“Na ciência, o mais importante é saber fazer perguntas”

Regina Pekelmann Markus é a vencedora do 5º Prêmio “Carolina Bori Ciência & Mulher” na área de Biológicas e Saúde. Cerimônia de entrega do Prêmio será amanhã, 06 de fevereiro

Regina MarkusA vencedora na área de Biológicas e Saúde do 5º Prêmio Carolina Bori “Ciência & Mulher” é a biomédica e farmacologista Regina Pekelmann Markus. Professora titular do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, a cientista atua na área de Cronofarmacologia, com ênfase no papel da melatonina sobre a resposta inflamatória e câncer.

A cientista é responsável por introduzir o conceito de Eixo Imuno-Pineal, mostrando que a defesa a uma agressão por microrganismos, poluição ambiental, agressão física e mesmo depressão aguda impedem, por um curto espaço de tempo, a circulação do hormônio do escuro, a melatonina (um hormônio produzido por uma pequena glândula, a pineal, situada na base do cérebro). Essa constatação permitiu compreender por que remédios funcionam para certas pessoas e não para outras e trouxe mudanças práticas na farmacologia, como quanto ao horário em que os remédios devem ser administrados.

Em depoimento gravado para a SBPC, ela lembra que sua curiosidade de infância a levou a trilhar a carreira científica. “Na ciência, o mais importante é saber fazer perguntas, e não só aquelas para esclarecimentos, mas também aquelas que podem levar a hipóteses. E eu aprendi a fazer isso ainda no primário. Estudei em uma escola criada por pessoas do Leste Europeu, que era extremamente especial. Era uma escola que incentivava a perguntar. Lembro de um passeio ao Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (Ibecc), criado pelo professor Isaias Raw, em 1952. Ali eu aprendi a mexer naquelas coisas maravilhosas de química. Antes mesmo das moléculas, conheci a tabela periódica. Visitávamos livrarias, bibliotecas… acabei entrando em Ciências Biomédicas na Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) e o mais interessante foi que ali era um curso de formação de cientistas. Quando entrei na Escola Paulista de Medicina, eu encontrei aquela inspiração que eu precisava para fazer as perguntas que eu gostava”, conta.

Markus comenta ainda que conheceu o curso de Ciências Biomédica por intermédio de um amigo do cursinho. “Logo depois de formada, entrei no doutorado em Farmacologia. Terminei o doutorado em quatro anos, casada, com uma filha e um filho para nascer. Fui docente da EPM por 15 anos, fui para o Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo em Farmacologia, e desde 1997 estou no Instituto de Biociências da USP, no Departamento de Fisiologia.”

“Fiz o doutorado com muita garra, e naquele trabalho inicial tive muitas perguntas e acertei algumas respostas. Desse redemoinho, essa história que eu construí para chegar ao conceito do Eixo Imune-Pineal. Nós detectamos que no individuo saudável, nem todas as células que correm pela corrente sanguínea  iam para o tecido, porque, à noite, a melatonina impedia essa migração. E quando vem uma agressão de qualquer tipo, no local dessa agressão isso é alterado. Foi um conceito todo novo”, explica. “De lá para cá, fui acrescentando, até chegar em um momento em que uma gama de moléculas pode fazer essa conversa cruzada e mostrar que essa conversa pode ser importante na hora de fazer transplante de medula – que já está sendo usado na prática, pode ser importante para acidentes vasculares celebrais. Em muitos casos, mostra a complexidade da vida.”

“Dentro da minha carreira cientifica, eu sempre procurei perguntar aquilo que tivesse diferencial, mas principalmente baseado na variância dos dados. Os dados variam muito e, às vezes, muito pouco. Essa comparação que me levou à minha grande pergunta: qual é a relevância do hormônio do escuro para fazer com que eu tenha uma diferença entre o saudável e o doente? O jovem e o velho? Aquele que recebeu uma picada do mosquito, aquele que não? Aquele que teve covid e o que não teve? E assim conseguimos mostrar que existe uma diferença enorme e criar o conceito do Eixo Imune-Pineal. Este conceito permitiu que eu tivesse uma projeção internacional a partir de trabalhos realizado e idealizados no Brasil”, explica.

