As mulheres da SBPC

As sete integrantes da Diretoria revisitam suas trajetórias que as conduziram até a entidade, durante a Jornada da SBPC no Dia Internacional das Mulheres  

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As sete mulheres que integram a diretoria da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) participaram da mesa-redonda intitulada “8 mulheres e a SBPC” – Nicinha e 7 diretoras, durante a Jornada da SBPC no Dia Internacional das Mulheres, realizada no dia 8 de março de 2022. Durante a atividade, elas falaram sobre suas trajetórias e de como se envolveram com a entidade.

O presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, abriu o evento falando da necessidade do Brasil avançar na questão de gênero. “O Dia Internacional da Mulher não é um dia apenas de homenagens, mas um dia de combate e de luta. Nós não podemos esquecer que embora as mulheres constituem um pouco mais da população no Brasil e no mundo, no Congresso Brasileiro, por exemplo, elas ainda representam um pouco mais de 10% e a única mulher que esteve na Presidência da República foi afastada. Portanto, esse é um dia de ressaltar o trabalho de todas as mulheres, inclusive das que compõem a Diretoria da SBPC”, comenta.

A socióloga Fernanda Sobral, vice-presidente da entidade e professora emérita da Universidade de Brasília (UnB), lembrou das mulheres que a apoiaram e, de certa forma, a levaram à SBPC. “Devo minha formação no mestrado e doutorado a duas professoras da UnB, que eram mulheres competentes, de perfis fortes, mas diferentes: Bárbara Freitag, no mestrado, e Vilma Figueiredo, no doutorado. Talvez devido à essas influências, minha produção científica sempre se situou entre a Sociologia da Educação e Sociologia da Ciência. No Departamento de Sociologia da UnB, fui uma das professoras que ajudou a construir e consolidar a linha de pesquisa sobre educação, ciência e tecnologia, juntamente com as professoras Vilma Figueiredo, Maria Lucia Maciel e Ana Maria Fernandes, entre outros”, cita.

Diante de sua história, Sobral observa que seu trabalho sempre abordou as condições de produção de conhecimento que deveriam ser consideradas como condições cognitivas ou intrínsecas ao próprio processo de conhecimento.  “Como, por exemplo, a acumulação de conhecimento na área, a existência de um paradigma hegemônico ou de teorias em competição, e como as condições socioinstitucionais, até certo ponto, são externas ao processo“, explica.

Quanto à questão de gênero, a vice-presidente da SBPC explica que sua percepção começou a mudar nos anos 2000 ao analisar as práticas de lideranças científicas nas áreas de Agronomia, Genética e Engenharias. “Embora não trabalhasse com a questão, me impressionou a pouca presença das mulheres na liderança dessas áreas”, lembra.

Já na SBPC, Sobral afirma que nos últimos anos, teve o privilégio de transformar seu objeto de estudo em objeto de luta como conselheira e vice-presidente da SBPC. “Cheguei na entidade quando Maria Stela Grossi Porto, professora da UnB, me indicou para o Conselho pela área C. Mas a SBPC sempre esteve presente na minha vida acadêmica a partir da convivência com Vilma Figueiredo e Ana Maria Fernandes, ambas ex-vice-presidentes, e Maria Lucia Maciel, ex-secretária da entidade. As mulheres da Sociologia da UnB já faziam parte da SBPC, e pensando nesse sentido, estou dando continuidade à uma tradição”, comemora.

Claudia Linhares Sales, secretária-geral da entidade e professora titular da Universidade Federal do Ceará (UFC), afirma que sempre teve o apoio de seus pais para seguir seus sonhos. “E assim, seguimos, eu e minhas irmãs”, relembra. Graduada em 1982 na UFC, aos 20 anos, concluiu seu mestrado em Engenharia de Sistemas e Computação pela Coppe da Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1990 e o doutorado em Informatique – Recherche Operationnelle – Université de Grenoble I (Scientifique Et Medicale – Joseph Fourier), em 1996.

Linhares lembra que, de volta ao Brasil, passou pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mas retornou à Fortaleza em 1998. No ano seguinte, criou com colegas o Grupo de Redes de Computadores, Engenharia de Software e Sistemas de Mestrado e Doutorado em Ciências da Computação (Grupo ParGO – MDCC). “Em paralelo trabalhei para contribuir para o Sistema Nacional de Ciência e Inovação e cheguei a ocupar o cargo de diretora científica da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) em 2010-2011 e 2012-2014”, afirma. Ela também foi secretária regional da SBPC no Biênio 2017-2019 e membro do Comitê de Direitos Humanos da UFC (2018-2020). Atualmente é membro do Comitê de Assessoramento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), na área de Ciência da Computação e conselheira do Museu Seara da Ciência da UFC. Foi secretária da SBPC de 2019-2021.

