Cientistas alertam sobre pontos da legislação

Embora a Lei do acesso e repartição de benefícios represente um avanço para as pesquisas científicas realizadas com o patrimônio genético, a comunidade científica alerta para os prejuízos que a nova lei pode trazer aos povos indígenas e povos e comunidades tradicionais que são provedores de conhecimentos tradicionais associados, como os de plantas medicinais.
Presidente Dilma Rousseff sanciona hoje o PL nº 7.735/2014. SBPC quer que as regras e procedimentos fiquem “claros, simples e desburocratizados” na regulamentação da lei
Embora a Lei do acesso e repartição de benefícios represente um avanço para as pesquisas científicas realizadas com o patrimônio genético, a comunidade científica alerta para os prejuízos que a nova lei pode trazer aos povos indígenas e povos e comunidades tradicionais que são provedores de conhecimentos tradicionais associados, como os de plantas medicinais.
A presidente Dilma tem até hoje,  20, para sancionar o PL 7735/2014 aprovado pela Câmara e pelo Senado. Essa legislação regulamenta o acesso ao patrimônio genético do País, aos conhecimentos tradicionais associados e a repartição de benefícios advindos da utilização das diversidades genéticas, para fins de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico e exploração econômica.
De olho no impacto da nova legislação nas diferentes áreas do conhecimento, a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a biomédica Helena B. Nader, analisou os prós e contra da medida. A instituição representa mais de 120 sociedades científicas, de diversas áreas da Ciência, dentre as quais as ciências biológicas e sociais.
A presidente da SBPC reconheceu os avanços do PL para as atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) com patrimônio genético. Alertou, porém, sobre os retrocessos da Lei no que se refere aos direitos dos povos indígenas e povos e comunidades tradicionais.
Alguns desses retrocessos, observou Helena, incidem sobre os direitos desses povos e comunidades de consentir o acesso do setor produtivo aos seus conhecimentos associados ao patrimônio genético; no de perceber benefícios oriundos de tal acesso por meio de acordo de repartição de benefícios; e no de consultar os povos interessados em relação a medidas legislativas ou administrativas que possam prejudicá-los diretamente.
“Em nosso entendimento, a ética e o respeito aos direitos adquiridos é condição sine qua non para o desenvolvimento de uma ciência séria”, pontua Helena.
Diante desse fato,  Helena disse discordar do texto final aprovado na Câmara, que desconsiderou “as melhorias inseridas” pelo Senado que foram fruto do diálogo com os diferentes grupos da sociedade, dentre os quais os povos e comunidades e a comunidade científica.
Objeções às rejeições da Câmara
A presidente da SBPC lamentou, ainda, a rejeição dos deputados à Emenda nº 7 do Senado, que definia como competência do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen), do Ministério do Meio Ambiente (MMA), a construção e manutenção de um centro de assistência para os povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares.  A ideia dessa proposta era propiciar a conscientização a respeito da importância dos recursos genéticos e do conhecimento tradicional associado e de outras questões relacionadas a acesso e repartição de benefícios.
A justificativa dessa rejeição foi de que no texto da emenda estava escrito “povos indígenas” ao invés de “populações indígenas”, como aprovado pelos parlamentares. No entanto, os deputados poderiam aprovar a emenda no mérito, e corrigir a redação em relação ao termo “povo”, defendeu Helena.
Vários pontos da nova Lei precisam ser regulamentados. A presidente da SBPC defendeu a contribuição de vários segmentos da sociedade para assegurar que as regras e procedimentos fiquem “claros, simples e desburocratizados” no processo de regulamentação da nova lei. “Se isso não acontecer está arriscado de se promover novos retrocessos”, alerta Helena.
Legislação acelera pesquisas científicas
Apesar de enxergar retrocessos da nova legislação, a presidente da SBPC, Helena Nader, reconhece alguns avanços da nova Lei em prol das pesquisas científicas. Um exemplo é a retirada da necessidade de anuência prévia do proprietário da terra onde se obteve o componente do patrimônio genético e de autorização do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen). Isso, na avaliação de Helena, deve agilizar consideravelmente a pesquisa no País.
