Decisões políticas devem ser baseadas na ciência, diz Alexandre Quintanilha

O cientista e deputado português apresentou a conferência “Ciência e Parlamento” nessa quinta-feira, 16, durante a Mini Reunião Anual Virtual da SBPC

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O conhecimento científico é cada vez mais necessário para a tomada de decisões políticas, afirma Alexandre Quintanilha, físico teórico, professor aposentado da Universidade do Porto e deputado da Assembleia da República, órgão legislativo de Portugal, durante sua palestra “Ciência e parlamento”, realizada nesta quinta-feira, 16 de julho. A atividade, que faz parte da Mini Reunião Anual Virtual da SBPC, foi apresentada pelo presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira.

Quintanilha nasceu em Moçambique em 1945. Formou-se em física teórica pela Universidade de Witwatersrand, em Joanesburgo, na África do Sul, em 1968. Após concluir o doutorado, em 1972, mudou-se para Berkeley, Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, e também para a pesquisa sobre fisiologia celular. No Laboratório Nacional de Lawrence Berkeley, dirigiu o Centro de Estudos Ambientais. Radicou-se em Portugal no início da década de 1990, tornou-se professor da Universidade do Porto, onde fundou o Instituto de Biologia Molecular e Celular. Segundo contou, toda sua vida foi dedicada à pesquisa. Ele entrou na vida política em 2015, quando foi eleito deputado pelo Partido Socialista nas eleições legislativas portuguesas. Foi assim, nesses últimos cinco anos como parlamentar, que pode compreender “in loco” as dificuldades enfrentadas pelos deputados na tomada de decisões.

Ele iniciou sua fala com uma reflexão sobre o tempo na ciência na política. “O conhecimento leva tempo, e não é apenas informação. Mas a política, por sua vez, muitas vezes não tem o luxo do tempo. E é aí que está o grande desafio. Por outro lado, a política apela à confiança dos cidadãos e essa confiança também leva tempo para se desenvolver. A confiança é lenta, como o conhecimento, e é frágil.”

Quintanilha explicou que o processo de conhecimento se inicia com a curiosidade inerente ao ser humano. “Começa sempre por perguntas relacionadas a nós próprios, pelo mundo em nossa volta, da maneira de como nossa fisiologia funciona, por que eu gosto de alguns autores e não gosto de outros?”, exemplifica. “Muitas narrativas que conhecemos como comunismo, socialismo, existencialismo, neoliberalismo, são maneiras de dar respostas às perguntas que fizemos. Também somos influenciados pelas pessoas que nos cercam. Todos nós temos meia dúzia de livros e filmes, por exemplo, que fizeram com que nós alterássemos a forma de olhar para o mundo e para nós próprios. E as respostas que procuramos podem levar muito tempo, como também podem surgir relativamente rápido.”

Segundo ele, atualmente, as democracias estão fragilizadas por duas razões: a primeira porque as sociedades enfrentam problemas complexos, cujas respostas não são simples e requerem, muitas vezes, conhecimentos aprofundados. O segundo problema é que existem atualmente vários grupos diferentes de gêneros, políticos, sociais, movimentos, que fazem com que haja uma fragmentação das preocupações da sociedade. “O que um tem é a custo do que o outro não tem”, disse. “E isso cria uma fragmentação das preocupações, o que gera uma competição severa entre os diferentes grupos. Não é fácil resolver isso, mas precisamos fazer com que os nossos cidadãos tenham consciência desses desafios. Não podemos desistir, porque não acho que haja outra solução”, explica.

Para tentar resolver este problema e aproximar os deputados dos cientistas e até mesmo explicar à população como a política funciona, Quintanilha contou que em Portugal, o Parlamento conta com alguns projetos com esses objetivos. Um deles é a promoção do “Café de Ciência no Parlamento”, debates promovidos entre pesquisadores, membros da Assembleia da República e empresários. “Nessa atividade, trazemos pesquisadores de várias áreas do conhecimento para explicar um determinado assunto, e quanto mais interdisciplinar, melhor. O grande desafio aqui é fazer com que os pesquisadores passem seus conhecimentos de forma clara e simples”, disse.

Outro projeto é mais focado em envolver os jovens. A casa escolhe um tema e lança um desafio para que alunos – do ensino primário e secundário – discutam e sugiram soluções. Cada escola trabalha em grupo no tema e oferece propostas de soluções para o problema. “Esse processo tem quase 20 anos e atrai inúmeras escolas. No ano passado, o tema foi em relação às mudanças climáticas e tivemos a adesão de quase mil escolas”, afirma. Segundo o deputado, os professores recebem informações sobre como o Parlamento funciona e depois das competições entre escolas, os melhores grupos participam de uma sessão semelhante às oficiais da Assembleia, para apresentarem suas propostas aos deputados. “Confesso que é uma das experiências mais positivas. Nós ficamos deslumbrados com a maturidade das perguntas feitas. E a gente percebe que esses jovens trabalharam para entender as leis.”

Convidados

Os deputados federais Margarida Salomão (PT/MG) e João H. Campos (PSB/PE) participaram da atividade com comentários sobre suas experiências no Congresso Nacional e questões ao deputado Quintanilha.

Salomão pontuou que, nesse momento, o mundo vive uma profunda crise de confiança dos cidadãos, que está levando à erosão das instituições democráticas e patrocínio de governos autoritários. A deputada ligou esse cenário à situação nacional de crise sanitária, e lamentou a falta de articulação do governo brasileiro com as instituições científicas. “Estamos chegando a 75 mil mortes no Brasil, como se estivéssemos em uma guerra. E os cientistas, epidemiologistas, dizem que muitas dessas mortes poderiam ter sido evitadas se tivessem sido adotadas posições recomendadas pela ciência, pelas organizações internacionais.”

Campos, por sua vez, falou sobre o papel da ciência para o desenvolvimento e fortalecimento de um Estado. “A nova fronteira do conhecimento de uma nação não passa pelo poderio bélico, mas quanto ele tem de conhecimento. Atualmente, o país que conseguir – de maneira mais rápida – entregar uma vacina ou um medicamento para o enfrentamento do novo coronavírus terá sua fronteira consolidada por séculos à frente. O conhecimento vai pautar a soberania das nações. E, infelizmente, estamos vendo o Brasil na contramão de tudo isso, com um presidente que trata as universidades públicas como inimigas. O Brasil está completamente oposto a um país que olha para o futuro”, concluiu.

A atividade foi encerrada com a transmissão do vídeo que reúne depoimentos de parlamentares  em homenagem o Dia Nacional da Ciência e ao aniversário de fundação da SBPC, celebrados em 8 de julho.

Veja a conferência aqui na íntegra.

Vivian Costa – Jornal da Ciência