Criatividade e determinação dos futuros cientistas brasileiros dão o tom à 16ª edição da Febrace

Falta de recursos e dificuldades logísticas foram obstáculos para os participantes da feira; Roseli de Deus Lopes, organizadora do evento, relata cortes orçamentários da ordem de 50%

A cerimônia de premiação dos vencedores da 16ª edição da Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace), realizada na sexta-feira, 16 de março, no auditório do Centro de Difusão Internacional, no campus da USP, em São Paulo, foi marcada pela criatividade e superação de obstáculos pela maioria dos vencedores.

Organizado anualmente pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), a Febrace teve neste ano a submissão de 2235 projetos de estudantes dos ensinos fundamental, médio e técnico de escolas públicas e particulares de 26 estados mais o Distrito Federal. Destes, 346 foram finalistas e disputaram aproximadamente 300 premiações.

Uma das metas desde a primeira edição da feira, a participação das escolas públicas continua sendo significativa: nesta edição, representaram 70% das inscrições (municipais, estaduais ou federais). Os outros 30% são de escolas particulares ou fundações.

Grande parte desses estudantes enfrentam diversas dificuldades para participar da feira, como a falta de bolsas de iniciação científica para o desenvolvimento dos projetos, as dificuldades logísticas para ir à escola e recursos para custeio das passagens aéreas e estadia em São Paulo, onde é realizada a Febrace.

Muitos estudantes ainda ficam sem participar, mas os que conseguem chegar e mostrar o seu projeto já se sentem vitoriosos pelo intercâmbio de conhecimento proporcionado. Quando ganham prêmios, então, é um duplo sentimento de vitória, como no caso de Franciele Rodrigues Barbosa, 16 anos, estudante da Escola Estadual Ernestina Pereira Maia, de Moju, interior do Pará.

Ganhadora de dois prêmios, a jovem cientista subiu ao palco para receber a segunda premiação das mãos da organizadora-geral do evento, Roseli de Deus Lopes, professora da Poli-USP. Já sem voz, Franciele atendeu a reportagem e relatou algumas das dificuldades que a fizeram chegar ali ainda mais feliz e com vontade de fazer mais.

“Eu não tinha apoio financeiro, materiais pra fazer os procedimentos corretos, computador, celular, internet em casa, nem dinheiro para acessar em outros lugares”, enumera, “moro na periferia da cidade, a cinco quilômetros da escola, e vou andando todos os dias às 6h, chego na escola às 7h20, estudo e saio para chegar em casa quase uma hora da tarde para me alimentar porque não tem merenda na escola.”

Com as premiações, a menina ganhou 500 dólares e a oportunidade de participar de uma competição no Arizona, EUA. Chance da vida que ela atribui também a suas professoras: “Minhas professoras são minhas heroínas, elas fizeram de tudo por mim. Havia dias em que eu ia pra casa delas, almoçava, jantava, ficava até de noite, e nós não imaginávamos que chegaríamos aonde chegamos. E agora, com tudo isso, quem sabe o nosso estado vá nos ajudar e nós consigamos ir mais pra frente, porque o jovem cientista, em nossa cidade, não tem nenhum incentivo”, conta esperançosa.

Com o País em crise, a organização do evento enfrentou dificuldades orçamentárias. Roseli de Deus Lopes, que também é diretora da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), registrou os cortes para a 16ª edição: “Infelizmente, o edital do CNPq nos privou de metade dos recursos financeiros que pedimos. O número de bolsas de iniciação científica júnior também foi reduzido quase à metade. Nós entendemos a dificuldade do País, mas esse tipo de trabalho é um investimento com retorno garantido porque são jovens que não só estão investindo em suas carreiras, mas são líderes em seus municípios e vão potencializar o envolvimento de outros jovens e uma efetiva modificação da escola.”

Mesmo com as dificuldades, a professora da Poli-USP defende a continuidade e expansão da Febrace. “Esse trabalho vem sendo realizado há 16 anos consecutivos e ele não pode parar porque é um trabalho de formação de uma rede, uma comunidade de aprendizagem. Nós estamos conseguindo engajar cada vez mais jovens e mesmo quando eles saem da educação básica e seguem suas carreiras, a maioria deles reserva um percentual de tempo para fomentar isso e abrir oportunidades a outros alunos e professores. Eles seguem suas trajetórias acadêmicas e profissionais, mas o percentual dos estudantes que continuam apoiando essa causa, ajudando a melhorar suas escolas e a educação em geral, é um percentual bem alto.”

A visão de Roseli é ratificada no depoimento de Ekarinny Medeiros, da escola estadual Professor Hermógenes Nogueira da Costa, de Mossoró, no Rio Grande do Norte. A menina de 17 anos levou para casa uma premiação e também foi agraciada como o melhor projeto de seu estado. “A minha escola nunca havia participado de uma feira tão grande e ter chegado aqui, vindo da periferia, ganhar como primeiro projeto do Estado, é muito importante, é uma emoção muito grande e me dá força pra continuar sendo cientista, como engenheira de materiais.” A equipe de Ekarinny desenvolveu uma garrafa biodegradável a partir do reaproveitamento dos resíduos de cajueiros – abundantes na região.

“É esse tipo de situação que nós precisamos criar para alunos e professores.”, defende Roseli. “Mesmo que tenhamos escolas de localidades onde têm muitas dificuldades, você semeia e diz: ‘pensa num problema que é importante para você e seu município’. Mesmo que ele não conheça o assunto, se o professor der vazão à criatividade desses alunos, eles conseguem fazer coisas de altíssimo nível.”

Um dos docentes agraciados com o prêmio professor destaque relatou que descobriu a Febrace por acaso. Da área de ciências sociais, Antônio Serginaldo Bezerra, da escola estadual Monsenhor Raimundo Gurgel e da escola estadual Manoel Joaquim, também de Mossoró, não fazia parte de feiras de ciências, e aí um colega ficou doente, obrigando-o a acompanhar os estudantes finalistas na feira do Semiárido, na Universidade Federal Rural do Semiárido (Unifersa).

“Eu não queria orientar projeto nenhum. Com muitos compromissos, coisas da escola, eu achava que seria um trabalho a mais na minha vida de professor. Uma ignorância”, lembra o docente. “Até que o único projeto da nossa escola, que era orientado por um professor de química, ganhou uma credencial pra essa feira do Semiárido e ele não pôde acompanhar os alunos. O diretor pediu que eu acompanhasse os alunos e com três dias de feira eu já estava fazendo promessa aos alunos para participação em eventos futuros”, conta um professor alegre e engajado.

Homenagem

Em uma cerimônia marcada por risos, celebração e emoção, Roseli de Deus Lopes, visivelmente emocionada, tomou a palavra e convidou a plateia a refletir dois fatos que marcaram a semana passada.

Primeiro, a brutal execução da vereadora carioca Marielle Franco e de seu motorista Anderson Pedro Gomes, na quarta-feira, 14 de março. Lopes leu o manifesto de “pesar e indignação”,  divulgado pela SBPC na sexta-feira, e pediu um minuto de silêncio.

A outra homenagem foi concedida ao físico britânico Stephen Hawking, que morreu na última semana após uma história de superação e de dedicação à ciência. “Queria trazer para reflexão de vocês a sua história de superação. Graças à sua determinação e ao desenvolvimento científico e tecnológico que permitiu a esse cérebro brilhante expressar suas ideias, ele conseguiu ter uma vida longa e produtiva”, destacou. “Devemos nos inspirar em pessoas como essas, que, mesmo com limitações tão severas, conseguem ir tão longe”, concluiu.

Marcelo Rodrigues, estagiário do Jornal da Ciência