A presidente da SBPC também considerou positivo o cadastro eletrônico. Pela ferramenta, o pesquisador deverá realizar o cadastro das suas atividades, por meio eletrônico, antes da remessa de amostra de patrimônio genético, do requerimento de qualquer direito de propriedade intelectual, da divulgação dos resultados, parciais ou finais, em meios científicos ou de comunicação, ou da comercialização de produto intermediário desenvolvido em decorrência do acesso.
Nesses casos, Helena citou como positivo o fato de não existir mais a necessidade de se estabelecer um contrato com o provedor do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado. No caso, porém, de acesso a conhecimento tradicional associado de origem identificável, o pesquisador/usuário deverá obter o consentimento do povo/comunidade antes de realizar o acesso.
Helena citou ainda a mudança na composição do CGen, incluindo como membros efetivos plenos os representantes da comunidade científica, empresas, populações indígenas e povos e comunidades tradicionais, criando um espaço de negociação e de controle social.
Outro ponto positivo, na análise da presidente da SBPC é a inserção, em seu escopo, dos recursos genéticos para alimentação e agricultura. Vale lembrar que na proposta original, encaminhada pelo Executivo, esses recursos estavam fora do escopo do projeto.
“Ficariam ainda no âmbito da MP 2186-16/2001, o que deixaria a pesquisa agrícola sob as velhas regras burocráticas.”
Helena lembrou que a burocracia da MP desestimulava a geração de conhecimento sobre  o patrimônio genético e paralisava ou atrasava projetos de pesquisa científicas, dissertações e teses de doutorado.
Vale destacar que nos últimos 15 anos vários dispositivos da MP foram regulamentados, com intuito de facilitar a implementação da medida provisória, em especial no que se refere à pesquisa científica. A MP será revogada em seis meses, após a publicação da nova lei.

Crítica ao conjunto de isenções
A especialista em biodiversidade, a bióloga Nurit Bensusan, assessora do Instituto Socioambiental (ISA), também  demonstra pessimismo com o texto final do Projeto de Lei nº 7.735 aprovado pelos deputados.
“Na minha avaliação o texto que saiu da Câmara para sanção presidencial é muito ruim. Acredito que todos nós ainda, desde os detentores de conhecimento tradicional, passando pelos usuários, academia científica e empresas, sentiremos saudades da Medida Provisória (MP 2186-16/2001)”, lamenta a especialista.
No entendimento da bióloga, o texto final aprovado “faz concessões, isenções e anistias inaceitáveis”, beneficiando a indústria em detrimento dos povos e populações indígenas e comunidades tradicionais. Tais fatores, avalia Nurit, devem levar à judicialização da legislação.
“A cada hora alguém vai questionar a lei. Além disso, não há cabimento para tantas isenções”, analisou a especialista. Conforme disse, a maioria das isenções é relacionada à repartição de benefícios ligados ao patrimônio genético.
Uma das isenções incidirá sobre  acordos setoriais, quando a repartição de benefício que é de 1% (da receita líquida anual da comercialização do produto acabado ou material reprodutivo) pode cair para 0,1% (zero vírgula um por cento).
“Quando se acessa o conhecimento tradicional haverá uma isenção sobre a repartição de benefício do patrimônio genético. E quando se alega acesso ao patrimônio genético antes de 2000 também haverá isenção. Ou seja, é uma coleção de isenções injustificáveis.”
Diante de tantos problemas e da insegurança jurídica no âmbito do texto do PL, a especialista em biodiversidade não soube responder se a legislação beneficiará as pesquisas. “A Lei será questionada depois por todo mundo”, disse a especialista. Para ela, os avanços da nova legislação são pontuais.
(Viviane Monteiro/ Jornal da Ciência)