Claudia Levy aponta pontos preocupantes em proposta

A Casa Civil encaminhou documento ao Ministério do Meio Ambiente com sugestões para regulamentação da Lei da Biodiversidade e gerou preocupação na comunidade científica. A secretária geral da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a bióloga Claudia Levy, discordou de questões abordadas na minuta que elegeu seis pontos prioritários para a regulamentação do texto.
Claudia Levy destaca pontos críticos do documento da Casa Civil relacionados aos cadastros para pesquisadores e à composição do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético
A Casa Civil encaminhou documento ao Ministério do Meio Ambiente com sugestões para regulamentação da Lei da Biodiversidade e gerou preocupação na comunidade científica. A secretária geral da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a bióloga Claudia Levy, discordou de questões abordadas na minuta que elegeu seis pontos prioritários para a regulamentação do texto.
“A minuta ‘menos um’ da Casa Civil tem textos muitos preocupantes”, disse a cientista, na audiência pública realizada na quinta-feira, 22, na sede do Ibama, em Brasília, para debater o trâmite do texto da Lei (13.123/2015) que trata do acesso ao patrimônio genético, aos conhecimentos tradicionais e repartição de benéficos.
Uma das preocupações da secretária geral da SBPC é com o ponto que obriga o pesquisador a fazer cadastro para poder usar a “sequência in sílico” – banco de dados mundiais, públicos, de sequência de DNA e de proteína. De acordo com Levy, esse ponto consta da ‘minuta menos um’ e a SBPC “lutará muito contra isso”.
“Existe um banco de dados que tem sequências dos mais variados genes e genomas e dos mais variados tipos de organismos e de microrganismos do mundo. Isso quer dizer que qualquer sequência que esteja nesse banco de dados de organismos que foram isolados no Brasil, o pesquisador brasileiro terá de fazer um cadastro”, explicou. “O brasileiro será o único pesquisador do mundo que precisará fazer um cadastro para usar qualquer tipo de sequenciamento desse banco que é público”, contestou a cientista.
Ponderações do governo
O diretor de Patrimônio Genético do Ministério Meio Ambiente (MMA), Rafael Marques, explicou que o documento da Casa Civil foi realizado a partir das contribuições, recebidas até agora, de todas as partes interessadas no patrimônio genético da biodiversidade brasileira, para identificar os pontos mais polêmicos ou os que despertam mais interesses.
O representante da Casa Civil, César Carijo, disse que a intenção do documento é tentar organizar as sugestões recebidas na tentativa de aperfeiçoar o texto da lei.
Reforçando tal posicionamento, Marques disse que a minuta da Casa Civil busca ajudar a orientar a discussão e colaborar para que as pessoas tenham “uma ideia melhor do que seria o modelo de regulamentação e de como poderia funcionar.” Na prática, essa minuta representa a partida para uma nova discussão e o aperfeiçoamento do texto.
A Lei está em processo de consulta pública no portal do Ministério do Meio Ambiente (MMA) desde junho deste ano.  As sugestões podem ser encaminhadas até 30 deste mês.  A previsão é de que o decreto para a regulamentação da nova legislação seja publicado até 16 de novembro.
Também participaram da audiência pública representantes da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
Outras preocupações da comunidade científica
A secretária geral da SBPC disse que a desburocratização das pesquisas para acessar o patrimônio genético da biodiversidade representa um dos principais avanços da lei em discussão. Dessa forma, a cientista reforçou a necessidade de se criar um cadastro simples e desburocratizado para o pesquisador acessar os dados do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), autoridade máxima da legislação em discussão, vinculado ao MMA.
Levy defende que o sistema de cadastro seja centralizado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A legislação exige que o CEGEN mantenha diversos bancos de dados das pesquisas e de desenvolvimento tecnológico provenientes da biodiversidade. Haverá um cadastro para os pesquisadores acessarem esse sistema.
“É preciso ser simples e que seja necessário somente passar por todo trâmite de regulação se de fato a pesquisa resultar em algum produto ou beneficio que vai gerar lucro. Mas se for fazer  simplesmente a pesquisa científica,  a priori, precisa ser um cadastro simplificado e que o pesquisador possa iniciar as pesquisas sem correr nenhum risco de infração legal”, defendeu.
Até então, o cadastro era considerado demasiadamente burocratizado por exigir autorização prévia para se realizar qualquer tipo de pesquisa, desde as mais simples às mais complexas, o que inviabiliza as pesquisas e, por tabela, o desenvolvimento científico sobre o patrimônio genético. Otimista, ela acredita na possibilidade de se trabalhar em um texto que não venha atrapalhar e travar o desenvolvimento científico nacional.
Composição do CEGEN
Outra preocupação da cientista é no âmbito da composição do CEGEN. A proposta é de que sejam 21 conselheiros no total, sendo 11 deles do governo.  Na avaliação da secretária geral da SBPC, os conselheiros do governo precisam “ser criteriosamente selecionados”, na tentativa de evitar retrocessos posteriormente.
“Na mudança de um governo, se quem assumir a pasta não entender o quão deliciado é essa lei e quão importante é a composição do CEGEN, poderá indicar pessoas que não conhecem toda a problemática que foi vivida, desde a regulamentação da Medida Provisória; e de repente quererem criar normas técnicas…”, alerta a cientista. “Ás vezes, as pessoas decidem criar normas técnicas não porque querem atrapalhar o desenvolvimento do País, mas porque têm uma preocupação específica e, por falta de articulação com a academia e com a indústria, acaba gerando retrocessos”, analisa.
Levy acrescentou que a instituição buscará assegurar os três assentos previstos, no texto, para a comunidade científica na mesa do CEGEN. As indicações dos assentos são para a SBPC, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e o CNPq, que é o órgão que fomenta todas as pesquisas científicas brasileiras.
O diretor de Patrimônio Genético do Ministério Meio Ambiente (MMA), Rafael Marques, acredita que a composição do CEGEN é um dos pontos mais polêmicos da legislação em discussão e que existem preocupações de toda ordem.
“Esse é, talvez, o ponto politicamente mais controverso. Existe medo de que se torne muito técnico e pouco representativo. Há medo de que seja muito politizado e que tenha pouca tecnicidade para tomar as decisões como devem ser feitas. Há preocupação de que ele seja grande demais e que acabe inviabilizando as decisões. Tudo isso está sendo contemplado”, destacou.
Marques também citou como ponto crítico o cadastro para os pesquisadores, demandado pela comunidade cientifica que seja um cadastro ágil, sistematizado e que facilite a vida dos pesquisadores.
“Temos que contemplar todas as ponderações. E a Casa Civil tem o papel de receber todas as contribuições e tentar encontrar um máximo denominador comum para que saia uma legislação que atenda de maneira mais democrática diversos setores”, pontuou Marques.
Comunidades tradicionais descontentes
Descontente com o trâmite da regulamentação da lei, as comunidades tradicionais desistiram de participar da audiência pública. E entregaram um manifesto, no evento, lido pelo diretor de Patrimônio Genético do MMA. Um dos motivos, citados no manifesto, é o fato de a lei em discussão implicar “diretamente na obstrução e confronto direto com a própria Constituição Federal, além dos acordos internacionais”.   Há dúvidas se haverá, de fato, a repartição de benefícios em eventual produção de riquezas oriundas de conhecimentos tradicionais.