SBPC solicita a aprovação da PEC 395-A/2014

Em carta enviada à Câmara dos Deputados na sexta-feira, 27, a presidente Helena Nader defende que a SBPC é favorável à proposta porque, além de não determinar a obrigatoriedade na cobrança pelos cursos de especialização, pós-graduação lato sensu e mestrado profissional, ela reforça a gratuidade nos cursos regulares de graduação e pós-graduação stricto sensu nas instituições de ensino superior públicas

Em carta enviada à Câmara dos Deputados na sexta-feira, 27, a presidente Helena Nader defende que a SBPC é favorável à proposta porque, além de não determinar a obrigatoriedade na cobrança pelos cursos de especialização, pós-graduação lato sensu e mestrado profissional, ela reforça a gratuidade nos cursos regulares de graduação e pós-graduação stricto sensu nas instituições de ensino superior públicas

Leia a carta na íntegra:

Excelentíssimos Senhores

Deputados Federais

Câmara dos Deputados

 

Assunto: PEC 395-A/2014

 

Senhores Deputados,

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 395-A, de 2014 está aguardando deliberação do Plenário. Diante da importância da matéria para as instituições de ensino superior públicas (IESP) de nosso País, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) solicita aos senhores Deputados que votem e aprovem a matéria na forma do parecer adotado pela Comissão Especial. Abaixo, justificamos nossa posição.

A SBPC é favorável à aprovação desta PEC, pelas seguintes razões:

1.     A PEC não obriga as instituições de ensino superior públicas (IESP) a cobrar pelo oferecimento de cursos de especialização, pós-graduação lato sensu e mestrado profissional. Se aprovada, dará às IESP, inclusive respeitando os preceitos da autonomia universitária, a prerrogativa de cobrar ou não cobrar por cursos daquelas modalidades.

De outra parte, a PEC reforça o que já estava assegurado na Carta Magna: a gratuidade nos cursos regulares de graduação e pós-graduação stricto sensu nas instituições públicas, cujo oferecimento é função precípua das IESP.

2.     A que se considerar uma diferença crucial entre essas duas modalidades de cursos. Os de graduação e pós-graduação stricto sensu visam a formação, respectivamente, de bacharéis e/ou licenciados, de mestres e de doutores, e reconhecem seus formandos com diplomas e lhes atribui títulos de mestre e doutor. Já os cursos de especialização e pós-graduação lato sensu se configuram complementares (a alguma formação anterior) e a seus concluintes são atribuídos certificados, sem lhes conferir titulação. O Mestrado Profissional é uma modalidade de Pós-Graduação voltada para a capacitação de profissionais, nas diversas áreas do conhecimento, mediante o estudo de técnicas, processos, ou temáticas que atendam a alguma demanda do mercado de trabalho. Tanto a especialização quanto o mestrado profissional são voltados para pessoal já inserido no mercado de trabalho. O objetivo é contribuir com o setor produtivo nacional buscando agregar maior nível de competitividade e produtividade em empresas e organizações, públicas ou privadas.

3.     Como fiel exemplo do direito consuetudinário, a PEC 395 virá regularizar um aspecto que emergiu e se cristalizou naturalmente no universo das IESP brasileiras.

Mesmo não havendo qualquer entendimento prévio, tácito ou formal, entre elas, e ainda considerando as particularidades de cada uma (motivos que levaram à sua criação, localização, áreas do conhecimento em que atuam, interface com a comunidade próxima, etc.), as IESP foram adotando, cada uma por si, como procedimento natural e lógico, a cobrança pelo oferecimento de cursos de especialização e pós-graduação lato sensu. Em outra maneira de dizer: da mesma forma que a ideia de cobrar mensalidades (pelo oferecimento de cursos regulares) nunca prosperou em nossas IESP, pois tratar-se-ia de uma prática contrária à cultura universitária brasileira, a cobrança pelo oferecimento de cursos de especialização e pós-graduação lato sensu tornou-se percebida e praticada como um procedimento natural, se não, óbvio, uma vez que não se inserem entre as atividades precípuas da universidade. Aqui cabe lembrar que essa cobrança nas universidades públicas vem sendo questionada pelos órgãos de controle, o que motivou a elaboração da PEC 395. As universidades públicas são em geral as que concentram a melhor qualidade de ensino, em função da qualidade das pesquisas realizadas, e na situação atual estão deixando de contribuir para esse tipo de formação. É relevante lembrar que o orçamento das universidades públicas não incorpora essa atividade, e a universidade pública deixa assim por não poder cobrar de contribuir para os avanços da competitividade do mercado de trabalho.

