Gaffi chega ao país para cuidar de doenças fúngicas

Pela primeira vez, o Brasil contará com um órgão específico para lidar com problemas relacionados a infecções causadas por fungos, que respondem por 1,3 milhão de mortes anuais no mundo. O Fundo de Ação Global para Infecções Fúngicas (Gaffi, na sigla em inglês) foi lançado oficialmente na última quinta-feira (18/11), no anfiteatro Leitão da Cunha da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em São Paulo. Trata-se de uma organização sem fins lucrativos, que está se instalando no Brasil, onde desenvolverá ações semelhantes às que realiza em vários outros países.

Além de comprometer milhões de vidas a cada ano, as doenças de fungos acarretam também prejuízos significativos à agricultura
 
Pela primeira vez, o Brasil contará com um órgão específico para lidar com problemas relacionados a infecções causadas por fungos, que respondem por 1,3 milhão de mortes anuais no mundo. O Fundo de Ação Global para Infecções Fúngicas (Gaffi, na sigla em inglês) foi lançado oficialmente na última quinta-feira (18/11), no anfiteatro Leitão da Cunha da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em São Paulo.
 
Encabeçado por grandes executivos europeus e pela comunidade científica,  o Gaffi é uma organização não governamental internacional  que nasce com a missão de reduzir a mortalidade provocada por infecções fúngicas no mundo. Hoje,  as doenças fúngicas são negligenciadas pelas políticas públicas mundiais.
 
Além de comprometer milhões de vidas a cada ano, como por exemplo, pequenos agricultores e moradores carentes da zona rural, as doenças fúngicas acarretam também prejuízos significativos à agricultura. Atualmente,  o número de mortes provocadas pelas infecções fúngicas supera o de tuberculose e malária, por exemplo, em torno de 500 mil anuais no mundo.
 
Com sede em Genebra, o Gaffi é composto por uma diretoria e oito conselheiros distribuídos em diferentes continentes. Nos Estados Unidos, existem dois representantes da instituição; na Europa, são três; na Austrália, Índia e na América Latina, um representante. O bloco latino é representado pelo Brasil. O órgão foi lançado neste mês em todos esses lugares, com exceção da Índia (representando a Ásia), cujo lançamento será em janeiro.
 
No Brasil, o conselheiro do órgão é o professor titular de Infectologia da Unifesp, Arnaldo Lopes Colombo. Segundo o especialista, em cada país, o Gaffi está presente em universidades ou instituições parceiras de seus respectivos conselheiros. Para ele, a representatividade do Gaffi no Brasil é “um presente” que a Unifesp recebe em seus 80 anos de história.
 
Segundo o especialista da Unifesp, o Gaffi vai “advogar” pelas doenças fúngicas, além de dar suporte ao ensino e pesquisa para o combate a essas infecções.
 
O território brasileiro foi escolhido pelo Gaffi, segundo Colombo, pela sua liderança econômica, política e cientifica na América Latina. Foi escolhido também pela dimensão do Sistema único de Saúde (SUS), igualmente da população superior a 200 milhões de habitantes, além do grande número de pacientes sob risco atendidos pelo SUS.
 
O Gaffi não possui uma unidade física nesses continentes. O que existe é uma representação intelectual, disse Colombo. Ou seja, existe um locutor que levará ao órgão o retrato “das nossas prioridades” epidemiológicas e traduzirá “as nossas dificuldades” de trabalhar o diagnóstico precoce da população, na tentativa do trabalho gerar ações “compatíveis com a nossa” realidade.
 
Ao traçar um panorama sobre o atendimento médico a essas doenças, Colombo relatou a  carência “enorme de profissionais” no combate às infecções fúngicas no mundo, a falta de preparo nos sistemas de saúde e a dificuldade de diagnósticas. Ele vê também falta de gestores para que os pacientes tenham acesso às melhores tecnologias diagnósticas, além do desinteresse da indústria para produção de medicamentos.
 
