Cerimônia de abertura da 71a Reunião Anual da SBPC tem festa folclórica e discursos críticos

O questionamento à política do governo federal para a educação e a ciência marcou os discursos na abertura do evento em Campo Grande (MS), neste domingo (21/7)
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Cerimônia de abertura da 71ª Reunião Anual

A 71ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) foi aberta oficialmente nesse domingo, 21, com um evento que reuniu o folclore da região sul mato-grossense, homenagens e discursos críticos ao momento atual do País. A solenidade foi realizada no Teatro Glauce Rocha, na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), em Campo Grande, com uma plateia de mais de 800 pessoas, além das mais de 5 mil que acompanharam a transmissão do evento ao vivo pela internet.

Em seu discurso na abertura da 71a Reunião Anual da SBPC,  o presidente a SBPC, Ildeu de Castro Moreira ressaltou a tradição do evento, ao longo das últimas sete décadas, de ser um espaço de debate dos problemas do País. “A SBPC é esse palco de liberdade onde as ideias diferentes devem ser colocadas. Ela mantém uma tradição crítica desde que foi criada, em relação a políticas públicas, a governos. E é nosso papel fazer isso. A SBPC é uma entidade civil que tem o papel de, a partir do conhecimento científico espalhado em muitas instituições e entidades científicas, apresentar comentários, críticas e sugestões construtivas de modificação do quadro em que a gente vive. Esses grandes problemas nacionais estarão abordados aqui e convido vocês todos a participarem intensamente deles”, declarou Moreira.

O presidente da SBPC levantou alguns dos problemas centrais a serem debatidos ao longo da semana da Reunião Anual, como a defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade e o papel fundamental da ciência e tecnologia para superar as imensas dificuldades por que passa o País. “A questão econômica não se resolve se cortamos recursos da ciência e tecnologia. Estamos vivendo cortes muito drásticos e embora tenha um esforço grande dentro do Ministério, não está sendo traduzido em políticas públicas concretas. O que a gente vê são cortes acentuados no orçamento e contingenciamentos de 40%. Esse é o ponto central da nossa discussão da SBPC nessa semana e que desde 2014, quando começaram os cortes de recursos para C&T, estamos, junto ao governo, ao parlamento, à sociedade, dizendo que esse é o caminho errado para o País. Este é um ponto do qual não abrimos mão”, afirmou.

A valorização da ciência, segundo o presidente da SBPC, tem estreita relação com outra questão, cujo debate também é crucial neste momento: a soberania nacional. Sobre isso, Moreira ressalta a necessidade de intensificar o diálogo com governo e parlamentares, “os representantes da população que os elegeu” e ampliar a participação pública nas deliberações sobre o uso dos recursos públicos. “Nós fizemos uma pesquisa recente com o MCTIC, que já se desdobra há várias edições, em que a maioria dos brasileiros – cerca de 70% – afirma que é importante aumentar os recursos para ciência e tecnologia, mesmo sabendo que isso significa reduzir em outras áreas”, ressaltou, citando a nova edição do estudo de percepção pública lançada oficialmente durante a Reunião Anual.

O projeto Future-se, divulgado na última semana pelo MEC, também foi citado entre os pontos relevantes que necessitam maior debate com a sociedade. “Ele traz implicações importantes para a nossa vida e, certamente, nós queremos, como está escrito nesse projeto, que os recursos financeiros para universidades sejam aumentados. Claro que queremos que os resultados e impactos desse trabalho da produção acadêmica sejam discutidos, avaliados e acompanhados. Queremos que a universidade tenha, de fato, maior autonomia. Queremos que o Marco Legal da CT&I seja implementado e que isso possibilite uma interação maior, menos burocratizada entre a universidade e instituições de pesquisa e a sociedade e os setores empresariais. Queremos tudo isso. Mas isso não pode ser feito a partir do estrangulamento das universidades públicas. Se isso for feito, será um legado muito ruim, e imagino que o MEC não tenha essa intenção. Portanto, nós estamos solicitando é que tenha mais tempo para discutir tudo isso.”

