Governo brasileiro praticou política suicida com relação à pandemia, diz Drauzio Varella

O médico apresentou nesta segunda-feira a conferência “A pandemia, a saúde dos brasileiros e o SUS”, no primeiro dia de programação científica da Mini Reunião Anual Virtual da SBPC

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Para o médico oncologista Drauzio Varella, a melhor forma possível de lutar contra a pandemia do novo coronavírus é por meio de um esforço nacional “com um isolamento rígido”, somado à realização de testagem em massa. Mas no Brasil não existiu nenhuma orientação organizada pelo Ministério da Saúde. A declaração foi feita em sua conferência “A pandemia, a saúde dos brasileiros e o SUS”, nesta segunda-feira, 13, no primeiro dia da programação científica da Mini Reunião Anual Virtual da SBPC.  A atividade foi apresentada pela presidente de honra da SBPC, Helena Nader.

“Quando o coronavírus chegou aqui não havia teste. Tínhamos um presidente da República que paralisou o Ministério da Saúde, que hoje é tocado por um militar que não tem noção de Medicina. Temos um presidente que anda sem máscara por aí. Que menosprezou o que estava acontecendo. Ficou completamente apático em relação à pandemia. Dizia que ele não tinha nada a ver com isso e praticou uma política suicida para o País”, afirma o médico. Para Varella, além de faltar uma orientação orquestrada por parte do governo, com uma estratégia de testagem, o País é também carente de uma organização do sistema de saúde para enfrentar a pandemia.

Faltou no Brasil uma mensagem clara e que fosse respeitada nos três níveis – federal, estadual e municipal – para que a população não entrasse em conflito, defendeu Varella. “Não poderia ter sido pior. Nem nos piores pesadelos nós poderíamos imaginar que tivéssemos que enfrentar essa situação. Hoje temos uma epidemia solta pelas ruas do Brasil”, lamenta.

Segundo ele, a situação dos brasileiros poderia ser ainda muito pior se não existisse o Sistema Único de Saúde (SUS). “O sanitarista Gonzalo Vecina diz uma frase que acho que é uma definição perfeita. Ele diz que ‘Sem o SUS, é a barbárie’, e eu concordo. Qualquer país civilizado precisa ter um sistema único de saúde que atenda a todos, independentemente da classe social, e que dê assistência, especialmente, àqueles que têm menos.”

Quando o SUS foi criado no Brasil, Varella já tinha mais de 20 anos de sua vida dedicados à medicina, e defende que sua implementação foi fundamental para a Saúde no País. “As pessoas não têm noção do papel do SUS. Infelizmente, a ideia que fazem é daquela passada na televisão, do Pronto Socorro lotado de gente, com corredores cheios. Mas o que falta são recursos e gestão competente para investi-los de forma que não sejam desperdiçados.”

Conforme destaca o médico, o Brasil é o único país do mundo com mais de 100 milhões de pessoas que ousou a oferecer saúde gratuita para todos, o que ele considera um grande desafio. “O SUS tem tudo para funcionar. Nós temos, por exemplo, o programa de agentes comunitários de saúde que atinge 170 milhões de brasileiros. É um dos programas de saúde mais eficientes e de maior impacto do mundo, além de ser reconhecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Mas, muitos elogiam o NHS [sistema de saúde pública do Reino Unido], mas se esquecem que a Inglaterra é um país rico e com um pouco mais de 60 milhões de habitantes, com uma população com alto nível educacional, que investe muito e que tem uma organização muito melhor”, afirma. E completa, “o NHS surgiu depois da segunda guerra mundial, ou seja, tem 80 anos. E o SUS apenas 32 anos num país continental, com uma tremenda desigualdade social. Nós deveríamos ter o maior orgulho desse sistema, porque nenhum país do mundo tem um sistema com essa abrangência e com tantas ilhas de excelência”, ressalta.

Para o médico, o que falta no Brasil é uma política pública de saúde sólida e uma menor rotatividade de quem, está à frente do Ministério da Saúde. “Sem contar com essa situação do governo atual, nos últimos dez anos, o Brasil teve 13 ministros da Saúde. Cada um ficou em média 10 meses no cargo. Quando a pessoa começa a entender o sistema, ela é trocada por necessidades políticas.”

“Acabar com o SUS, é acabar com a possibilidade de ter um país civilizado. O SUS é a expressão da solidariedade humana”, conclui.

Helena Nader, presidente de honra da SBPC, acrescentou que a população deveria se “apoderar” mais do SUS e lutar para que o sistema seja cada vez mais forte. “Se não fosse o SUS, poderia ter acontecido aqui o mesmo que ocorreu na cidade de Guayaquil”, disse ao lembrar a cidade equatoriana que sofreu com o acúmulo de corpos de vítimas do coronavírus pelas ruas.

Assista aqui à conferência na íntegra.

A Mini Reunião Anual Virtual da SBPC segue por toda a semana e mais informações podem ser obtidas acessando este link: http://ra.sbpcnet.org.br/mini-ravirtual/

Vivian Costa – Jornal da Ciência