“Ciência, Ética e Democracia são termos que se entrelaçam”

Em fala na Universidade Federal da Paraíba, Renato Janine Ribeiro, presidente da SBPC, defendeu que Brasil precisa de projetos sociais que visem à educação política, principalmente após o recente período de autoritarismo vivido no País

“Em nossos dias, a democracia é o único regime político ético”, afirmou o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine Ribeiro. Em fala ao auditório do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em Campina Grande, o também professor da Universidade de São Paulo (USP) e filósofo defendeu que o Brasil precisa de projetos sociais que visem à educação política, principalmente após o recente período de autoritarismo vivido no País e que ainda reverbera no cenário político.

“Ciência, Ética e Democracia são termos que se entrelaçam. São tópicos importantes, valiosos, mas que estiveram e que ainda estão sob séria ameaça. Nós passamos por quatro anos em que a Ciência foi alvejada de todas as formas que um governo poderia fazê-lo, um governo que tentou desmerecê-la, que reduziu verbas e que promoveu uma intervenção federal em várias universidades. Esse momento acabou, mas precisamos garantir que não volte.”

O presidente da SBPC destacou que houve grandes recuos de regimes com tendências ao autoritarismo em países como o Brasil e os Estados Unidos, que se recuperaram nas últimas eleições presidenciais, mas que governos com características ditatoriais seguem presentes em países como a Itália, Hungria, Polônia, Índia, Rússia e China. “Isso é extremamente preocupante e nos coloca um desafio muito grande de refletir sobre qual a percepção das sociedades sobre a democracia e a sua importância”, complementou.

Ex-ministro da Educação, Janine Ribeiro também destacou que, mesmo que isso não seja imediatamente perceptível, tudo gira em torno de um debate sobre ética. “A ética está muito associada ao respeito ao outro. Nós tivemos, nos quatro anos passados, um grande período ocupado por uma pandemia cruel. No mundo todo, que tem 8 bilhões de habitantes, morreram 7 milhões de pessoas. Isso é menos de uma pessoa a cada milhar. No Brasil, que tem 203 milhões de pessoas, deveríamos ter perdido entre 180 e 190 mil vidas seguindo essas projeções, mas perdemos 700 mil. Mais de 500 mil vidas foram perdidas acima da média mundial, justamente por uma atitude antiética, que foi a de boicotar o distanciamento físico, boicotar os cuidados de saúde, como a vacinação. E o respeito à vida alheia é um dos pontos básicos da ética.”

Para o especialista, o Brasil viveu cenários em que a ausência de políticas sociais foi um projeto político. Além do contexto pandêmico, o País retornou aos rankings do mapa da fome. “A pobreza é algo que, ao longo dos séculos de colonização, sempre esteve presente. Nós temos miséria, e isso não é por acaso. O Brasil saiu, com muito trabalho, do mapa da fome há 10 anos, mas voltou recentemente. A fome não é um resíduo que com o tempo vai sumir. Ela e a miséria são produzidas e reproduzidas, por conta de um projeto que tem 500 anos em nosso País. A fome voltou por conta de políticas sólidas de devolução do Brasil à fome, assim como a miséria.”

O presidente da SBPC afirmou que o debate e a defesa de violências é algo naturalizado nos Poderes Legislativo e Executivo do nosso País. “Por exemplo, a questão do casamento homossexual, que está sendo discutida neste momento no Congresso Federal por pessoas que não serão em nada prejudicadas se ele for permitido, e que querem proibir isso por lei, mesmo que o Supremo Tribunal Federal (STF) já tenha decidido que tal lei será inconstitucional. Aliás, uma situação similar à que acontece com o Marco Temporal, também considerado inconstitucional, mas aprovado no Legislativo. Então, o que vemos é que há uma provocação, uma vontade muito grande de excluir o outro, e isso é totalmente antiético.”

Janine Ribeiro concluiu que a ausência de consciência sobre a democracia faz com que a sociedade não reconheça os direitos humanos, algo que é aproveitado por quem ocupa os espaços de poder.

“Esses indivíduos não reconhecem os direitos que limitam o poder do Estado. Ou seja, o Executivo e o Legislativo não podem deliberar sobre coisas que afetam diretamente os direitos humanos. Por isso que a tentativa de ilegalizar o casamento homossexual e a tentativa de aprovar um marco temporal não devem prosperar, porque rumam contra a nossa Constituição. Na nossa Constituição temos algo que não havia nas constituições anteriores, com exceção a de 1934: os direitos humanos estão no começo. Nas demais constituições, os direitos humanos estavam no fim. A organização do Estado era mais importante do que os direitos, do que a finalidade ética do próprio Estado. Não se trata de uma mudança apenas formal, é uma mudança da visão de sociedade, que afirma de onde emanam os poderes, e quem por eles deve ser beneficiado.”

A palestra “Ciência, Ética e Democracia”, de Renato Janine Ribeiro, está disponível no canal do YouTube da SBPC.

Rafael Revadam – Jornal da Ciência