz um balanço de sua gestão e defende que o setor público cumpra seu papel no apoio ao setor, assim como as iniciativas em parceria com a iniciativa privada.

Kassab é um dos ex-ministros consultados pelo Jornal da Ciência sobre o cenário atual do setor e estratégias de atuação. Cada um deles respondeu, por telefone ou e-mail, a três questões: Como vê a Ciência e a Tecnologia no Brasil hoje? Que estratégia sugere para a comunidade científica para atuar nesse cenário? e Que estratégia sugere para o desenvolvimento futuro?

Os oito depoimentos estão publicados na nova edição impressa do Jornal da Ciência que circula essa semana e desde terça-feira também estão no site. Leia a seguir a entrevista completa de Gilberto Kassab:

JC – Como o senhor vê a Ciência e Tecnologia no Brasil hoje?

Gilberto Kassab – Ciência e Tecnologia, bem como o investimento em Inovação, são fundamentais para o desenvolvimento do país. São transversais à sociedade, permeiam todas as atividades econômicas, impactam diretamente o crescimento, e se fazem presentes na educação, na construção de soluções em saúde, em mobilidade urbana, em tecnologias para a produtividade, em uma infinidade de outros segmentos. Durante nossa gestão no MCTIC buscamos trabalhar junto à comunidade científica em estreito diálogo, de modo a encontrar soluções conjuntas, construir políticas públicas, lutar por recursos e ampliar a consciência junto à sociedade e nos espaços de governo sobre o papel que a ciência – o conhecimento científico de uma forma geral – tem para o Brasil. Tendo isso em mente, por exemplo, reativamos o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, órgão de debate entre o MCTIC e o setor científico para a construção de políticas públicas. Acredito que essas discussões e a luta têm que se intensificar, em um cenário em que o país tenta retomar um caminho de crescimento.

Deve ser perseguida a meta de investimento da ordem de 2% do Produto Interno Bruto em ciência e tecnologia para que o país possa dar conta dos seus desafios. É preciso que o setor público cumpra seu papel para apoiar a evolução do setor, mas também que ocorram as iniciativas em parceria com a iniciativa privada, por exemplo com ações derivadas da regulamentação do Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação, que torna mais fluida a relação entre a academia e o setor empresarial. Pudemos concluir a regulamentação do Marco Legal em nossa gestão. E demos também outras contribuições, dentro de restrições orçamentárias (já que o Governo empreendia um grande ajuste fiscal), como a entrega do acelerador de partículas Sirius, em sua primeira fase, o andamento da reconstrução da base Antártica, iniciativas de apoio ao CNPq e outras ações.

Também apostamos em outras iniciativas, como o lançamento do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas e o programa “Internet para Todos”, para permitir banda larga em todo o país, o que conecta comunicações, ciência e tecnologia, traz sinergia e fará muita diferença para o desenvolvimento científico.

JC – Que estratégia sugere para a comunidade científica atuar nesse cenário de restrições orçamentárias?

GK – Penso que deve se intensificar a articulação da comunidade científica junto às instâncias de Governo, espaços presentes no MCTIC, também junto a CNPq, Finep e outras instituições ligadas ao Ministério ou ao Governo Federal. Assim como esse convencimento pode e deve ser feito pelo debate junto à sociedade, imprensa, opinião pública. A pressão por mais recursos é fundamental.

Algo que também há de ser considerado é que com o processo de fusão entre as áreas de Ciência, Tecnologia e Inovação e Comunicações – que felizmente conseguimos levar a bom termo –, os temas de pesquisa conquistaram mais atenção da opinião pública. Ou seja, é importante explorar essa sinergia entre CT&I e Comunicações para conscientizar a sociedade brasileira sobre a importância de recursos para esses setores. O papel da ciência e tecnologia pode agora ser melhor demonstrado.

Também a comunidade científica tem uma importante tarefa que é buscar apoio junto a outros públicos, como o Congresso Nacional, que é um Poder muito importante no Brasil e que tem protagonismo na definição de destinação de recursos e pode contribuir com a nossa ciência. As associações, entidades e esforços privados que buscam apoiar o desenvolvimento da pesquisa no Brasil também são essenciais e devem ser objeto de diálogo.

Lembro também iniciativa que levamos adiante durante a gestão, que foi o aporte de US$ 1,5 bilhão do Banco Interamericano de Desenvolvimento, recurso que já está sendo destinado a projetos de inovação no país – e que traz interface entre o setor privado e a pesquisa –, para dizer que propor junto ao Ministério a busca  por financiamento externo também pode ser boa iniciativa.

JC – Que estratégia sugere para o desenvolvimento futuro?

GK – Acredito que a articulação crescente da comunidade em torno de recursos a pesquisa científica no país, como já mencionado, e também a proposição de iniciativas criativas para a execução dos projetos que são prioritários, são fundamentais na medida em que o Governo seguirá empreendendo ajustes e contenções orçamentárias. Além disso, creio ser importante o acompanhamento e o pleno envolvimento com os grandes projetos do MCTIC, ações que são estruturantes para a Ciência e Tecnologia no país, projetos que são do estado brasileiro, e não de um ou outro governo, como por exemplo, o programa Sirius, e também o Reator Multipropósito Brasileiro, ou ainda a continuidade de programas de grande importância como a sequência a editais de pesquisa do CNPq, continuidade do financiamento a bolsas e projetos de pesquisa, planos de trabalho e uma série de outras iniciativas desenvolvidas no MCTIC em estreita colaboração com a comunidade científica. A ciência brasileira é de primeira qualidade, temos pesquisadores de muito gabarito, e também penso que é necessário aprofundar a divulgação do trabalho de excelência que é produzido por aqui.

Os depoimentos dos ex-ministros estão reunidos neste link.

Janes Rocha – Jornal da Ciência