MEC promete revisar a Portaria 2227 que limita circulação de pesquisadores

Em nota divulgada pela assessoria de comunicação, Ministério garante que as novas regras estão sendo revistas, em atendimento à solicitação dos pesquisadores, professores e reitores das universidades e institutos federais

O Ministério da Educação (MEC) prometeu revisar a Portaria 2.227, de 31/12/2019, que dispõe sobre os procedimentos para afastamento da sede e do País e concessão de diárias e passagens em viagens nacionais e internacionais, a serviço. A informação foi divulgada por nota distribuída a alguns veículos de imprensa por meio da assessoria de comunicação do Ministério.

Na nota, o MEC afirma que a Portaria não proíbe o deslocamento de servidores, mas sim “prevê a possibilidade de ampliação de participantes em casos excepcionais”. E completa: “No momento, a portaria está sendo revisada e analisada para possíveis modificações, em atendimento à solicitação de pesquisadores, professores e reitores das universidades e institutos federais”.

O posicionamento vem seis dias após o envio pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciência (ABC), de uma carta endereçada ao ministro Abraham Weintraub pedindo a revisão da portaria. O documento foi assinado por mais de 60 instituições científicas, mas até hoje o MEC não havia respondido às entidades.

A portaria poderia ter um forte impacto negativo sobre a pesquisa científica brasileira, frisa o presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira. “A portaria afeta até a participação de pesquisadores  que utilizam recursos de agências de fomento, de outros órgãos e de instituições privadas e empresas.” “Uma maior internacionalização da ciência brasileira, um desafio importante, seria muito prejudicada”, critica Moreira.

“Os congressos, encontros, seminários, reuniões de sociedades científicas são essenciais para a troca de informações entre os pesquisadores, a comparação o teste de modelos, teorias e experimentos científicos, as interações que geram novas ideias, o contato de pesquisadores mais jovens e de estudantes com pesquisadores mais qualificados”, diz o presidente da SBPC. Ele lembra que eventos desse tipo contribuem muito para o avanço das pesquisas, para a geração de novas ideias e inovações e para a formação de pessoal qualificado. “Trata-se de uma prática secular no mundo, em especial nos países mais desenvolvidos”, completa, lembrando a China, quando se abriu mais para o intercâmbio científico e apoiou fortemente  a CT&I, obteve um enorme avanço tecnológico e econômico, estando prestes a ultrapassar os Estados Unidos.

Há um consenso entre os dirigentes das entidades científicas de que o texto da portaria, além de deletério para a ciência, é confuso, por isso está sendo submetido também à análise de advogados e especialistas. “Já havia, desde vários anos, legislações e portarias definindo os procedimentos e limitando viagens de servidores do MEC. A legislação recente, mais estendida e restritiva, pode atingir, de forma muito séria os professores e pesquisadores universitários”, analisa Moreira. “Por isso pedimos a revisão imediata dessa portaria. E que isto seja feito em articulação com as universidades e com a comunidade científica”.

O presidente da SBPC diz que certamente há que ter controles e uma justa preocupação com o uso adequado e correto dos recursos públicos para viagens a congressos, eventos e encontros, sejam elas de autoridades governamentais, servidores, parlamentares, membros do judiciário ou professores universitários. Para os pesquisadores um ponto essencial é que os procedimentos estejam baseados na análise de mérito, na relevância e tenham também agilidade burocrática; as universidades, as instituições de pesquisa e as agências de fomento à pesquisa são os organismos que podem analisar isto com competência, presteza e conhecimento de causa. É fundamental preservar a autonomia das universidades em muitas destas decisões, resguardadas as limitações legais mais amplas do serviço público. “Há também um esforço recente de realizar muitos debates, encontros e defesas de teses (ou com parte dos participantes) por meio da internet e é importante que isto seja ampliado no sentido da redução de gastos e de tempo. Mas os congressos e encontros científicos presenciais são fundamentais para as atividades científicas e o avanço da ciência e tecnologia.”

