Audiência pública na Câmara dos Deputados discute a situação crítica do CNPq e propõe soluções

MCTIC e CNPq admitiram não haver mais recursos para bolsas em 2019. Secretário-executivo do MCTIC prometeu que o déficit de R$ 330 milhões para cobertura das bolsas não se repetirá em 2020. Entidades científicas e parlamentares discutiram soluções emergenciais e as encaminharam ao presidente da Câmara e à líder do governo (após a audiência), que se comprometeram com uma resolução rápida para a questão

Representantes do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) confirmaram em audiência pública na Câmara dos Deputados nessa quarta-feira, 28, haver um déficit de R$ 330 milhões para a cobertura das bolsas desde o início do ano e que, sem esse acréscimo, os pagamentos serão suspensos. “A restrição que temos nas bolsas não é contingenciamento, é lei orçamentária, ou seja, para mudar isso tem que haver um projeto de lei, que tem que ser votado pelo Congresso, para um crédito suplementar”, explicou João Luiz Filgueiras de Azevedo. “Evidentemente, se não houver uma forma de recompor o orçamento, vamos parar de pagar bolsas, não posso executar um orçamento que eu não tenho”, alertou. Azevedo destacou a amplitude e a importância  do CNPq no apoio à ciência brasileira.

O secretário-executivo do MCTIC, Júlio Semeghini, prometeu não cortar bolsas, mas disse que o ministério e o CNPq estão sendo obrigados a cortar gastos em outras atividades para não prejudicar aqueles que dependem da verba para seguir com seus estudos. “Assim como o CNPq, nós no Ministério estamos fazendo uma reestruturação e cortando uma série de coisas para poder ter uma parte desses recursos e negociando com o governo uma parte para completar”, afirmou.

A solução final para complementar o orçamento do CNPq e honrar os compromissos com os bolsistas continua ainda indefinida, mas alternativas foram apontadas aos parlamentares e ao governo e, por meio do presidente da Câmara, houve a sinalização (após a audiência pública) de que será feito um PLN novo para complementar os recursos para o CNPq neste ano.

Segundo o secretário-executivo do MCTIC, se houver garantia do Congresso de reposição do orçamento do CNPq, mesmo que mais adiante, é possível fazer um “arranjo” remanejando dinheiro de outros compromissos e instituições dentro do Ministério. Para que os créditos suplementares sejam assegurados é preciso um Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN) onde o governo federal transfira para o CNPq os R$ 330 milhões faltantes. Quando o Congresso Nacional votou o PLN 4/2019, que destinava créditos para outros ministérios, as lideranças partidárias firmaram um acordo para que os recursos para as bolsas fossem equacionados pelo governo. No entanto, o acordo não foi cumprido pela equipe econômica do governo e o próprio MCTIC não está otimista de que essa operação seja feita em tempo hábil para evitar que os pagamentos sejam suspensos no próximo mês.

O MCTIC tem também centrado esforços do orçamento do próximo ano. Segundo Semeghini, o dinheiro das bolsas em 2020 ficará isolado para que não seja atingido por crises, mas não detalhou valores nem como isso será feito. “Já começamos a construir o orçamento de 2020 de maneira diferente: pelas bolsas”, declarou o secretário-executivo, prometendo que o déficit não se repetirá no novo orçamento, que deve ser enviado para o Congresso Nacional até o dia 31 de agosto.

Atenção ao CNPq e à Finep

Convocada pelos deputados Luiza Erundina e Samia Bomfim (ambas do PSOL-SP), André Figueiredo (PDT-CE), Margarida Salomão (PT-MG) e Natália Bonavides (PT-RN), a audiência pública também abriu espaço para a discussão de outras ameaças à continuidade do funcionamento do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI) como os contínuos cortes no Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e as ameaças de fechamento do CNPq e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

Em sua apresentação na audiência pública, o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu de Castro Moreira, apresentou dados apontando para o atraso do Brasil comparado aos emergentes China, Índia, Rússia, e Coreia do Sul no investimento em Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). “Vinte e cinco anos atrás estávamos mais ou menos empatados; hoje a China já disputa com os Estados Unidos em produção científica e PIB (Produto Interno Bruto). Isso aconteceu porque tiveram projetos nacionais de desenvolvimento com apoio crescente e continuado à educação à ciência tecnologia e inovação e à educação”, disse Moreira. E afirmou: “É fundamental também que se construam pontes mais efetivas da produção científica com a inovação tecnológica, e também com a inovação social, para a superação da crise econômica e a melhoria da qualidade de vida das pessoas. E o CNPq está na base disso”. Declarou que a comunidade científica está também muito preocupada com o orçamento de 2020, que pode trazer cortes adicionais nos recursos para o MCTIC e que podem comprometer ainda mais os programas de apoio à CT&I do CNPq que não só bolsas mas abarcam um leque grande como os INCTs, o Edital Universal, o apoio a eventos e publicações científicas, a feiras e olimpíadas de ciências, etc..