Financiamento
Ao pedir à imprensa para divulgar as ações do Gaffi, Colombo afirmou que o órgão busca potenciais financiadores sensibilizados pela causa. Conforme ele adiantou, existem conversas intensas com a Fundação Bill Gates sobre uma linha específica de trabalho e com “grandes” doadores na Europa. Além disso, informou que setores da indústria de transformação estão sendo procurados com o mesmo propósito.

“Na diretoria executiva (do Gaffi) existem dois executivos de grandes empresas na Europa, juntamente com a academia (científica), que definirão estratégias de captação de recursos”.

A diretoria executiva do Gaffi conta com quatro diretores, dentre eles, Jorge Alvar, que trabalha na Organização Mundial de Saúde (OMS) e que coordena ações sobre doenças negligenciadas.

No Brasil, os próximos passos do conselheiro do Gaffi é traçar estratégias prioritárias para combater às doenças fúngicas no país, desenvolver políticas de investimentos, documentos técnicos, além de programas de educação continuada na área, em busca de cumprir as metas estabelecidas pelo órgão, como redução de infecção e morte.
 
Dentre as prioridades brasileiras, está a busca pelo aprimoramento da educação para profissionais de saúde, o desenvolvimento de testes e diagnósticos “baratos”, inclusive na zona rural, onde existem muitos pacientes em risco, até pela falta de geladeiras comprometendo a questão térmica dos produtos perecíveis e tornando o armazenamento dos produtos vulneráveis a fungos.
 
Busca de apoio do Ministério da Saúde
Para fazer frente a tais desafios, o conselheiro destacou sua tentativa de realizar ações com o Ministério da Saúde com intuito de criar “programas específicos para que “possamos melhorar” o atendimento à população sob risco. A ideia é traçar duas iniciativas. Uma delas é incentivar o trabalho no campo com equipamentos de proteção, como luva e bota, para que o agricultor não “tenha trauma” com o solo.

Ele acrescentou estar ” tentando abrir uma porta de negociação com o Ministério da Saúde há oito meses”, ainda sem resultado. Considerou, porém, como um sinal positivo a presença de representantes do ministério no lançamento do Gaffi, que reuniu dezenas de especialistas da área de medicina e cientistas nacionais.
 
O órgão formulou um programa de trabalho para os próximos três anos. Uma das prioridades, disse Colombo, é buscar alternativas para reduzir na África a mortalidade por criptococose (doença infecciosa causada por um fungo, espalhada pelo mundo, acometendo mamíferos domésticos, como gato e cão, animais silvestres e o homem). Outra prioridade é reduzir a cegueira provocada por fungos e como melhorar os diagnósticos de Pneumocystis jiroveci, a Pneumocistose, uma “infecção muito comum” em pacientes com depressão da imunidade celular, igualmente os diagnósticos da hipersensibilidade a fungos e de doenças inflamatórias pulmonar, como asma.
 
“Essas são as quatro primeiras grandes linhas de trabalho definidas como prioridades neste momento”, disse.
 

Impacto na segurança alimentar
Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e professora titular do Departamento de Bioquímica da Unifesp, que esteve presente à cerimônia, disse que espera que tanto o Brasil quanto o mundo acordem para os investimentos em pesquisas científicas em combate às infecções fúngicas diante do lançamento do Gaffi.
 
Segundo ela, a mudança climática contribui para o ser humano ficar vulnerável às infecções fúngicas. Com base na literatura, ela destacou que a saúde do ecossistema como todo, tanto animais como plantas, tende a ser ameaçada pelos chamados “fungos emergentes”.
 
Conforme a presidente da SBPC, um número sem precedentes de fungos e de doenças fúngicas tem causado o que ela chamou de “algumas das mais graves mortandades” do planeta e extinções de espécies silvestres, tanto animal como vegetal. Tal cenário, Helena avalia, pode aumentar a pressão pela redução da biodiversidade, implicações na saúde humana e dos ecossistemas, além de colocar em risco a segurança alimentar, caso não sejam tomadas medidas para reforçar a segurança biológica mundial.

 
(Viviane Monteiro/ Jornal da Ciência)