A Portaria causou grande apreensão entre os gestores de equipes de pesquisas. “Temos participação nos comitês que preparam os relatórios do IPCC, em vários temas como cidades sustentáveis, água e outros diferentes aspectos das mudanças climáticas. Então quando houver uma reunião do IPCC eu vou ter que escolher qual eu mando?”, questionou o diretor geral do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ), Romildo Dias Toledo Filho. Em muitas dessas reuniões, explica, as viagens são custeadas, em parte, pelo IPCC.

Maior centro de ensino e pesquisa em engenharia da América Latina, a Coppe tem cinco membros permanentes no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), organização científico-política da ONU que reúne os mais destacados cientistas e pesquisadores do clima no mundo. Além disso, seus professores e pesquisadores são frequentemente requisitados para palestras e consultorias dentro e fora do Brasil.
“Essa nova regra certamente afetará a mobilidade (de pesquisadores e estudantes) e se não formos mais vistos nos eventos, em pouco tempo vamos perder a reputação que ainda está em construção”, disse Toledo Filho.

Os dirigentes das sociedades de Química (SBQ), Norberto Peporine Lopes, e de Física (SBF), Caio Henrique Lewenkopf, estimam que as novas regras possam inviabilizar encontros e reuniões fundamentais para a troca de informações que fazem a ciência evoluir no Brasil e no mundo.

“Há risco de inviabilizar os encontros nacionais”, afirma Lewenkopf. Segundo ele, a SBF tem um encontro anual de Outono que costuma reunir mais de mil pessoas entre professores, cientistas e pesquisadores nas áreas de física da matéria condensada e de materiais, médica, estatística, biológica, atômica e molecular, nuclear, ótica, fotônica, e Física na empresa. Encontros como esse servem para que os cientistas definam para onde devem direcionar suas pesquisas, como avançar e no que investir.

“A ciência nacional é feita basicamente nas universidades e o encontro da SBF leva muito mais que dois participantes por instituto, (a portaria) vai ser muito ruim pra gente”, avalia o vice-presidente da SBF.

Lewenkopf frisa que a reunião anual também abre várias oportunidades para os estudantes de Física. “Para os jovens, nossa reunião anual é quase um ‘mercado de trabalho’ porque eles podem conhecer a Física que se faz no país, mostrar seus trabalhos estabelecer uma rede de contatos e trocar informações”. E acrescenta: “Eu sempre aproveito para identificar estudantes que possa chamar para fazer parte do meu grupo de pesquisa na UFF (Universidade Federal Fluminense)”. Para o vice-presidente da SBF, se não for revertida, a portaria vai causar um grande “baque” na programação de encontros da entidade.

Norberto Peporine Lopes, presidente da SBQ, alerta que o principal fórum de discussão da Química brasileira, promovido pela entidade em sua reunião anual, está ameaçado diante da portaria 2227, destacando também a falta de clareza do texto emitido pelo MEC. “Os professores estão confusos sobre as novas regras e isso vai fazer com que muitos deixem de participar do evento”, afirma. “Não dá para entender. A impressão é que aparentemente é uma norma visando redução de custos, mas a visão que temos hoje é que tem um impacto muito mais político do que de redução de custos, porque isso evita a organização, as pessoas não se reúnem” diz Peporine.

O presidente da SBQ chama atenção para um aspecto que, acredita, deve ter passado despercebido pelos formuladores da portaria no MEC: além da importância para a pesquisa, os eventos científicos têm um impacto econômico. Segundo dados da edição 2018/2019 de um levantamento divulgado pela Revista Eventos, da Eventos Expo Editora, o segmento como um todo (incluindo o científico) movimentou R$ 854 bilhões de reais – ou 13% do PIB Nacional até o ano passado. Eventos técnico-científicos, segundo a publicação especializada, tendem a ter o maior crescimento entre todos os demais.

“Não sei como o pessoal do turismo ainda não chiou”, diz Peporine Lopes.

Janes Rocha – Jornal da Ciência