Comunidade científica e tecnológica se reúne com o futuro ministro Marcos Pontes – Parte III

Participantes avaliam o encontro como positivo, mas, ao mesmo tempo, esperam que as propostas apresentadas sejam, de fato, levadas em conta, uma vez que são muito grandes os entraves no cenário atual. Confira a terceira parte da reportagem do Jornal da Ciência sobre a primeira reunião da comunidade científica com o futuro ministro da CT&I

O Brasil precisa de esforços para aumentar a competitividade. Apesar das políticas criadas nos últimos anos para incentivar a inovação no País, os resultados ainda são limitados. Esta premissa foi levantada por representantes da comunidade científica e tecnológica durante o primeiro encontro com o futuro ministro de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes, no dia 6 de dezembro.  Todos consideraram o encontro promissor uma vez que ele se dispôs a ouvir sobre a área para tomar conhecimento dos entraves do setor. O encontro, que reuniu cerca de 50 pessoas, foi realizado em Brasília com a equipe de transição do governo, com o tema “Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável: Debate para o Futuro”.

Gesil Sampaio Amarante Segundo, diretor do Fórum Nacional de Gestores de Inovação e Transferência de Tecnologia (Fortec), ressaltou que o encontro serviu para que Pontes conhecesse boa parte da comunidade científica e tecnológica, órgãos que não pertencem à União, e representantes do setor privado, que atuam em prol da inovação, além de se inteirar das principais inquietações do setor.

No encontro, o diretor do Fortec reforçou a importância da produção científica para a inovação. “Coloquei alguns pontos importantes como estratégias para que o País supere as deficiências na pesquisa e inovação. Dei como exemplo a Holanda, que consegue aplicar seu conhecimento científico na sua produção agrícola. E temos espaço para crescer. Temos potencial para isso”, explica.

Ricardo Marques, presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei), disse que durante sua apresentação, apontou os três pilares importantes para o desenvolvimento do Brasil: organização estratégica; organização e articulação dos atores dos ecossistemas; e resultados.  “Citei, rapidamente, os três pilares, mas entreguei para ele um documento com 15 propostas compreendidas nesses pilares”, disse. “Precisamos colocar esses pontos em prática para que o Brasil suba no Índice Global de Inovação (IGI)”.

Quanto ao encontro, Marques diz que achou a atitude promissora. “Espero que, de fato, estes encontros possam alavancar o desenvolvimento e progresso do País, ainda mais como uma sociedade complexa. Um canal de dialogo é fundamental”, afirma.

Problemas e desafios

Ronald Shellard, presidente do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), que representou 18 institutos e Organizações Sociais (OSs), destacou em sua apresentação o papel dos institutos de pesquisa na infraestrutura de ciência do País e elencou os principais problemas das instituições. “Somos o patinhos feio do setor. Quando olhamos qualquer estatística no Brasil, observamos que temos poucos pesquisadores em relação às universidades. Na maioria dos países, há dois pesquisadores em universidades para um nos institutos. Aqui a proporção é de 12 pesquisadores em universidades para um em institutos, segundo uma estatística de 2011. Precisamos equacionar isso”, disse.

Outro problema levantado por Shellard é a necessidade de renovar o quadro de pesquisadores nos institutos. “Nós precisamos com urgência de novos pesquisadores. Sabemos que um concurso nesse momento é inviável, por isso, propomos uma alteração na legislação para a contratação de novos quadros temporários”, explica.

Já Edson Watanabe, diretor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), observou que um dos principais problemas do País é a burocracia excessiva. “É preciso desburocratizar e tornar os processos leves para assim, avançar na inovação. Existe um controle excessivo, que atrapalha o desenvolvimento dos projetos. É óbvio que é preciso ter controle, mas muito exagero atrapalha. Por isso, temos que aplicar o Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação”, explicou.

