Desigualdade e pobreza impulsionam covid-19 na América Latina

Em encontro virtual promovido pela SBPC, cientistas de seis países latino-americanos relataram a evolução da doença e as medidas tomadas para contê-la

24-09-2020-interciencia3

A pobreza e a desigualdade elevadas ampliaram o impacto da pandemia da covid-19 na América Latina, constataram nesta quinta-feira (24/9) representantes da Associação Interciência, organização internacional que reúne entidades de todo o continente americano.

Organizado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela Associação Interciência, o painel virtual teve como tema “A Situação da Pandemia da Covid-19 na América”. O painel reuniu cientistas e acadêmicos ligados à área da saúde de seis países e foi transmitido pelo canal da SBPC no YouTube.

Participaram Jorge Aliaga, da Universidad Nacional de Hurlingham, na Argentina; Roger Carvajal Saravia, do Comitê Científico sobre Covid-19 do Ministério da Saúde da Bolívia; César Victora, da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL); Gabriela Delgado, da Universidade Nacional da Colômbia; Jorge Motta, do Instituto Conmemorativo Gorgas de Estudios de la Salud, no Panamá; e José Félix Oletta, da Universidad Central de Venezuela.

A abertura ficou a cargo da professora Ana Teresa Vasconcelos, vice-presidente da Interciência e representante da SBPC nessa associação. O presidente Ildeu de Castro Moreira mediou o debate, que foi seguido de perguntas da audiência.

Segundo as estatísticas da Organização Mundial de Saúde (OMS), até ontem o número de casos confirmados da covid-19 nas Américas totalizava 15,987 milhões, representando pouco menos da metade dos casos confirmados no mundo. Os Estados Unidos, com 6,8 milhões, e o Brasil, com 4,6 milhões de infectados, concentram mais de 70% dos casos na região.

Argentina

Jorge Aliaga, professor da Universidad Nacional de Hurlingham e subsecretário do Ministério da Ciência e Tecnologia da Argentina, fez um amplo relato da evolução dos casos e das medidas de contenção da covid-19 em seu país. Com um isolamento rigoroso adotado já em 15 de março, a escalada rápida dos casos foi contida.

“O que se conseguiu foi interromper a trajetória potencial de alta, de menos de 3 mil casos no fim de março ameaçando ir a 100 mil; houve uma queda abrupta do número de casos em abril, aumentando (ao longo dos meses seguintes) à medida que aumentava a circulação das pessoas”, afirmou.

Segundo ele, o governo argentino lançou vários programas de apoio emergencial a trabalhadores ativos e desempregados e empresas, gastando o equivalente a 6,6% do Produto Interno Bruto (PIB) em diversos tipos de auxílios para compensar a paralisação forçada pela pandemia.

A Argentina acumula 664 mil casos confirmados e 14.376 mortes por covid-19, segundo dados da OMS, até 24/9. A situação atual, segundo Aliaga, é que os casos continuam aumentando na capital e no interior e, embora a maior parte dos óbitos seja de idosos acima de 60 anos, a maior incidência está entre pessoas de 35 a 45 anos.

Bolívia

Roger Carvajal Saravia, do Comitê Científico sobre covid-19 do Ministério da Saúde da Bolívia, disse que a desigualdade social e econômica do país ficou exposta com a pandemia, apesar dos investimentos em saúde feitos pelo governo anterior.

“Ficou clara a relação direta entre covid e pobreza”, comentou. Segundo ele, a pandemia encontrou o país com hospitais disponíveis, mas sem equipamentos e profissionais suficientes. “Não há um sistema de saúde”, criticou, acrescentando que, diante da falta de recursos e medicamentos, a população (em sua maioria indígena) recorreu à medicina tradicional.

De acordo com a OMS, até essa quinta-feira, a Bolívia tinha 131.990 casos confirmados e 7.731 óbitos.

Brasil

O infectologista César Victora, professor emérito da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), fez um relato sobre a situação no Brasil que, de acordo com a OMS, tinha 4,625 milhões de casos confirmados e 138.977 óbitos até dia 24/9.

