EDITORIAL: Regulação da Inteligência Artificial no Brasil e no mundo

À medida que a Inteligência Artificial (IA) avança a passos largos, assim deve seguir a regulamentação que a cerca. Na editoria especial do JC Notícia desta sexta-feira, nosso olhar se volta para o cenário global de regulamentação da IA e os passos significativos que o Brasil tem dado para se posicionar neste campo dinâmico e complexo

whatsapp-image-2024-04-19-at-14-01-04Há exato um ano, esta editoria especial propunha um debate sobre os limites da inteligência artificial. Naquele momento, questionamos se deveríamos impor limitações ao desenvolvimento da IA ou apenas nos adaptar ao que viria pela frente. Poucas semanas depois daquela publicação, o senador Rodrigo Pacheco apresentou ao Congresso Nacional o PL 2338/2023, que dispõe sobre o uso da Inteligência Artificial no Brasil.

As discussões parlamentares sobre regulação da IA no País começaram ainda em 2019, com o Projeto de Lei n° 5051, de autoria do Senador Styvenson Valentim (Podemos-RN), depois, em 2020, o deputado Eduardo Bismark (PDT-CE) apresentou o Projeto de Lei nº 21/2020, com o objetivo de estabelecer um marco legal para o desenvolvimento e uso da IA, tanto pelo setor público quanto por entidades privadas e indivíduos. A discussão sobre o tema foi, então, ganhado força, e em 2022, o Senado Federal criou uma Comissão de Juristas responsável por aprofundar o estudo sobre as propostas existentes, incluindo os PL 5051/2019, 21/2020 e outros projetos relacionados. Essa comissão promoveu, inclusive, audiências públicas com a participação de diversos setores, incluindo especialistas, representantes governamentais e da sociedade civil. Finalmente, em maio de 2023, a Comissão concluiu seus trabalhos e apresentou um relatório que deu origem ao Projeto de Lei nº 2338/2023, que está em vias de ser votado na Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial no Brasil, do Senado, devendo depois de aprovado seguir para a Câmara de Deputados.

Países ao redor do mundo têm tomado medidas proativas para regular o uso da IA, reconhecendo tanto suas potencialidades quanto seus riscos. A União Europeia, por exemplo, tem liderado com o AI Act, uma regulamentação abrangente que estabelece padrões rigorosos de proteção de dados e categorizações de risco. A China também já implementou diversas normativas, enquanto que os Estados Unidos optaram por princípios gerais através do AI Blueprint. O Reino Unido e países como o Peru, por outro lado, têm buscado harmonizar a inovação com regulamentações setoriais já existentes.

No Brasil, a criação da Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial demonstra que há uma parcela da população que compreende a seriedade do assunto, mas temos ainda uma estrada considerável a percorrer. A influência externa, particularmente da União Europeia, tem tido um peso positivo. O recente conflito do excêntrico bilionário Elon Musk, questionando a soberania do Supremo Tribunal Federal brasileiro, dá uma dimensão sobre o jogo de poderes que permeia essas normativas, e a necessidade de regras claras que protejam não apenas a privacidade e dignidade individuais, mas também as instituições democráticas das nações.

A IA, todavia, não é apenas uma questão de regulamentação, mas também de transformação social e econômica. O potencial para revolucionar setores como saúde, onde estudos mostram que a IA já supera humanos em tarefas como a identificação de origens de células cancerígenas, é imenso. Similarmente, na educação e na gestão de recursos naturais, as novas ferramentas mostram como a IA pode ser um facilitador de grande impacto. Porém, com ressalvas. A proposta do governo do Estado de São Paulo de usar o ChatGPT para preparar aulas digitais é um indicativo da urgência de estabelecer limites sobre o que é aceitável no uso, mas sem abuso, dessas inovações. As ferramentas de IA, por mais impressionantes que sejam, devem estar a serviço da sociedade, a fim de colaborar para alcançarmos o que para um humano sozinho seria muito difícil. Mas jamais podemos confundir esse auxílio com a sua substituição – ainda mais quando se trata de obliterar o impotante papel de um professor.

A regulamentação da IA não visa somente a prevenir riscos, mas também a habilitar um futuro em que a tecnologia amplie nosso potencial humano de maneira justa, segura e ética. O debate sobre a IA deve ser continuado e profundo, envolvendo todos os setores da sociedade para assegurar que o Brasil não apenas siga na carona do mundo, mas que seja um protagonista ativo na definição do futuro da Inteligência Artificial globalmente.

E não esqueçamos: o principal, agora, como foi indicado pelo presidente Lula na reunião do Conselho de Ciência e Tecnologia da Presidência da República, em março passado – do qual participei representando a SBPC – é mostrar à sociedade o que é, e para que serve, a IA. Cabe à comunidade científica, como pediu o presidente, elaborar um projeto consistente, não apenas de regulação, mas de emprego da IA para nosso desenvolvimento social e econômico. Com este Especial, colaboramos com pelo menos uma parte desta tarefa. Mãos, e cérebros, à obra!

Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC

Veja abaixo as notas do Especial da Semana – Inteligência Artificial

Agência Fapesp, 06/03/2024 – Especialistas mundiais criam documento sobre capacidades e riscos da IA

UOL, 18/04/2024 – Conselho fará consulta pública sobre regulamentação da IA no Brasil

Convergência Digital, 18/04/2024 – MCTI: regulação da IA deve evitar concentração de mercado

MCTI, 05/09/2023 – MCTI anuncia mais quatro Centros de Pesquisa em Inteligência Artificial

The Conversation, 02/04/2024 – A influência das fake news nas eleições municipais de 2024: um desafio histórico

Agência Brasil, 18/01/2024 – São Paulo vai usar IA para elaborar aulas digitais da rede pública

Porvir, 17/03/2024 – Inteligência Artificial e aprendizagem criativa: preocupações, oportunidades e escolhas

Nature, 15/04/2024 – O ChatGPT está corrompendo a revisão por pares? Palavras reveladoras sugerem o uso de IA

Agência Brasil, 17/01/2024 – Inteligência Artificial vai afetar 40% dos empregos em todo o mundo

Nature, 15/04/2024 – Inteligência Artificial agora supera os humanos em tarefas básicas – novos parâmetros de referência são necessários, diz relatório

Agência Brasil, 09/11/2023 – Cientistas veem riscos e benefícios da Inteligência Artificial

Valor, 27/10/2023 – Por que a Inteligência Artificial está afetando as relações humanas, a empatia e a solidão

Nature – IA rastreia cânceres metastáticos misteriosos até sua origem

Embrapa, 18/04/2024 – Metodologia com IA identifica espécies florestais de valor comercial

Olha Digital, 04/09/2024 – IA: amiga ou inimiga do meio ambiente?

Diplomatique, 23/02/2024 – “Deveríamos democratizar a Inteligência Artificial”