Ciência, base de tudo

Primeiras mesas da reunião temática para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação que a SBPC e a ABC promovem nesta semana destacaram a importância da pesquisa e inovação para enfrentar desafios globais
whatsapp-image-2024-03-06-at-12-50-18
Foto: ABC

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) realizam nesta semana a reunião temática “Ciência Básica na Fronteira do Conhecimento”, com discussões para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5ª CNCTI), que acontecerá em junho, em Brasília. Propondo um diálogo sobre o futuro da CT&I no País, o encontro de dois dias começou nessa terça-feira, 5 de março, na sede da ABC no Rio de Janeiro. A primeira reunião destacou a importância da pesquisa e inovação para enfrentar desafios globais e a necessidade de uma abordagem transdisciplinar como ponto fundamental para superar desafios relacionados às mudanças climáticas, à transição energética e à segurança hídrica e alimentar.

O presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, abriu o evento enfatizando a urgência de propor uma base científica rigorosa aos projetos essenciais da nossa sociedade. “A questão ambiental hoje é decisiva, diante da ameaça gigantesca de catástrofes pelo mundo, catástrofes que não se salvam com o jargão de salvar o planeta. O planeta sim, se salva sozinho, mesmo com a extinção de nossa espécie. Quem nós precisamos tratar de salvar é a humanidade. Temos aqui toda a infraestrutura de ciência, tecnologia e inovação, e é uma grande oportunidade de ouvirmos uns aos outros e desenharmos um conjunto global de ações”, disse.

Anderson Gomes, secretário-adjunto da 5ª CNCTI, apresentou um panorama da preparação para a Conferência Nacional, desde o decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em julho de 2023, até a previsão de realização de 120 atividades preparatórias por todo o País, incluindo seminários temáticos e reuniões livres. Gomes enfatizou a importância da participação social nesse processo e a necessidade de se estabelecer uma estratégia de longo prazo exequível e eficiente. “Estamos num momento em que a máquina nacional está rodando bem. Temos agora que olhar o depois: o que vamos fazer? Temos que trazer soluções para o futuro, uma estratégia para os próximos 10 anos, que deve ir além de um documento, tem que ser um plano”, enfatizou.

Vice-presidente da ABC, Jailson Bittencourt de Andrade acrescentou que a 5ª CNCTI ocorre em um momento estratégico para o País, em que os recursos do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) estão integralmente sendo disponibilizados, sem reservas de contingência, e em que o setor industrial dá sinais de interesse por uma maior aproximação com as instituições de pesquisa. “Estamos numa nova onda de esperança e com perspectivas de termos recursos, do governo e das empresas.”

Jerson Lima da Silva, presidente da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), ponderou que a ciência brasileira ainda é muito subfinanciada no Brasil e que o número de pesquisadores ativos está muito aquém se comparado com os países mais desenvolvidos. “Sabemos que o futuro é o mais importante aqui. Mas ainda temos cinco vezes menos pesquisadores por milhão de habitantes que países OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Formamos muitos doutores, mas temos dificuldades ainda de retê-los no mercado de trabalho. Deveríamos estar financiando muito mais a ciência para darmos conta dos desafios que temos, porque ainda não há outra solução para crescer: é só com a ciência”, afirmou.

A primeira mesa de terça-feira tratou da “Transição Energética e Mudanças Climáticas”. Participaram da discussão Gonçalo Amarante, professor-titular da Unicamp e referência em biotecnologia e bioenergia; Paulo Artaxo, vice-presidente da SBPC, professor-titular da USP e um dos cientistas brasileiros mais citados no mundo; e Segen Estefen, professor emérito da COPPE/UFRJ e diretor-geral do Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas (Inpo).