Victora foi o idealizador e coordenador da pesquisa Epicovid, o mais amplo levantamento de campo sobre a incidência de covid-19 no mundo até o momento e fez um relato sobre como foi realizado o estudo em suas três etapas. Segundo ele, o peso da pobreza no avanço da pandemia ficou nítido na pesquisa, com a prevalência da doença entre os pobres superando em mais que o dobro a dos ricos, evidenciando condições desfavoráveis, como excesso de pessoas vivendo na mesma casa e falta de estrutura para higiene.

Na opinião dele, porém, o maior problema que o Brasil enfrenta é a postura do Governo Federal. “Não há ação, o presidente está sempre fazendo propaganda de medicamentos, não usa máscara e o mais crítico é que ainda não temos vacina, mas já há uma campanha contra”, afirmou.

Colômbia

Pelo relato da bacteriologista Lucy Gabriela Delgado Murcia, professora da Universidade Nacional da Colômbia, membro da Academia Colombiana de Ciências, a gestão da pandemia envolveu vários atores da sociedade civil – governo, profissionais de saúde, seguradoras, prestadores de serviços e cidadãos.

Segundo a OMS, até dia 24/9, a Colômbia teve 784.268 casos confirmados e 24.746 mortes. Murcia, que é assessora da secretaria de Saúde de Bogotá, conta que capital foi a que registrou o maior número de casos devido ao fato de ter recebido um maior número de pessoas infectadas vindas do exterior.

Porém, pela divisão geográfica e distrital da cidade, a prefeitura optou por uma estratégia de isolamentos seletivos e micro confinamentos em determinados setores, confiando na transparência dos dados oficiais.

“Temos um desafio científico que é selecionar a melhor vacina contra a covid-19”, afirmou Murcia. Segundo ela, o país analisa cuidadosamente as vacinas disponíveis e discute a possibilidade de ampliar investimentos em fábricas, empresas e indústrias de medicamentos biotecnológicos para abastecimento local.

Panamá

O ex-secretário de Ciência e Tecnologia do Panamá, Jorge Motta, do Instituto Conmemorativo Gorgas de Estudios de la Salud, afirmou que a covid-19 foi o problema mais complexo que seu país já enfrentou. “Em sete meses, ficou claro que (a pandemia) era um problema não só médico e biológico, mas social, econômico e político”, comentou.

Segundo ele, a falta de testes foi, desde o princípio, a grande debilidade deste país de quatro milhões de habitantes para debelar o avanço da covid. Apesar do sistema de saúde ter capacidade para atender à população, o rastreamento de casos foi insuficiente, o governo demorou a administrar os impactos econômicos e foi criticado pela falta de liderança e de transparência na compra de insumos e na construção de hospital de campo. Segundo a OMS, o Panamá tem 107.990 casos confirmados e 2.291 mortes.

Venezuela

De acordo com o relato de José Félix Oletta, da Universidade Central da Venezuela, integrante da ONG Aliança Venezuelana pela Saúde, a pandemia do novo coronavírus agravou um quadro de emergência política e econômica que se aprofundou nos últimos cinco anos.

“Para nós, a pandemia foi uma emergência a mais”, afirmou Oletta, lembrando que o país carece não apenas de estrutura de saúde, mas também do básico como alimentos, água potável e eletricidade. Os dados oficiais – que são os fornecidos à OMS – apontam que a Venezuela tinha, até dia 24/9, um total de 69.439 casos confirmados e 574 óbitos.

Mas Oletta deixou claro que não confia nos números fornecidos pelo governo que, para ele, “carecem de credibilidade”. “No nosso caso, a pandemia tardou a aparecer, mas está em crescimento exponencial”, declarou.

Ao final do painel, perguntados pelo presidente da SBPC como os cientistas poderiam cooperar para o combate da pandemia na região, todos indicaram que a maior troca de informações é a melhor forma de colaboração.

Assista ao painel na íntegra, no canal da SBPC no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=s2k6tHosU7Q&ab_channel=SBPCnet

A próxima reunião da Interciência será dia 22 de outubro, acompanhe.

Jornal da Ciência