Moreira conclamou maior participação das entidades científicas, dos cientistas e dos jovens pesquisadores nos debates nacionais. “Temos que nos tornar mais ativos na participação política no sentido mais amplo do termo, que é a participação cidadã na discussão do nosso destino. É fundamental que a gente discuta, debata com os setores empresariais, com os trabalhadores, com todo o setor da sociedade brasileira, para pensar que país nós queremos. Um país mais rico, mas também um país mais generoso, com menos desigualdade. E a C&T e a educação são elementos cruciais para isso”, concluiu.

Ataques à ciência

Em um pronunciamento muito aplaudido, a presidente da Associação Brasileira de Pós-Graduação (ANPG), Flavia Calé, disse que o presidente da República, Jair Bolsonaro, elegeu os professores e estudantes como inimigos da Nação e indicou para a Educação um ministro (Abrahan Weintraub) que entende de mercado financeiro, mas desconhece a importância da educação para a coesão social e para um projeto de Nação.

“A universidade vem sendo atacada de muitas formas, pela perseguição aos seus dirigentes em função de problemas que enfrentam na administração das universidades, muitas vezes injustamente como no caso do Professor Cancellier, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, que se suicidou; e financeiramente através dos cortes orçamentários produzidos pelo governo”. Para ela, “os cortes de bolsas da Capes e do CNPq, são um crime contra a ciência”.

Ressaltando que “ciência não é gasto, é investimento”, o presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich, cobrou uma agenda nacional de desenvolvimento. “Uma política econômica não pode se resumir a uma tabela de receitas e despesas, mas tem que considerar o papel do investimento para tirar o país da recessão”, disse Davidovich, mencionando estudos que comprovam que cada dólar investido em ciência retorna, em média, oito dólares para a economia.

Em sua fala, o reitor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), Marcelo Turine, celebrou a realização do maior evento da ciência da América Latina na UFMS, com um recorde de mais de 20 mil inscrições. Turine afirmou que na sociedade do conhecimento, onde a hegemonia política e econômica é quase sempre proporcional ao grau de dependência científica e tecnológica, a ciência é ainda mais imprescindível.

“A ciência constitui para todos os cidadãos um ambiente de oportunidades, sem qualquer tipo de discriminação para garantir todos os direitos”, disse o reitor. Para Turine, a realização da 71ª reunião será um agente catalisador de profundas modificações na estrutura de marcos legais, de políticas públicas de apoio e execução de atividades de pesquisa, desenvolvimento, inovação e deve fortalecer cada dia mais uma universidade pública, gratuita, inclusiva e de qualidade”.

O reitor da UFMS reiterou que o tema da reunião – Ciência e Inovação nas fronteiras da Bioeconomia, da Diversidade e do Desenvolvimento Social – está alinhado aos objetivos do desenvolvimento sustentável. Centrado na proposta da bioeconomia como base para enfrentamento dos desafios que o país enfrenta, a reunião vai debater as diferentes vertentes dessa atividade: produção de alimentos, energia renovável, uso do potencial da biodiversidade, saúde humana e animal e manutenção dos ecossistemas sustentáveis, além das incertezas do aquecimento global.

“Apesar da crise orçamentária que temos vivido nos últimos cinco anos, estamos prontos para colaborar com todas as iniciativas para avançarmos nos grandes projetos de promoção do ser humano, no bem-estar de todas as pessoas do nosso Brasil”, concluiu Turine.

Vaias e polêmicas

Alguns políticos e representantes da iniciativa privada e do governo federal presentes no evento defenderam novas práticas para as universidades, propostas nem sempre bem recepcionadas pela plateia de estudantes e professores. O diretor superintendente do Sebrae/MS, Cláudio Jorge Mendonça, em sua fala representando todos os patrocinadores privados do evento, homenageou os “políticos que tanto fazem pelo País e que, às vezes, são incompreendidos”, gerando hostilidade dos presentes. Sua fala, no entanto, em defesa de uma maior integração entre os processos de CT&I e as empresas, especialmente as pequenas, como ponte para um maior desenvolvimento nacional teve boa acolhida. “É importante registrar a importância da ciência, mas também a da pequena empresa em participar desse conhecimento, desse desenvolvimento”, afirmou.