Os especialistas discutiram as consequências da dependência de combustíveis fósseis, os desafios e a importância da transição para energias renováveis e o papel do oceano e região costeira nacional nesse processo. Gonçalo Amarante criticou a atual abordagem da transição energética, apontou a dimensão colossal do mercado de petróleo no mundo como um grande obstáculo e como esse mercado, além de não gerar empregos, gera grandes desigualdades. Apesar do pragmatismo, o cientista também é otimista ao demonstrar que a demanda por desfossilização é uma ótima chance para o País despontar como liderança mundial. “O Brasil é pioneiro no mundo na produção de etanol. E a demanda por este combustível é gigantesca. É uma oportunidade única para o Brasil.”

Paulo Artaxo acredita que a transição energética não é uma opção: ela vai ocorrer. “A questão é como faremos essa transição – quem ganha, quem perde, como se dá esse jogo político.” E, concordando com Amarante, ele também acredita que o Brasil está em uma posição muito favorável nesse cenário. “Cerca de 84% da nossa geração de eletricidade já é renovável, nenhum lugar do mundo chega perto disso. Precisamos saber explorar isso para nosso benefício”, disse. Mas, segundo ele, a questão dos baixos investimentos no desenvolvimento sustentável dessas tecnologias ainda é um obstáculo considerável para o País.

Segen Estefen destacou o potencial energético dos oceanos e encostas, e a necessidade de um esforço nacional para explorar essa possibilidade. “Temos que estar alertas para o papel do Brasil nessa nova indústria. Se o Brasil não se preparar, se não se planejar, essa onda vai passar e nós vamos novamente ficar apenas olhando para essas tecnologias, quando o nosso papel deveria ser gerar empregos e oportunidades de trabalho nessa nova era de produção energética.”

Políticas públicas

A segunda mesa focou na segurança hídrica e alimentar. Nesse contexto, José Oswaldo Siqueira, engenheiro agrônomo e professor emérito da Universidade Federal de Lavras (UFLA), discutiu os desafios da distribuição de alimentos e a importância de políticas eficazes para combater a fome no Brasil, e criticou a atual falta de dados oficiais no País. Segundo ele, a fome é uma trajetória criada pelo homem como consequência do subdesenvolvimento, que criou uma desigualdade na produção e acesso à comida. “O Brasil, um gigante do agronegócio mundial, fez uma revolução tecnológica no campo, gerou riquezas, poupou terras e ampliou exportações, mas aumentou a fome. Mudamos de escassez para incapacidade de pagar pelo alimento.” Segundo ele, falta no País uma política social para produzir e distribuir alimentos.

Adicionalmente, José Galizia Tundisi, professor-titular aposentado da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), estabeleceu uma conexão entre os problemas de segurança hídrica e a necessidade de uma gestão integrada desses recursos, fundamentada em dados científicos objetivos e contundentes. “A governança ambiental deve se pautar em ciência. Precisamos de dados claros dos sistemas urbanos, pensar que cidades são sistemas complexos, que precisam ser tratados de forma integrada”, disse, refletindo que no Brasil nenhum município está ainda preparado para a adaptação às mudanças globais.

Prosseguindo com a série de exposições sobre qualidade e disponibilidade da água e dos alimentos, Luiz Drude de Lacerda alertou para os riscos da contaminação por mercúrio nos ecossistemas aquáticos de todo o planeta e a falta de regulação adequada no Brasil que leve em conta as mudanças ambientais, cada vez mais velozes. “Hoje a questão da saúde é muito mais ampla e passa muito pelo que a gente vem consumindo. O problema é que você não tem como controlar o que está consumindo no mundo de hoje”, observou.

A pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Maria Teresa Fernandez Piedade, concluiu o debate apontando as implicações das mudanças climáticas na biodiversidade da Amazônia. Um desses fenômenos é o chamado “Dipolo da Amazônia”, que começou a ser observado na década de 1970, caracterizado pela alternância de condições de seca e umidade em diferentes partes da bacia Amazônica. Similar ao El Niño no Sul do País, esse contraste influencia o regime de chuvas na região, alternando períodos de seca e de precipitação mais intensa.” É um dos maiores desafios atuais para as políticas públicas”, concluiu.

Assista às duas mesas neste link.

Daniela Klebis – especial para o Jornal da Ciência