Miriam Grossi, professora titular do Departamento de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), por sua vez, lembra que descobriu sua vocação para a antropologia aos 10 anos quando foi morar na França junto com seus pais. “Esse foi o primeiro deslocamento que me levou à antropologia por viver outra cultura. Lembro que em uma das férias viajamos para conhecer um campo de concentração na Alemanha e esse outro deslocamento me despertou para o tema da violência, dor, resistência e resiliência. Essa visita foi impactante para minha história. Lembro que sai de lá fazendo perguntas. Ou seja, devo a essa inquietação social a ideia de que as questões sociais era um campo de conhecimento”, observa.

Depois de décadas, Grossi estudou antropólogas francesas e o papel dessas mulheres na segunda Guerra Mundial. “A partir daí comecei a trabalhar sobre a violência contra as mulheres e contribui para a construção de políticas públicas, como a Lei Maria da Penha, no Brasil. Ao longo da minha vida fui professora de francês e entrei com 30 anos na UFSC na qual criei o Nigs (Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades). Por isso, tenho muita alegria de estarmos fazendo essa comemoração porque sou um pouco testemunha do desenvolvimento de como essa área de conhecimento dos estudos sobre mulheres, relação de gênero e sexualidade no Brasil se constitui e como essas questões eram totalmente marginalizadas e atacadas e hoje estão aqui no centro da questão de cientistas em todas as áreas do conhecimento”, finaliza.

Com antepassados de povos tradicionais e raizeiras, a farmacêutica Laila Salmen Espindola lembra que já na primeira aula da universidade descobriu que queria adicionar um pouco de ciência para o que tinha aprendido com sua avó. Hoje ela é graduada pela Universidade Federal de Ouro Preto (1984), mestre em Biologia Vegetal-Florestas Tropicais (1990) e doutora em Ciências da Vida, ambos pela Université de Paris VI – Pierre et Marie Curie (1995), França.

Após passar dez anos na França, Espindola voltou ao Brasil para criar seus filhos e servir seu país. Já na UnB, lembra que se uniu ao professor e pesquisador de botânica José Elias de Paula por sonhos e por acreditar no Brasil do futuro: os alunos. “Ele se foi, mas o legado ficou e continuamos trazendo as moléculas químicas de plantas do Cerrado para dentro do nosso laboratório. Em 2016 fomos agraciados com um projeto financiado pelo Ministério da Saúde para executar o Projeto ArboControl, a fim de trazer soluções para o controle do mosquito Aedes aegypti”, cita. A pesquisadora lembra que enfrentou várias situações de misoginia dentro da universidade, especialmente para implementar este projeto.

“Mesmo assim, nunca perdi meu foco em minha missão número um que era de criar meus filhos, estar presente, dar as mãos e orientar. Eu sei que viver um relacionamento, criar uma família, é um sacrifício e a arte de se afastar de nós mesmas, porque nós mulheres vamos abrindo mão e renunciando a tantas coisas e, assim, vamos nos distanciando da própria vida. Para não adoecer é preciso achar um espaço para a vida dentro de nós. Mas nunca abram a mão de seus filhos, por nada nesse mundo”, finaliza.

A família também ocupa um lugar importante na carreira de Francilene Procópio Garcia, professora e pesquisadora da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e também secretária da SBPC. Incentivada por sua mãe, entrou na universidade aos 16 anos e afirma que o desafio atual é orientar e ver o desenvolvimento de sua filha de 20 anos. “A minha caminhada sempre foi buscando transformações. Sempre soube que poderia crescer igual aos meninos. Aprendi desde cedo que não existe uma única verdade e que precisamos seguir acreditando na força transformadora da educação “, afirma. Garcia possui graduação em Ciências da Computação (1987), mestrado em Ciência da Computação (1994) e doutorado em Engenharia Elétrica (1999), todos pela Universidade Federal da Paraíba.

Segundo ela, se entrar na universidade foi o primeiro desafio, o segundo começou quando se tornou professora aos 22 anos, com uma trajetória ainda em formação, além de ser uma área com poucas mulheres. “Eu sabia que tinha um mundo a percorrer, tanto que fiz uma parte do doutorado entre 1996 a 1999 na Tsinghua University, Beijing, China. Foi uma experiência de vida fantástica para compreensão de mundo totalmente diferente do meu”, lembra.

