EDITORIAL: O clima já mudou, e está trazendo impactos fortes em nossa sociedade

“Assim como estamos vendo toda a população mobilizada em ajudar o Rio Grande do Sul neste momento tão trágico, precisamos também nos unir para evitar que essas tragédias continuem acontecendo, e cada vez com maior frequência. O quanto antes agirmos, maiores serão nossas chances de reduzir as catástrofes previstas com as mudanças climáticas”, escrevem o presidente e o vice-presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro e Paulo Artaxo

whatsapp-image-2024-05-10-at-15-00-39As enchentes no Rio Grande do Sul são um dos impactos das mudanças climáticas feitas pelo homem. A “emergência climática” já é uma realidade. Ela se manifesta de várias maneiras, sendo uma delas o aumento da intensidade e da frequência dos eventos climáticos extremos, como enchentes e secas intensas. Estes eventos extremos estão colocando em risco a vida de muitos, como estamos presenciando nas enchentes no Rio Grande do Sul.

A cada ano, observamos novos episódios com fortes impactos. Em 2023, foi a vez da seca na Amazônia, que deixou populações isoladas, pois até rios de grande porte ficaram intransitáveis. Em 2022, mais de 100 pessoas morreram em Pernambuco em decorrência de fortes chuvas, o que foi a maior tragédia no Estado nos últimos 50 anos. Cheias na Bahia e Minas Gerais, além dos escorregamentos de terra em São Sebastião, Petrópolis e outras regiões, que ceifaram vidas. São Paulo, agora em 2024, está vivendo uma onda de calor que já dura 3 semanas.

Não há dúvidas de que esse aumento de enchentes, chuvas muito torrenciais, é definitivamente associado com as mudanças climáticas e a aceleração dessas mudanças em todo o nosso planeta. Chuvas torrenciais e ondas de calor extremo têm sido registradas em vários locais do planeta. O clima já mudou, e vai mudar ainda mais, com o aumento das emissões de gases de efeito estufa.

O Brasil precisa urgentemente colocar em prática um plano de adaptação ao novo clima. Temos que ter forte reforço nas defesas civis nos níveis municipais, estaduais e federal. Temos que ter forças tarefas prontas para atuar onde e quando for necessário, para salvar vidas e minimizar danos materiais. São brigadas organizadas e treinadas, dimensionadas para atuar em qualquer região do país, o mais rápido possível. O CEMADEN (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) deve ser reforçado e sua atuação ser mais próxima e integrada com as defesas civis. A proteção à saúde é também fundamental, com ações evitando leptospirose, cólera e outras doenças depois destas inundações. Investir na recuperação das áreas destruídas também é fundamental.

É urgente reduzir as emissões de gases de efeito estufa, para que, no futuro, a situação não se agrave ainda mais. Temos que acabar com a exploração e queima de combustíveis fósseis, colocando nossa economia em uma rota de baixo carbono. Também precisamos zerar o desmatamento na Amazônia, o mais rápido possível. Isso tem que ser alinhado com ações internacionais para que os demais países também eliminem a exploração e uso de combustíveis fósseis.

Entramos em modo de emergência climática, com um aumento de 1.5 graus Celsius até agora, quando com as atuais emissões de gases de efeito estufa, podemos aquecer o planeta em 3 graus Celsius. O alerta da Ciência não poderia ser mais claro e forte. Temos que mudar a atual rota de desenvolvimento, baseada no lucro rápido não importa o dano ambiental, para uma rota de desenvolvimento sustentável, com uma economia de baixo carbono. Investimentos em Ciência e Educação em todos os níveis ajuda em muito a sociedade a pressionar indústrias e governos na construção desta nova sociedade sustentável.

Não se pode esquecer que as autoridades locais falharam, ao não levarem em conta as advertências por parte dos cientistas e das associações ambientalistas, assim como ao revogar o Governo do Estado grande número de dispositivos que protegiam a natureza, e ao descuidar, a Prefeitura, da manutenção dos equipamentos que barrariam o avanço das águas em áreas vulneráveis. Espera-se que aprendam a lição, e tomem agora medidas para evitar novas calamidades dessa ordem.

É importante entender que, com o progresso da ciência, tornou-se possível prever desastres dessa natureza, bem como tomar medidas que evitem sua ocorrência e minorem os danos causados a todas as formas de vida. É o que esperamos, dos muitos governos que temos pelo País.

Assim como estamos vendo toda a população mobilizada em ajudar o Rio Grande do Sul neste momento tão trágico, precisamos também nos unir para evitar que essas tragédias continuem acontecendo, e cada vez com maior frequência. O quanto antes agirmos, maiores serão nossas chances de reduzir as catástrofes previstas com as mudanças climáticas.

Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC

Paulo Artaxo, vice-presidente da SBPC

 

Veja abaixo as notas do Especial da Semana – Enchentes no Rio Grande Sul

Jornal da Ciência, 10/05/2024 – SBPC divulga pontos de ajuda para afetados no temporal do RS

Jornal da Ciência, 10/05/2024 – Na contramão da ciência

Carta Capital, 09/05/2024 – Efeito borboleta

BBC Brasil, 04/05/2024 – “Tragédia no RS é responsabilidade também de senadores e deputados que desmontam legislação ambiental”, diz secretário do Observatório do Clima

Estadão, 09/05/2024 – Medidas de gestão de risco são as mais baratas, duradouras e efetivas, mas ‘não dão voto’

Valor, 03/05/2024 – País não está adaptado ao novo normal climático

O Globo, 04/05/2024 – Verba federal para combate de desastres caiu nos últimos dez anos apesar do aumento de eventos extremos

DW Brasil, 04/05/2024 – Por que o Rio Grande do Sul está tão exposto às catástrofes

O Eco, 06/05/2024 – Passado e futuro na tragédia gaúcha

Nexo – Os atingidos pelas chuvas no RS são refugiados climáticos? 

Folha de S. Paulo, 10/05/2024 – Enchentes forçam reconstrução de cidades gaúchas em outros lugares

O Globo – 09/05/2024 – Adaptação às mudanças climáticas não pode mais esperar

Folha de S. Paulo, 09/05/2024 – Falta de órgão nacional dificulta resposta do Brasil a desastres climáticos

Nexo, 07/05/2024 – A onda de mentiras que mina ações de ajuda aos gaúchos 

O Globo – 10/05/2024 – Chuvas extremas no sul do País terão aumento de 60% em 30 anos, aponta Inpe

Folha de S. Paulo, 10/05/2024 – Chuvas fortes no RS ficaram 15% mais intensas que aquelas do final do século 20, diz análise

Folha de S. Paulo, 10/05/2024 – Políticas públicas ignoram ciência no campo da mudança climática

Agência Pública, 10/05/2024 – “Temos que nos assustar para agir”, diz Suely Araújo sobre desastre no Rio Grande do Sul

Associated Press, 07/05/2024 – De inundações no Brasil e Houston ao calor brutal na Ásia, o clima extremo parece estar em quase todos os lugares

The Guardian, 08/05/2024 – Perguntamos a 380 cientistas climáticos o que eles achavam sobre o futuro