Cortes e promessas não cumpridas marcam a educação no novo governo

Exceto a liberação de recursos para as escolas “cívico-militares”, todos os segmentos do ensino perderam verbas, constatam pesquisadores

balanco-seis-meses-governo-educacaoEm seus seis meses de gestão, o presidente Jair Bolsonaro e seus ministros têm colocado o investimento em educação básica como contraponto à educação superior. No início do ano, o presidente dizia que cortaria verbas das universidades para aplicar na educação básica, uma promessa de campanha.

Mas o governo retirou recursos da educação em todos os níveis, criando um problema para os gestores em escolas e universidades, que não se resume à falta imediata de dinheiro, atingindo também o planejamento das ações, observa Eduardo Mortimer, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e conselheiro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Além disso, Bolsonaro deixou de cumprir até mesmo os compromissos assumidos por ele próprio como prioridades, disse Mortimer na quarta-feira (24/7), quando dividiu a sessão especial “Balanço das Ações em Educação do Novo Governo”, com Carlos Alexandre Netto, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), na programação da 71ª Reunião Anual da SBPC, em Campo Grande (RS).

Quando assumiu em janeiro, o novo governo encontrou um programa e um orçamento deixados pelo anterior. Em 23/1, foram anunciadas 35 metas prioritárias para os primeiros 100 dias, entre as quais a Educação era contemplada com a regulamentação do direito ao ensino domiciliar, o lançamento do programa “Alfabetização Acima de Tudo” e o “Ciência na Escola”, que deveria promover a interação entre universidades e a rede pública para o ensino de ciências. Em julho, o MEC anunciou a criação de 108 escolas “cívico-militares” até 2023.

“Nada avançou, exceto as escolas militares”, afirmou Mortimer. Em parte, a lentidão no cumprimento de promessas se deve à paralisia do MEC, que trocou de ministro em abril. “Há uma grande incerteza na ponta, pois não foi liberado dinheiro nem para os programas que estavam em andamento, nem para os novos”, disse o professor da UFMG. Há uma preocupação adicional com o programa de alfabetização, pois o Brasil ainda tem 6,8 milhões de analfabetos. “A alfabetização não foi tocada e existe uma visão ideológica que limita as metas de ensino”, concluiu Mortimer.

A situação do ensino superior é ainda mais crítica devido ao corte de recursos de custeio das universidades e institutos federais de educação, agravando um congelamento de verbas que já vinha desde a aprovação da lei do teto de gastos em 2016, explicou Carlos Alexandre Netto, da UFRGS.

Em sua apresentação, Netto fez uma análise da história recente do financiamento das universidades, apontando orçamentos decrescentes, que se somam a cortes de bolsas (6% de aproximadamente 96 mil) e realocação dos programas de apoio à internacionalização (Print).

Ainda assim, Netto disse que não é a universidade como instituição que está em risco, e sim o modelo atual de ensino superior, especialmente com o projeto Future-se, anunciado pelo MEC há duas semanas. “As universidades têm uma história como instituição de quase mil anos, atravessaram revoluções e vão continuar existindo porque as pessoas têm um impulso, uma necessidade de conhecimento, que nenhum governo vai poder conter”, disse o professor da UFRGS.

“Aparentemente o governo quer mudar o modelo de universidade pública federal do País, queremos isso? Essa universidade que eles estão indicando, é o caminho que queremos seguir? Se não é, temos que resistir”, concluiu.

Ensino privado

Na conferência “Financeirização da economia e a educação superior: o caso do Brasil”, o professor Romualdo Portela de Oliveira, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), aprofundou a análise, destacando o poder das instituições privadas na definição dos rumos do ensino superior no País.

Oliveira apresentou estatísticas apontando para o forte crescimento do número de matrículas naquelas instituições – de dois milhões no ano 2000 para 8,2 milhões em 2018 – que deram uma resposta à crescente demanda por conhecimento que não encontrou acesso no sistema público. “A demanda por Educação Superior é alta e assim permanecerá nos próximos anos” uma vez que a coorte etária de 18-24 anos tem aproximadamente 25 milhões de pessoas, avaliou.

Com o caixa reforçado, os grupos de ensino privado brasileiros e estrangeiros conquistaram forte representação no Congresso que, segundo Oliveira, não aprova nada que não seja do interesse desses grupos. Medidas que poderiam casar o interesse público com o privado, como regulação, condicionante de verbas a medidas de transparência de contas e qualidade, são bloqueadas.

Sobre o Future-se, Oliveira disse que o programa tem “muitas coisas vagas, que não permitem conhecer a proposta em detalhes”. Uma das incongruências, afirma o professor da USP, é a proposta de transferência do modelo de gestão atual das universidades para o de Organizações Sociais, com a perspectiva de recursos futuros (privados) em substituição ao sistema presente, de orçamento público. “Não vejo motivo para trocar uma estrutura de gestão existente, por outra que ainda teria que ser montada, para correr o risco de captação de recursos incertos (no mercado)”.

Janes Rocha – Jornal da Ciência