Representando a Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, o deputado estadual Professor Rinaldo reforçou a necessidade de ampliar os investimentos em CT&I para fortalecer o País. “Acredito que, se Monteiro Lobato existisse hoje, na sua frase imortalizada ‘um país se faz com homens e livro’, ele acrescentaria ‘ e com investimentos em ciência, tecnologia e inovação”, arrancando aplausos da plateia. O prefeito de Campo Grande, Marquinhos Trad, também foi apoiado pelos presentes ao homenagear cientistas famosos em sua fala. “Nós vamos fazer de tudo para que vocês, nessa semana, se igualem a uma Duilia de Mello; que vocês possam espalhar seu conhecimento como um Carlos Chagas, um Marcelo Gleiser, como Milton Santos”, celebrou o prefeito.

O governador de Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja, teve recepção menos amistosa, sendo vaiado pelos estudantes tão logo anunciado. Azambuja defendeu em sua fala a importância estratégica da ciência em um cenário de recessão econômica como o enfrentado pelo Brasil no momento. “O mundo globalizado impôs a todos os setores que compõem a sociedade, enormes desafios e vocês, da ciência, da tecnologia, da inovação, da criatividade, da responsabilidade, têm um papel fundamental em criar os mecanismos possíveis para a gente criar uma sociedade melhor para todos. A ciência, a tecnologia e a inovação têm um papel extraordinário nas transformações que nós estamos vivendo hoje”, declarou.

A grande polêmica da noite, no entanto, se deu na fala do Secretário de Educação Superior (SESU/MEC), Arnaldo Barbosa de Lima Júnior. Representando o ministro da Educação, Abraham Weintraub, Lima Júnior defendeu o recém-lançado plano de mudança do modelo de financiamento das universidades federais – o Future-se – e respondeu às vaias que recebeu ao ser anunciado. “Todas as vezes que tivermos vaias e aplausos no mesmo momento, isso consolida a nossa democracia e eu respeito a opinião de todos”, afirmou.

O secretário estimulou que todos os estudantes e professores participem da consulta pública do Future-se e sinalizou que o período de recebimento de contribuições pode ser estendido para além do prazo oficial de 7 de agosto. “É a partir do diálogo que nós vamos fazer um país melhor. Se vamos acreditar que teremos um país desenvolvido, a gente não tem outra saída: é por meio de investimentos de qualidade na educação brasileira. As universidades são patrimônio da sociedade brasileira”, defendeu.

Novidades no MCTIC

O ministro interino da Ciência e Tecnologia, Inovações e Comunicações, Júlio Semeghini, concordou com a necessidade premente de reforçar os investimentos no setor, especialmente em infraestrutura. “É importante que a gente recupere parte do orçamento, que durante quatro anos caiu abaixo da metade do que era quando deixei o Congresso”, declarou. “O Brasil é incrível. A gente vê uma energia aqui, a representatividade que nós vemos aqui nesse encontro anual é poucas vezes vista no Brasil. Não se tem mais visto isso em organização política, movimento nenhum. A gente vê a sociedade inteira aqui se manifestando. Eu espero que a gente saiba usar essa energia, essa integração para ajudar bastante o sonho brasileiro”, elogiou o ministro interino.

Semeghini também reforçou a necessidade de colocar o Marco Legal de CT&I em funcionamento pleno e estimular o ensino da ciência desde a educação básica, linha de ação prioritária do MCTIC neste ano. Ele contou que, em breve, o ministério inaugurará mais um instituto dedicado ao estímulo da CT&I nacional: o Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas (INPO), que deverá se alinhar com a Marinha na gestão de projetos como o Programa Antártico.

Mariana Mazza, Janes Rocha e Daniela Klebis – Jornal da Ciência