De lá para cá, Markus conta que tem estudado alterações pulmonares, defesa pulmonar, além de mostrar que todo esse mecanismo pode dar um novo arcabouço para o entendimento da defesa biológica. A cientista está desenvolvendo novas plataformas moleculares de ligantes seletivos e mistos de receptores de melatonina focando terapias de câncer, excesso de peso e doenças neurodegenerativas baseadas no conceito do Eixo Imune-Pineal.“E é nisso que tenho me divertido”, diz.

Ao falar de sua paixão, Markus ressalta que, para aqueles que querem seguir na carreira científica, o importante é saber perguntar. “A verdade científica não existe. O que existe é a realidade do conhecimento. O que existe é transformar aquela pergunta em uma hipótese. E transformar a hipótese não em uma verdade – não existe verdade na ciência: o que existe são fatos que podem fazer parte de um conglomerado. E o tempo todo, questionar se aquilo que estou fazendo é verdade para achar um outro caminho. Eu ando e encontro uma pedra. Se eu for capaz, eu removo a pedra. Se eu não for capaz, eu dou a volta na pedra. Isso é ciência”, explica.

Quanto ao Prêmio Carolina Bori, Markus ressalta sua importância por ele dar visibilidade sobre os infinitos caminhos que as mulheres cientistas podem e devem trilhar. “Isso é importante, por mostrar que a vida pode ser maravilhosa quando a gente faz algo inédito”, afirma.

Indicada pela Sociedade Brasileira de Farmacologia e Terapêutica Experimental (SBFTE), Markus é graduada em Ciências Biomédicas pela Escola Paulista de Medicina (1970) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e doutorada em Farmacologia pela mesma instituição em 1974.

Desde 2007, atua como vice-presidente da Associação Amigos do Instituto Weizmann, Brasil, parecerista de diversas revistas internacionais e pertence ao Corpo Editorial do Journal Pineal Research, Frontiers in Cellular Endocrinoly  do Brain Behavior and Immunity e faz parte do Comitê da International Union for Pharmacology (IUPHAR) para receptores de melatonina.

A cientista já publicou 123 artigos indexados, orientou 74 pesquisadores (pós-graduandos, pós-docs e ICs). Ela é membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp), atuou em diretorias da SBFTE, SBPC e Federação das Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE).

Dos diversos prêmios que recebeu, destacam-se o UN Women USA Raise and Raise Others Award (2022), a Medalha da Ordem do Mérito Científico (2023) e o Prêmio Mulheres na Farmacologia no Brasil (SBFTE, 2023).

O Prêmio

Além de Regina Pekelmann Markus, foram reconhecidas a antropóloga Maria Manuela Ligeti Carneiro da Cunha, na área de Humanidades, e química Yvonne Primerano Mascarenhas na area de Engenharias, Exatas e Ciências.

Nesta edição, a SBPC recebeu 50 indicações de 52 Sociedades Científicas Afiliadas à entidade. Do total de indicadas, 15 eram da área de Humanidades, 18 das Biológicas e Saúde e 17 das Engenharias, Exatas e Ciência da Terra.

Criado em 2019, o Prêmio “Carolina Bori Ciência & Mulher” é uma homenagem da SBPC às cientistas brasileiras destacadas e às futuras cientistas brasileiras de notório talento, que leva o nome de sua primeira presidente mulher, Carolina Martuscelli Bori. A SBPC — que já teve três mulheres presidentes e hoje conta com uma maioria feminina em sua diretoria — criou essa premiação por acreditar que homenagear as cientistas brasileiras e incentivar as meninas e mulheres a se interessarem por este universo é uma ação marcante de sua trajetória histórica, em que tantas mulheres foram protagonistas do trabalho e de anos de lutas e sucesso na maior sociedade científica do País e da América do Sul.

A cerimônia de entrega do Prêmio, que integra celebrações do Centenário de Nascimento de Carolina Bori, será nesta terça-feira, 06 de fevereiro, com transmissão pelo canal da SBPC no YouTube a partir das 10h. Aberto a todos e gratuito, o evento será realizado no Salão Nobre do Centro MariAntonia da USP, em São Paulo.

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Jornal da Ciência