Comunidade avalia planos de gestão do novo presidente da Capes

Revisão dos critérios de avaliação dos programas e reajuste das bolsas de estudos são considerados prioritários

Os planos do novo presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Anderson Ribeiro Correa, foram bem recebidos pelos representantes da comunidade acadêmica e científica. Correia conduziu na última quarta-feira (13/3) a aula magna de abertura do ano letivo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), na sede da Fiocruz, no Rio de Janeiro.

A uma plateia de reitores, vice-reitores e coordenadores de programas, além de representantes de entidades científicas, como a SBPC, Correa prometeu trabalhar pelo aumento do orçamento, o que permitirá o reajuste das bolsas de estudos de pós-graduação, congeladas há mais de seis anos. Disse ainda que dará continuidade ao processo de revisão dos critérios de avaliação dos programas mantidos pelo órgão e reconheceu a importância do ensino superior para a educação básica.

O reajuste das bolsas de estudos é um ponto fundamental, na visão da presidente da Fundação Oswaldo Cruz, Nísia Trindade Lima. “Nesse momento em que se discute a ‘brain drain’ (fuga de cérebros), este é o tema que mais me preocupa: como lidar com o desafio de reter esses jovens?” questionou. A professora destacou que, paralelamente à fuga de cérebros, instituições como a Fiocruz se deparam com outro obstáculo: a intensificação das aposentadorias. “Isso nos coloca não um problema quantitativo, mas de referências, de liderança”. Segundo ela, a Fiocruz tem trabalhado uma estratégia de transmissão de conhecimento intergeracional, daí a importância de formar e reter os jovens.

Correa garantiu que dará continuidade à avaliação dos mais de quatro mil programas mantidos pela Capes, na qual pretende adotar “critérios meritocráticos”, além de parceria com a indústria. A necessidade de revisão é praticamente um consenso. “Uma das nossas grandes preocupações é com o aperfeiçoamento do sistema de avaliação”, afirmou Nísia Trindade Lima. “Há várias iniciativas já colocadas, somos partícipes desse processo, e também em pensar a preservação desse sistema que é tão importante para a Ciência, Tecnologia e Inovação”, disse a presidente da Fiocruz.

“Acho que existe um consenso de que a avaliação da Capes envelheceu”, comentou o diretor do Núcleo de Estudos Avançados do IOC, Renato Cordeiro, que defende a volta da incorporação de pesquisadores estrangeiros nos comitês de avaliação. “Rever a avaliação é um ponto importantíssimo para que os cursos de pós-graduação comecem a produzir além do paper”, disse Edson Watanabe, diretor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), unidade que coordena os programas em engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Não sei como isso será feito, mas começar a discutir é fundamental”.

Watanabe também apontou a possibilidade de revisão do sistema Qualis/Capes – que relaciona e classifica os veículos de divulgação da produção dos programas de mestrado e doutorado. “Do jeito que está hoje, o Qualis praticamente inibe a interdisciplinaridade”. Segundo o diretor da Coppe, a disparidade dos indicadores das publicações por áreas, desestimula artigos conjuntos em áreas distintas, por exemplo, um engenheiro que queira publicar junto com um biólogo.

O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu Moreira, reforçou também a importância de se rever a avaliação da Capes. “A discussão sobre a revisão da avaliação da pós-graduação já se iniciou há algum tempo e a comunidade científica, em particular a SBPC e a ABC contribuíram com sugestões e propostas. É muito importante manter, e com qualidade, a avaliação da Capes, porque ela estabelece demarcações e sinalizações para a pós-graduação e para a ciência brasileira; mas ela deve ser revista e aprimorada exatamente por isto”, afirmou.

 Ele enfatizou também a importância do reconhecimento de Correia acerca da contribuição que o ensino superior, em particular a pós-graduação, pode dar ao ensino básico. Para Moreira, a Capes da Educação Básica tem uma função muito relevante e deve ser fortalecida. Programas como o Pibid (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência) e outros da Capes já estão influenciando positivamente na melhoria da educação básica, em particular na educação em ciências, e tem potencial de fazê-lo ainda mais. “Estamos discutindo, ainda, com o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, que colocou como uma das prioridades a questão da ciência nas escolas, que é essencial a conexão dessas ações com o Ministério da Educação e a Capes, além de envolver os sistemas estaduais e municipais de educação.”

Além do reajuste das bolsas de estudos, a revisão dos programas também foi ressaltada pela diretora da Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG), Fernanda Garrides. Ela levantou um ponto da fala de Correa reconhecendo que alguns deles têm relevância e especificidades regionais, e que o engajamento regional passará a ser também um critério norteador dos processos avaliativos dos programas de pós-graduação. “Consideramos relevante ele reconhecer que alguns programas são importantes na região em que estão inseridos”. Por outro lado, Garrides se disse preocupada com a ênfase dada pelo presidente da Capes em ampliar a interação com a indústria. “Isso é extremamente importante no sentido de colocar no mercado mão de obra qualificada de mestrandos e doutorandos, tanto no processo formativo quanto após a sua titulação”, ponderou a diretora da ANPG. Mas ela disse temer conflitos entre as expectativas da indústria e a independência da produção de conhecimento científico.

Repercutindo uma preocupação específica dos profissionais da área de saúde, Renato Cordeiro, do NEA/IOC, criticou o Decreto no 9.057, de 25 de maio de 2017, que permite o credenciamento de Instituições de Educação Superior exclusivamente para oferta de cursos de graduação na modalidade à distância. Cordeiro alerta que o decreto deveria prever um tratamento diferenciado para a área da saúde na qual o ensino presencial é imprescindível. “Talvez não haja problemas na área de humanas e até exatas, mas em biomédicas, biologia, saúde e agrárias, é suicídio”. Na sua exposição, o presidente da Capes prometeu propor a revisão e até a revogação do decreto.

Janes Rocha – Jornal da Ciência

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