Desmatamentos ameaçam a biodiversidade

Em painel da Associação Interciência, cientistas apontaram a necessidade de avançar no cálculo do valor do capital natural e identificar as responsabilidades pelos danos

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A escalada de desmatamento das florestas úmidas e secas por pressão das atividades econômicas, especialmente agricultura e pecuária, está levando à destruição de uma biodiversidade muito pouco conhecida e que poderia contribuir mais com o desenvolvimento dos países se fosse melhor preservada.

O alerta é dos especialistas que participaram do painel “Desmatamento”, promovido pela Associação Interciência, organização internacional que reúne sociedades científicas de todo o continente Americano. Realizado dia 27 de maio, o painel foi o segundo de uma série de discussões sobre como o meio ambiente pode ser protegido e, ao mesmo tempo, permitir que a região se desenvolva economicamente.

Com moderação do presidente da entidade, o engenheiro Augusto Sanchez Valle, da Asociación Boliviana para el Avance de la Ciencia y Tecnologia, o evento virtual contou com a participação de Esteban Jobbagy, da Universidad Nacional de San Luis/Connicet, da Argentina; Carlos Nobre, do Centro de Ciências do Sistema Terrestre (CCST/Inpe), do Brasil; Arturo Sánchez-Azofeifa, da University of Alberta, do Canadá, e Patricia Balvanera, da Universidad Nacional Autónoma do México. A apresentação foi de Ana Tereza Ribeiro de Vasconcelos, pesquisadora no Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC) do Rio de Janeiro e vice-presidente da Interciência.

Carlos Nobre relatou sobre o avanço preocupante do desmatamento nos principais biomas brasileiros, em especial a floresta amazônica. Ele afirmou que 95% dos desmatamentos na Amazônia são ilegais, com o crime organizado no controle da expansão da fronteira agrícola e que a situação do Pantanal também é preocupante. “Tivemos um ano de seca em 2019, uma mega seca em 2020, 35% do Pantanal se incendiou, estima-se que dezenas de milhões de animais foram mortos”, descreveu.

Um dos mais reconhecidos e respeitados climatologistas do mundo, Nobre defendeu o retrocesso de áreas cultivadas nas regiões de floresta, cerrado e pântano brasileiros, e maior investimento em produtividade da área plantada. “O Brasil é um grande produtor e exportador de carne, de soja, mas a produtividade da soja – que é a cultura agrícola de maior produtividade média no Brasil – é muito inferior à da soja da Argentina e EUA.”

Segundo ele, há estudos no Brasil mostrando que poderíamos aumentar em 35% a produção de carne reduzindo em 25% as áreas de pastagens. “Não estamos nem falando em confinamento, mas em uma pequena melhoria na produtividade”, completou.

Arturo Sánchez-Azofeifa, que investiga impactos das mudanças no uso da cobertura da terra na perda de biodiversidade, observou que, em geral, o foco dos estudos sobre biodiversidade recai mais sobre animais, sem considerar insetos ou plantas que têm papel importante para o bem-estar humano. Na visão dele, é necessário avançar na quantificação do valor desse capital natural e sua contribuição para o Produto Interno Bruto (PIB) dos países, para convencer os políticos e agentes econômicos da necessidade e urgência da preservação.

“Acredito que a perda de biodiversidade em florestas primárias significa uma perda importante de capital natural dos países que as abrigam”, afirmou Sánchez-Azofeifa.

O argentino Esteban Jobbagy, pesquisador com foco em hidrologia e manejo de ecossistemas, observou que, no esforço de medir o impacto ambiental de atividades humanas, os grandes fóruns de conservação global procuram indicadores que sirvam para todos, o que pode gerar distorções em alguns segmentos importantes, como a pegada hídrica. “Não podemos quantificar da mesma maneira o litro de água utilizado para produzir trigo na Argentina, no Egito ou em outros países”, analisou.

Patricia Balvanera, pesquisadora dos vínculos entre a biodiversidade, o funcionamento e serviços dos ecossistemas, acrescentou que é preciso questionar a quem pertence a biodiversidade para atribuir responsabilidades na preservação. “As espécies pertencem ao país onde se encontram ou à humanidade?”, perguntou. Segundo ela, a resposta a esta questão faz uma grande diferença na destinação de recursos para programas de proteção, mas também para as comunidades que vivem nestes locais, muitas vezes há muitas gerações, e têm sido as hospedeiras da biodiversidade.

Assista ao debate na íntegra, no canal da SBPC no Youtube

Jornal da Ciência