“Num determinado momento percebi que minha trajetória acadêmica não era suficiente e encarei meu terceiro desafio: atuar como gestora”, afirma. Garcia atuou como secretária executiva de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) junto ao Governo do Estado da Paraíba (2011-2018), cumpriu mandato como presidente do Conselho Nacional de Secretários para Assuntos de Ciência Tecnologia e Inovação (Consecti), na gestão 2015-2018, e conselheira do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT), da Finep e do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) entre 2015 e 2018. Atuou também como diretora geral da Fundação Parque Tecnológico da Paraíba (2007-2016), e cumpriu mandato como presidente da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec), de 2012-2015. “Por isso, hoje é extremamente importante fazer parte da SBPC e da família da ciência”, finaliza.

A biomédica Marimélia Porcionatto, por sua vez, também contou com o incentivo da mãe para ser o que é. “Minha mãe ficou viúva jovem, mas era uma mulher batalhadora e sua única exigência para nós – para mim e meu irmão, era que estudássemos. Sendo assim, me graduei em Ciências Biomédicas pela EPM (Escola Paulista de Medicina), onde conheci a professora que se tornou uma inspiração, um modelo para mim: Helena Nader (presidente de honra da SBPC). De professora de biologia molecular a orientadora, colega de departamento, amiga e companheira de muitas batalhas nos últimos 40 anos. Fiz mestrado e doutorado em biologia molecular na EPM/Unifesp, depois mestrado em história da ciência pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), pós-doutorado em neurobiologia no DFCI da HMS, em Boston”, cita.

Ao contrário de suas colegas, a bióloga Ana Tereza Ribeiro de Vasconcelos, pesquisadora do Laboratório Nacional de Computação Cientifica (LNCC/MCTI) onde coordena o Laboratório de Bioinformática (LABINFO), afirma que na sua trajetória poucas mulheres a conduziram. “Ingenuamente eu sempre achei que eu tinha um espaço e, por isso, não conseguia enxergar que eu era a única mulher daquilo que eu conhecia”, observa.

Formada em Ciências Biológicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Vasconcelos cita que Mauro Velho de Castro Faria, que era vice-diretor do Instituto de Biologia da universidade, foi a primeira pessoa importante em sua carreira ao aceitar orientar seu trabalho de conclusão do curso.

A segunda pessoa importante na sua vida foi o professor Darcy F. de Almeida, afirma. “Ele era presidente da SBPC e trabalhava incansavelmente pela entidade e pela revista Ciência Hoje. Lembro que um dia ele apareceu no LNCC com o livro ‘Bioinformatics: research in silico (A. Danchin)’. Esse livro foi o primeiro a fazer a conjunção entre a biologia com a computação afirmando que o avanço dessa área só se daria se as duas áreas começassem a conversar. E ele (Darcy) mudou a minha vida completamente, já que por ele mudei totalmente a minha área de pesquisa. Fui uma das primeiras alunas dele a trabalhar nessa área”, afirma. “Me chamava a atenção a capacidade dele de entrar num novo mundo e incentivar outras pessoas. Foi ele quem me incentivou a criar, em 2000, o Laboratório de Bioinformática”, afirma.

Por causa da convivência com Almeida e de seu envolvimento com a SBPC, a entidade entrou paralelamente em sua vida, afirma Vasconcelos. Mas que isso mudou quando o terceiro homem importante, Marco Antonio Raupp, a fez colocar a mão na massa pela entidade. “Por causa dele fui conselheira da SBPC e de lá para cá nunca mais parei. Participei de várias comissões e representações”, finaliza.

Oitava mulher  

Trabalhando na SBPC desde 1974, a secretária executiva Eunice Personini, mais conhecida como Nicinha, revisitou sua história na instituição e ressaltou as mulheres que tiveram papeis importantes em sua vida, dentre elas, as três presidentes mulheres da SBPC – psicóloga Carolina Bori, bioquímica Glaci Zancan e a biomédica Helena Nader. Veja mais aqui.

Poema e apresentação cultural

A atividade foi encerrada com recitação de poemas de Vanderlan da S. Bolzani, professora do IQAr da Unesp, presidente da Aciesp e membro do Conselho da SBPC.

 

Soneto – Um Canto à terra natal

 

Conheço tua geografia, terra amada,

De sinuosos contornos, feito mulher amada.

Terra nada fértil, porém, por todos arada,

Para olorosos frutos colher.

 

Terra amada, de solo seco, esturricado.

Que abriga mortes lindos e sinuosos,

Onde o sol, inclemente, brilha até esvanecer!

Para ver a noite chegar, risonha e fresca.

 

Percorro teus vales profundos,

E no brilhante calor das manhãs

Descubro sempre novos mundos.

 

Peregrina nesta terra esquecida,

Haverei de encontrar lugares lindos e

Incríveis, escondidos nas tuas entranhas.

Encerrando a mesa de abertura, a cantora Indiana Nomma apresentou a música “Gracias a la vida”, de Mercedes Sosa.

Veja as atividades da parte da manhã da Jornada no canal da SBPC no YouTube.

Jornal da Ciência