Eventos climáticos extremos estão cada vez mais presentes e governos precisam se preparar para isso, afirma vice-presidente da SBPC

Em entrevista ao podcast Flow, Paulo Artaxo destacou que em 2015 o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) já havia previsto o aumento expressivo de chuvas no Rio Grande do Sul, mas não houve ações governamentais para prevenir o cenário trágico

WhatsApp Image 2024-05-08 at 10.22.51De acordo com dados do Governo do Rio Grande do Sul, as fortes chuvas no Estado já afetaram 414 cidades. Mais de 66 mil pessoas tiveram que deixar suas casas por conta da tragédia que já causou 95 mortes e 128 desaparecimentos, até o momento. Em entrevista ao podcast Flow, o vice-presidente da SBPC, Paulo Artaxo, lamentou a situação e apontou a necessidade urgente dos governos se prepararem para o aumento da ocorrência dos eventos climáticos extremos.

“O planeta já aqueceu, em média, 1,5ºC, e a previsão é que com as emissões de gases de efeito estufa que temos hoje, ele pode vir a aquecer da ordem de 3ºC a 3,5ºC. Ou seja, o aumento de temperatura deverá ser mais do que o dobro do que foi observado até agora. Isso vai amplificar esses eventos climáticos extremos de uma maneira enorme”, alertou em entrevista realizada na última terça-feira (07/05).

Artaxo pontuou que, especificamente sobre os eventos do Rio Grande do Sul, já havia diagnósticos do CEMADEN que mostravam a chegada de fortes chuvas na região, mas esses alertas foram ignorados.

“O Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, publicado em 2015, tem um mapa do Rio Grande do Sul mostrando claramente o aumento enorme de chuvas que teríamos. Além de secas mais intensas no Nordeste e na Amazônia, o que também ocorreria no Brasil central, o que já está afetando a produtividade do agronegócio brasileiro de uma maneira importante. Tudo isso a Ciência já previu há tempos, mas faltou muita ação governamental em todos os níveis.”

Durante a entrevista, o vice-presidente da SBPC foi questionado se esses eventos climáticos não seriam tragédias naturais, já que, no caso do território gaúcho, existe um histórico de fortes chuvas na região. Artaxo respondeu que o principal impacto das mudanças climáticas é exatamente a intensificação de dos eventos extremos.

“Os eventos climáticos gigantescos, como essas chuvas torrenciais no Rio Grande do Sul, sempre aconteceram e vão continuar acontecendo no futuro. O que nós estamos fazendo com o aumento da concentração dos gases de efeito estufa e o aumento da temperatura é intensificar esses fenômenos e torná-los mais frequentes. Por exemplo, na Amazônia sempre tivemos secas intensas, só que elas aconteciam a cada 50 ou 70 anos. Recentemente, nós tivemos grandes secas na Amazônia em 2010, em 2015 e em 2023. Então, o que acontecia a cada 50 anos, está acontecendo a cada 5 ou 10 anos. Esse é o ponto. Não dá nem tempo de nos recuperarmos de um evento climático extremo e já vem outro, por isso nós temos que nos preparar de forma adequada.”

Segundo o especialista, a sociedade brasileira precisa se adaptar ao novo clima do planeta, o que exige uma melhor preparação dos municípios e estados, e das Defesas Civis em todos os níveis. É importante também que brigadas de suporte à população estejam sempre prontas para atuar quando o próximo evento climático extremo ocorrer. Coloca que é fundamental o reforço das defesas civis estaduais e municipais, coordenadas a nível federal. Além dos papéis dos estados e municípios, Artaxo também criticou o desmonte das políticas ambientais que segue ocorrendo na esfera legislativa federal:

“Os municípios e os estados estão fazendo pouco, mas também o Congresso Nacional precisa atuar mais. Não é só depois que o Rio Grande do Sul ter um desastre deste o presidente da Câmara e do Senado irem até o local e dizerem ‘olhem, nós estamos apoiando as medidas de recuperação’. Cadê o apoio na legislação ambiental nacional? Cadê os recursos financeiros? Cadê o fortalecimento dos essenciais órgãos ambientais?”, questionou.

Para o especialista, existem diversas medidas negativas que o Poder Legislativo vem realizando e que colaboram diretamente com os cenários de catástrofe climática: “Quando você analisa as ações do Congresso Nacional ao longo dos últimos anos, você vê a política ambiental sendo destruída sistematicamente, reduzindo cada vez mais os recursos de entidades como o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e de demais órgãos ambientais, além do enfraquecimento de legislações que são voltadas para proteger a população contra esses eventos climáticos extremos, como as leis dedicadas para a recuperação de mananciais, implementação do Código Florestal e de áreas de proteção ambiental. O quadro não é diferente nos legislativos estaduais, onde o aumento de áreas verdes, proteção de mananciais e de áreas de drenagem em grandes cidades é essencial.”

Artaxo concluiu que além do amparo às vítimas no Rio Grande do Sul, é necessária uma mudança radical na atuação governamental em todos os níveis. “Vivemos uma guerra contra o clima que o sistema econômico mudou, e isso é uma coisa que tem que entrar nas políticas públicas do nosso País.”

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em solidariedade às mais de 1,3 milhão de pessoas afetadas pelas severas chuvas no Rio Grande do Sul, listou alguns pontos confiáveis de doações aos que desejarem ajudar as vítimas. A entrevista com o vice-presidente da SBPC, Paulo Artaxo, está disponível na íntegra no canal do Flow Podcast no YouTube.

Rafael Revadam – Jornal da Ciência