Orçamento

Mario Neto Borges, presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), apontou, durante o encontro, que a questão orçamentária é o principal entrave da agência de fomento. “Reforcei que ainda precisamos conseguir obter, junto ao Congresso Nacional, R$ 300 milhões para completar os valores equivalentes a 2017 e 2018”. Borges ressaltou ainda que o CNPq tem um papel importante na interlocução com os outros ministérios. “Mostrei que 14 ministérios que trabalham com o CNPq somam mais de R$ 150 milhões em investimento, ou seja, a instituição é uma agência de fomento que tem um papel de articulação no Planalto e que pode servir para usar a ciência, a tecnologia e a inovação como solução dos problemas brasileiros e de políticas públicas”.

Apresentando um panorama do Sistema Público de Universidades Federais, Reinaldo Centoducatte, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), também defendeu a recomposição dos orçamentos das universidades federais. “Citei ainda a importância da construção de um novo programa de expansão, pautado pela Meta 12 do Plano Nacional de Educação (PNE); a recomposição dos orçamentos das agências de fomento; o restabelecimento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação; a garantia de que os recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) não sejam contingenciados; a defesa da gratuidade do ensino nos estabelecimentos públicos; e, sobretudo, a imediata revogação da Emenda Constitucional nº 95 de 2016”. Centuducatte também entregou ao futuro ministro um documento, assinado pelos 63 reitores das universidades federais, com propostas para a pauta da Ciência e Tecnologia.

Em complemento à declaração do presidente da Andifes, Ângela Maria Paiva Cruz, reitora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), destacou o papel definitivo das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) na produção científica e tecnológica para o desenvolvimento sustentável do País. “A grande expansão das Ifes gerou oportunidades de desenvolvimento regional que não foram acompanhadas de investimentos pelo MCTIC, o que poderá acentuar as grandes assimetrias regionais, caso não seja revista a distribuição dos recursos”, disse. Ela ressaltou ainda a necessidade de intensificar a defesa da autonomia das universidades, da liberdade de expressão, de ensinar e pesquisar, previstas na Constituição de 1988, que se encontram ameaçadas no Brasil.

Avaliação

Para Marcelo Viana, diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), o encontro foi um bom começo. Durante sua apresentação, Viana fez uma breve apresentação da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep) e elencou alguns dos desafios do Impa, que é ampliar a olimpíada para o ensino fundamental e construir seu novo campus.

O diretor do Instituto Nacional do Semiárido (Insa), Salomão de Sousa Medeiros, apontou no encontro a necessidade de se criar uma agenda conjunta liderada pelo MCTIC (Ministério, Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações) para a ciência e tecnologia no Semiárido brasileiro e garantir as seguranças hídrica, alimentar, de biodiversidade e saúde. “É importante a criação dessa agenda, pois as iniciativas não estão conectadas. Cada ministério, cada instituição faz investimento em ciência e tecnologia no semiárido de forma dispersa. Também é  necessária a definição de objetivos claros e metas, além de definir uma estrutura de gestão e governança para que essa agenda possa ser cumprida e a aplicação dos recursos seja perene”, disse.

Marcelo Morales, diretor de Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde do CNPq, participou do encontro representando a Academia Nacional de Medicina e avaliou que o encontro abriu um importante canal de interlocução entre a comunidade científica e o ministro. “Sabemos que muito precisa ser feito e não será fácil, mas os primeiros passos foram dados e isso é de extrema relevância”, declarou.

Ronaldo Camargo, presidente da Finep, que também esteve presente na reunião, falou sobre a importância da financiadora continuar vinculada ao MCTIC. “Nosso objetivo é fazer uma passagem tranquila e sem percalços que possam afetar nossos programas e parceiros. Estes devem ser os objetivos de todos nós aqui na Finep: concentrar na transição e seguir em frente na contratação de novos projetos”, afirmou.

Vivian Costa, com colaboração da estagiária da SBPC, Amanda Oliveira – Jornal da Ciência