Brasil precisa de uma política de CT&I consistente para direcionar os usos da inteligência artificial, defende presidente da SBPC

Em participação no 8º Colóquio de Bioética, Neuroética e Ética da IA, Renato Janine Ribeiro ressaltou que os debates sobre IA precisam ser levados à 5ª CNCTI; maior encontro para definição de políticas científicas nacional acontecerá no mês de junho em Brasília
Renato Janine 2. Foto Jardel Rodrigues SBPC
Foto Jardel Rodrigues SBPC

O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine Ribeiro, participou na última terça-feira (9/04) da programação do 8º Colóquio de Bioética, Neuroética e Ética da IA, na PUC Rio Grande do Sul. Em sua fala, Janine Ribeiro afirmou que o Brasil precisa definir uma estratégia nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) para que, assim, possa vislumbrar usos governamentais da IA.

Filósofo e professor da Universidade de São Paulo (USP), Janine Ribeiro dividiu suas falas em dois temas – a popularização recente das IAs, com destaque ao uso do ChatGPT na Educação e seu impacto na escrita, e as inteligências artificiais nos programas políticos.

Para o pesquisador, uma das questões nos debates sobre tecnologia é que eles partem dos problemas que surgiram, para depois vislumbrar novos usos. “Durante muito tempo, sabem qual foi considerada a grande invenção tecnológica ou a grande descoberta do século XX? A energia nuclear. E como foi a sua estreia? Matando mais de 200 mil pessoas em Hiroshima e Nagasaki. Hoje, a gente sabe que essa tecnologia também funciona no combate ao câncer, funciona como geradora de energia, mas a estreia dela foi horrível. Se nós pegarmos outras inovações, a gente tem cenários parecidos.”

No paralelo com o ChatGPT, Janine Ribeiro destacou a revolução que a ferramenta de IA tem causado na produção de conhecimento, mas que, assim como no passado, seu uso tem sido majoritariamente desvirtuado para um lado ruim.

“Numa das reuniões preparatórias para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5ª CNCTI), que debateu o papel das Ciências Humanas e das Humanidades no desenvolvimento do País, eu trouxe a seguinte questão: será que a tecnologia anda mais depressa que a nossa psiquê? Será que a gente não tem avanços tecnológicos para os quais não estamos preparados? Ou seja, quando eles chegam, a gente está como barata tonta, e acaba usando a tecnologia para o mal, no sentido bélico.”

Janine Ribeiro pontuou que o caminho não é de proibição do uso do ChatGPT, alegando que toda tecnologia será, inevitavelmente, utilizada a partir do momento em que ela for disponibilizada. Segundo o pesquisador, o problema está na instrução dos conhecimentos necessários para que ocorra um bom uso das plataformas de IA. Utilizar o ChatGPT exige conhecimentos de escrita e de revisão, para que ocorra uma visão crítica dos conteúdos que a ferramenta cria, e é no desenvolvimento destes conhecimentos que a Ciência e Política precisam olhar.

“O fato é que uma parte da escrita será dominada pelos aplicativos de inteligência artificial, e nós temos que ver como vamos lidar com isso. A questão é: como as pessoas vão aprender a escrever se é tão mais fácil pedir isso ao ChatGPT?” Daí a grande questão, segundo ele, que é como preparar a psiquê humana para as invenções tecnológicas e as descobertas científicas.

Continuando o debate no campo político, Janine Ribeiro destacou falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o tema. O governo brasileiro foi convidado pelo primeiro-ministro espanhol a desenvolver em conjunto uma inteligência artificial em nossas duas línguas nativas, a fim de evitar o uso massivo de IAs americanas. Com essa proposta, Lula solicitou à ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, que levantasse alternativas para viabilizar essa ideia. “É importante esse tipo de política pública, para que o Brasil não seja apenas um espectador daquilo que se desenvolve nos Estados Unidos, na Europa e na China.”

O presidente da SBPC ressaltou ainda a importância de os debates sobre inteligência artificial, e da atuação do Brasil nessa área, serem incluídos na 5ª CNCTI, que acontecerá nos dias 4, 5 e 6 de junho em Brasília. O evento tem como objetivo definir a estratégia de política científica do País a ser implementada no período de 2024 a 2030.

“O Brasil tem que selecionar as áreas onde ele quer ser protagonista. Em quais temáticas o País pode ser o melhor do mundo? Biodiversidade amazônica e de outros biomas, energias alternativas e relações humanas são alguns temas. Pelo tamanho do Brasil, não dá para ser o protagonista em tudo, mas nas outras áreas o País deve, pelo menos, acompanhar os debates internacionais. A questão sobre inteligência artificial é que, hoje, o Brasil não define os fins para o seu uso, os objetivos, e isso é crucial.”

Janine Ribeiro concluiu que a questão da inteligência artificial é, acima de tudo, uma política científica. “O Brasil tem que pensar alto. O Presidente Lula não quer um projeto parrudo apenas de inteligência artificial, ele quer um projeto parrudo de Ciência”, concluiu.

Rafael Revadam – Jornal da Ciência