4.     Adicionalmente ao item acima, cabe observar mais um aspecto: do ponto de vista das modalidades de cursos existentes, o que caracteriza a instituição universitária é o oferecimento de cursos de graduação e, também, de pós-graduação stricto sensu. O oferecimento de cursos de especialização e pós-graduação lato sensu é apenas opcional de cada IESP. Ou seja, não existe instituição universitária se nela não existirem cursos regulares. Do mesmo modo, uma instituição não será reconhecida como universitária se se dedicar exclusivamente a cursos de especialização e pós-graduação lato sensu.

5.     A criação de cursos de graduação e pós-graduação stricto sensu, e de especialização e pós-graduação lato sensu, atende a motivações bastante distintas. Os primeiros são criados para suprir demandas estruturais da sociedade por formação sólida de profissionais. São cursos de abrangência universal e seu oferecimento é praticamente perene. Engenharia, medicina, direito, história, geografia, letras…, – na graduação são oferecidos há séculos, em todos os cantos do mundo, e certamente continuarão a sê-lo indefinidamente; na pós-graduação são mais recentes, obviamente, mas não se vislumbra de modo algum que em dado momento deixarão de existir.

Já os cursos de especialização e pós-graduação lato sensu são criados e oferecidos, regra geral, para atender demandas conjunturais e localizadas, apresentadas por entes específicos. Por exemplo, a empresa X vai se estabelecer na cidade Y e precisará de profissionais com características Z para poder colocar em funcionamento uma planta industrial W. A universidade A atenderá essa demanda da empresa X por meio da criação do curso de especialização B, que será oferecido durante um período C. Quando a planta W estiver em funcionamento, o curso B terá cumprido seu papel e deixará de existir.

6.     Os cursos de especialização e pós-graduação lato sensu se configuram como fontes de receita para as IESP, adicionalmente aos aportes do Tesouro público que elas recebem. Pelo fato desses aportes, normalmente, estarem aquém das necessidades das IESP, as receitas advindas dos cursos eventuais são importantes e contribuem de maneira relevante para a consecução das atividades de ensino, pesquisa e, notadamente, de extensão de serviços à comunidade que elas realizam. Como se tratam de instituições públicas – desnecessário dizer, que não visam lucro – as receitas dos cursos eventuais têm, portanto, o fim único de contribuir para o financiamento das atividades IESP.

7.     As despesas decorrentes dos cursos de especialização e pós-graduação stricto sensu não têm fontes de receita correspondentes nos orçamentos das IESP. Com isso, se impedidas de efetuar cobrança por esses cursos, as IESP fatalmente deixarão de oferecê-los. Do contrário, teriam de subtrair recursos originalmente destinados aos cursos regulares, à pesquisa e/ou à extensão de serviços à comunidade.

8.     Há que se reconhecer que as IESP – exatamente pela sua dedicação simultânea e intensa ao ensino, à pesquisa e à extensão de serviços – estão qualificadas para o oferecimento de cursos eventuais.

Se deixarem de fazê-lo (o que certamente ocorrerá se a PEC 395 não for aprovada), ocorrerão prejuízos ao menos em três níveis: a) as IESP perderão uma importante fonte de receita para a consecução de suas atividades-fim; b) a sociedade deixará de contar com um serviço qualificado; c) a demanda por cursos eventuais se canalizará totalmente para as instituições privadas de ensino superior, com duas ordens de consequências prejudiciais ao País: i) provavelmente ocorrerá uma queda de qualidade nos cursos, uma vez que, por exemplo, as instituições privadas contam com um número reduzido de professores doutores em seus quadros; ii) contribuirá para o desequilíbrio já existente no sistema de ensino superior brasileiro, uma vez que toda a ordem de cursos de especialização e pós-graduação stricto sensu será canalizada exatamente para o segmento menos preparado para a oferta de um ensino que, mesmo sendo complementar, exige qualidade. 

9.     Por fim, a consagração na Carta Magna de que os cursos de especialização, pós-graduação lato sensu e mestrado profissionalizante serão passíveis de cobrança, significará a desejável implantação de um ambiente de segurança jurídica para as IESP. Com isso, elas poderão melhor se organizar administrativa e didaticamente para a realização dessa atividade, com ganhos para os principais entes que necessitam desses cursos: as empresas ou instituições que os demandam e os profissionais que precisam melhorar sua colocação no mercado de trabalho.

Com os argumentos acima, estamos certos que a PEC 395-A deve ser aprovada imediatamente, pois trará benefícios para o ensino brasileiro.

Cordialmente,

HELENA B. NADER

Presidente

(Jornal da Ciência)