O presidente da SBPC também alertou para a situação dramática da Finep, cuja principal fonte orçamentária é o FNDCT, contingenciado em 90% este ano. “A Finep tem um papel fundamental no financiamento da infraestrutura da pesquisa, mas também na inovação tecnológica, na subvenção econômica”, explicou. “A redução drástica do FNDCT é crítica, inclusive para o CNPq, porque o FNDCT abastece muitos dos seus editais, por exemplo, o Universal do CNPq que é fundamental para os jovens pesquisadores”. Finalizou dizendo que é inaceitável a proposta da extinção destas agências de fomento, que circula em determinadas áreas governamentais, em particular no ME.

Futuro e independência

A audiência pública foi realizada em conjunto pelas comissões de Ciência e Tecnologia, Comunicações e Informática (CCTCI) e de Educação (CE) e contou com a participação de representantes de diversas áreas da academia e da ciência. O presidente da Academia Brasileira da Ciência (ABC), Luiz Davidovich, apontou para o caráter estratégico do investimento em CT&I. “Temos que pensar nos investimentos fundamentais que garantam ao país um futuro, com autonomia, com independência. Queremos remédios baratos para a população, enfrentamento das epidemias emergentes, energias renováveis, biotecnologia que garanta desenvolvimento sustentável em todos os biomas brasileiros.”

O ex-ministro Celso Pansera propôs que o Congresso aprove imediatamente o PL n° 5.876/16, que destina 25% do fundo social do Pré-sal para a ciência, como forma de dar segurança financeira para o setor. Também defendeu o desarquivamento do PLP n° 358/17, que impede o contingenciamento do FNDCT. Ambos os documentos permitiriam a liberação imediata de R$ 240 milhões para o governo federal, segundo Pansera. “Com esses projetos o governo poderia complementar os recursos que faltam para fechar o ano”, afirmou.

Inovação na indústria

Um dos pontos destacados pelos palestrantes da audiência pública foi a necessidade de a pesquisa científica aumentar a interação com a indústria, reforçando a inovação. Representando o setor, Gianna Cardoso Sagazio, diretora de Inovação da Confederação Nacional da Indústria (CNI), falou da relevância da CT&I para a retomada da atividade econômica e alertou para a necessidade de ampliação dos investimentos públicos. Reiterou a importância do FNDCT e do apoio do BNDES à inovação que caiu de R$ 3,6 bilhões em 2016 para apenas R$ 400 milhões em 2019, com reflexos sobre a capacidade de inovação da indústria. “O Brasil perdeu 19 posições no Índice Global de Inovação industrial (calculado pela ONU), ficando em 66º lugar entre 129 países, o que não corresponde ao país que ocupa o nono lugar entre as principais economias mundiais”, afirmou Sagazio. O representante da ASCON – Associação dos Servidores do CNPq, Roberto Muniz,  apresentou também novos dados sobre a situação crítica do CNPq, em particular na questão de pessoal. A presidente da Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), Flávia Calé, destacou o impacto que o corte das bolsas teria sobre os estudantes e lembrou que o valor das bolsas está defasado, sem correções há mais de 6 anos.

Parlamentares, de diversos partidos, também se manifestaram em defesa do CNPq e da ciência e tecnologia, ressaltando a importância para o desenvolvimento sustentável e a soberania nacional.

Continuidade do CNPq

Os participantes reforçaram a importância das agências de financiamento à pesquisa científica posicionando-se contrários a uma possível extinção do CNPq e da Finep ou fusão entre elas, que estaria sendo cogitada dentro da área econômica do governo. “A inexistência do CNPq ameaça não apenas a Ciência e Tecnologia, mas toda a formação de Recursos Humanos do país”, afirmou Adriano Correia Silva, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (Anpof). “O que está em causa é a destruição de um projeto nacional”, completou Flávia Calé da Silva, presidente da ANPG.

Janes Rocha e Mariana Mazza – Jornal da Ciência