Câmara derruba vetos que bloqueavam recursos do FNDCT

Decisão foi quase unânime e significa vitória da mobilização e luta da comunidade científica. Próximo passo é recuperar recursos cortados do orçamento da CT&I

Por acordo entre as lideranças, o Congresso Nacional derrubou parcialmente os vetos do Presidente da República à lei que liberava recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), principal fonte de financiamento à Ciência, Tecnologia & Inovação (CT&I) do País.

A votação realizada nessa quarta-feira (17/3) era sobre um pacote de vetos a projetos de lei aprovados anteriormente, entre eles o PLP 135/2020, que originou a Lei Complementar 177/2021 que impedia bloqueios ao FNDCT. O Senado foi unânime com 72 votos favoráveis à derrubada do veto, nenhum contra. Na Câmara foram 457 votos a favor, 18 contrários.

“É uma vitória importantíssima que dá um alento grande para todos nós”, comemorou o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu de Castro Moreira. Ele creditou a derrubada dos vetos a um trabalho intensivo, de anos e anos, para resguardar o FNDCT, transformá-lo em fundo financeiro e acabar com a reserva de contingência. E não só da SBPC, nem só da área científica, mas de várias instituições das áreas de educação, tecnologia e inovação do todo o País.

“A SBPC, junto a dezenas de entidades, teve um papel decisivo, organizando abaixo-assinados, lutando pela não extinção do FNDCT, mas o resultado positivo é também de parlamentares que perceberam a importância da CT&I, ainda mais em um momento crítico desta crise sanitária, social, econômica como este que estamos enfrentando.”

A reversão dos vetos foi, na visão dele, “fruto de união e trabalho conjunto”, o que significa a necessidade de mais atuação, presença aos debates e às ações e principalmente, para acompanhar a liberação dos recursos de acordo com as prioridades do CNPq e da Finep.

“Isso demonstra que quando os setores atuam em conjunto, a gente tem muito mais força: a nossa comunidade universitária, a comunidade cientifica, os sindicatos de trabalhadores de várias áreas, setores empresariais progressistas, etc., nós temos que estar cada vez mais unidos”, declarou.

Esta união é importante para a próxima batalha, segundo Moreira: a votação do Orçamento Geral da União, que deve entrar na pauta do Congresso a partir da semana que vem.

“Teremos uma briga intensa com o Congresso para recuperar o orçamento, porque tem coisas que o FNDCT não cobre, por exemplo, as verbas discricionárias das universidades e institutos federais, as bolsas de mestrado e doutorado que vêm do Ministério da Educação e já estão muito cortadas”, alertou. “Então, a briga agora, central para os próximos dias, será melhorar o orçamento e consolidar essa vitória importante.”

E mesmo celebrando a importante vitória, o presidente da SBPC chamou a atenção de riscos que ainda rondam o FNDCT, como a PEC 186, do auxílio emergencial, aprovada semana passada e que inclui um item destinando as reservas de todos os fundos financeiros para o pagamento da dívida pública. “A comunidade tem que acompanhar porque o tempo todo aparecem gatilhos como a PEC 186, que permite utilizar as reservas financeiras de todos esses fundos para pagar a divida pública.

“A comunidade científica tem que permanecer atenta, ativa e atuante para que a destinação do FNDCT seja de fato direcionada para as prioridades. Esta vitória foi muito importante, mas tem que ser consolidada. E isso só acontecerá quando os recursos estiverem nos laboratórios, nas bolsas de pesquisa, nos editais universais. O objetivo final é o recurso público ser usado para melhorar a ciência brasileira”, afirmou o presidente da SBPC.

Celso Pansera, coordenador executivo da Iniciativa para Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br), explicou que pelo acordo feito com o colégio de líderes partidários, o governo concordou com a derrubada do item 001 do veto 2/2021, que impedia o bloqueio dos recursos a partir do ano corrente, e o item 002, que se referia ao bloqueio sobre os valores arrecadados em 2020, permaneceu.

“Na negociação com o governo tínhamos que optar entre manter um e derrubar outro, então optamos pelo item 001, que proíbe a reserva de contingência daqui para frente, era o que representava, no longo prazo, a melhor alternativa”, declarou.

No ano passado, o governo liberou apenas cerca de 15% do valor retido na reserva de contingencia. Com a derrubada do veto, este ano deverão ser liberados 100%. O total arrecadado para o FNDCT em 2021 se aproxima de R$ 7 bilhões. Pela programação inicial do governo, cerca de R$ 5 bilhões ficariam bloqueados na reserva de contingência do Tesouro Nacional para pagamento da dívida pública e o restante seria liberado. Agora, todo o montante de cerca de R$ 7 bilhões deve ser liberado.

Covid-19 e vacina

Para o presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich, a liberação dos recursos do fundo será fundamental para acelerar o desenvolvimento da vacina brasileira contra a covid-19. “O FNDCT pode fornecer recursos para essas vacinas brasileiras, e isso é muito importante para a saúde da população”, declarou.

Segundo Davidovich, só para o combate à covid-19 são necessárias verbas para diversos editais de fomento a pesquisas na área, além de resolver dívidas pendentes do CNPq (Conselho Nacional de Pesquisas Tecnológicas) com programas aprovados no passado e não desembolsados, de forma a possibilitar a abertura de novos programas. Ele ressaltou as pesquisas de sequenciamento genômico, que buscam identificar e encontrar vacinas contra as novas cepas do coronavírus que estão surgindo no País.

“Devido ao descuido com a pandemia pelo Executivo, o Brasil não está produzindo vacinas, mas está produzindo vírus, novas cepas”, disse Davidovich. “O sequenciamento é importante para identificar essas novas cepas e o País tem pesquisadores que são autoridades nesse processo, porém é necessário intensificar as pesquisas e isso custa dinheiro”, completou.

Pansera explicou que o próximo passo é a elaboração de um plano para investimento dos recursos pelo Comitê Gestor do FNDCT. Este grupo, no entanto, está paralisado e as entidades ligadas à ICTP.br têm pressionando o governo para nomear os novos membros e convocar o conselho. “O próximo passo é reativar o conselho e executar as decisões e isso depende da boa vontade do governo de cumprir a lei”, disse o presidente da ICTP.br.

Pansera lembrou que, entre as prioridades na liberação dos recursos do FNDCT, estão novas bolsas de estudos e melhoria da infraestrutura dos laboratórios sucateados nas universidades, que sofrem há anos sem investimento, além da melhoria do portal de periódicos da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).

“Só esperamos que o governo não faça gol de mão, não aprovando os programas”, acrescentou o presidente da ICTP.br.

Os representantes da ICTP.br e da ABC também ressaltaram a importância que a iniciativa e as demais entidades tiveram para o resultado positivo da votação para a derrubada dos vetos, ampliando o escopo da mobilização e reunindo mais de 20 organizações nacionais das áreas de CT&I, de pesquisa, com apoio de instituições empresariais na área de inovação. “Dezenas de sociedades científicas garantiram mais de 130 mil assinaturas para o requerimento de apoio à derrubada dos vetos”, afirmou Pansera, e completou: “essa unidade foi importante e deve continuar no próximo período na defesa do setor”.

Janes Rocha, com informações da Agência Senado